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A interrupção da prescrição como efeito da instituição da arbitragem

Vale mencionar que a instauração da arbitragem produz ainda outros importantes efeitos. Inaugura a jurisdição dos árbitros e, por consequência, transfere do Judiciário para o painel arbitral (ou ao árbitro único, se for o caso) a competência para decidir medidas de cunho cautelar.

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Atualizado em 5 de abril de 2022 08:30

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Muito se discutiu, antes da reforma da lei 9.307/96, promovida pelo lei 13.129/15, se a instituição da arbitragem tinha o condão de interromper o prazo prescricional e em que medida1.

Preocupava, em especial, o risco de uma arbitragem demorar para ser instituída e eventualmente ser decretada a prescrição da pretensão nela deduzida, no meio tempo entre o pedido de instauração da arbitragem e a formação do tribunal arbitral.

Inclusive, em decisão relativamente recente, o STJ posicionou-se no sentido de que, à falta de previsão legal a respeito, antes da Reforma da Lei de Arbitragem, datada de 26 de maio de 2015, o requerimento de instauração do procedimento arbitral não tinha o efeito de interromper o prazo extintivo de direito. Assentou o Min. Gurgel de Faria, na ocasião, que "somente com o advento da Lei n. 13.129/2015, que modificou a Lei de Arbitragem, passou a existir no ordenamento jurídico pátrio expressa previsão acerca da instituição do procedimento arbitral como causa de interrupção da prescrição (art. 19, § 2º, da Lei n. 9.307/1996)", de sorte que "a notificação para formação de juízo arbitral não serve para interromper o fluxo do prazo prescricional", "pois, ao tempo da sua apresentação, inexistia regramento legal específico que dispusesse acerca dos efeitos da prescrição no âmbito do processo arbitral, eficácia somente obtida com o novel diploma supracitado"2.

O § 2º do art. 19 da Lei de Arbitragem, nela incluído pela reforma de 2015, veio para suprir a sobredita lacuna até então existente no microssistema arbitral, geradora de relevante insegurança jurídica. Reza o aludido § 2º: 

"§ 2º A instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição".   

A sobredita alteração legislativa trouxe, sem sombra de dúvida, importante modificação no regime jurídico aplicável à prescrição, nos procedimentos arbitrais. Hoje, uma vez instituída a arbitragem, com a aceitação do encargo pelos árbitros, tem-se a prescrição por interrompida, em caráter retroativo à data da apresentação do requerimento de arbitragem, ainda que eventualmente os árbitros posteriormente acolham eventual objeção de jurisdição.

Por "data do requerimento de sua instauração" entende-se toda e qualquer iniciativa que tenha por objetivo provocar a instauração do procedimento arbitral. Não especificando a lei qualquer formalidade para tal ato, há de se considerar como suficiente qualquer iniciativa inequívoca voltada para provocar o início da arbitragem, tal e qual a correspondência enviada ao requerido, convocando-o para firmar o compromisso arbitral, na forma do art. 6º da Lei3, ou o mero protocolo do pedido de instauração da arbitragem, no órgão institucional competente. Na dicção de Cahali: 

"deverá ser considerada como ato interruptivo da prescrição a inequívoca iniciativa em provocar o início da arbitragem. Ou seja, no exato instante em que a parte, comprovadamente, demonstra seu propósito de materializar o juízo arbitral, deve-se atribuir ao fato a força interruptiva da prescrição. E na diversidade de formas para se dar início a arbitragem, peculiar do sistema arbitral, qualquer delas deve ser aceita. Assim, desde aquela correspondência enviada ao adversário, convocando-o para firmar o compromisso (art. 6º da Lei 9.307/1996), até o protocolo da solicitação de instauração de procedimento arbitral apresentado na entidade eleita pelas partes (ou seja, antes mesmo da aceitação do árbitro, ou da assinatura da ata de missão/ termo de arbitragem), passando pela só assinatura de compromisso arbitral e ainda pela provocação do árbitro de acordo com a convenção, são atos aptos ao fim aqui tratado, pois demonstram a perseguição, pelo interessado, da tutela jurisdicional de seus afirmados direitos, na forma prevista no sistema jurídico próprio"4. 

A interrupção da prescrição - perceba-se - está condicionada à instituição da arbitragem, isto é, ao início da fase arbitral propriamente dita, que ocorre com a aceitação da nomeação pelos árbitros. O fenômeno interruptivo, contudo, retroage à data da apresentação do requerimento de instauração da arbitragem.

O interessado também possui a opção de interromper a prescrição antes da instituição da arbitragem, mediante protesto interruptivo, conforme prescrevem os arts. 202, I e II, do Código Civil5, combinado com o art. 726, §2º, do Código de Processo Civil6.

Releva notar que não podem as partes, em razão da natureza cogente das normas que regem a prescrição, convencionar a não observância delas, nos termos dos arts. 1917 e 1928 do Código Civil. Na dicção de Thiago Marinho Nunes, "as regras impostas pelo legislador acerca da prescrição têm o caráter de ordem pública, dada a inegociabilidade de instituto prescricional"9.

Cabe perquirir, no entanto, o que acontece se, antes da instituição da arbitragem, a câmara eleita para administrar o conflito nega prosseguimento ao procedimento arbitral, ante a manifesta inexistência, invalidade ou ineficácia, prima facie, da convenção de arbitragem10. A lei diz que a prescrição há de ser tida por interrompida, ainda que a arbitragem seja extinta, por ausência de jurisdição. A interrupção, entretanto, fica condicionada à instituição do juízo arbitral. Se a arbitragem não chegou a ser instaurada, a conclusão automática deveria ser a de que não houve a interrupção do prazo prescricional.

Não nos parece, todavia, seja esta a melhor orientação. As entidades arbitrais, ainda que exerçam função predominantemente administrativa, podem também ser provocadas a, excepcionalmente e prima facie, praticar algum ato de cunho jurisdicional. É o que ocorre quando a instituição acolhe eventual objeção de jurisdição e impede o prosseguimento da arbitragem. Neste caso, há de se reconhecer a interrupção da prescrição, retroagindo-se à data da apresentação do pedido de instauração da arbitragem.

Por fim, vale mencionar que a instauração da arbitragem produz ainda outros importantes efeitos. Inaugura a jurisdição dos árbitros e, por consequência, transfere do Judiciário para o painel arbitral (ou ao árbitro único, se for o caso) a competência para decidir medidas de cunho cautelar. Além disso, a instituição do juízo arbitral estabelece o termo inicial para contagem do prazo para prolação da sentença, nos termos do art. 2311 da Lei de Arbitragem. Também torna litigiosa a coisa e induz litispendência.

_____________

1 O assunto era extremamente controvertido antes da Reforma da Lei de Arbitragem, de 2015. Vide, para uma análise detida das diversas orientações que existiam a respeito do tema: NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e prescrição. São Paulo: Atlas, 2014, p. 209-223.

2 STJ, AREsp 640.815/PR, Primeira Turma, Min. Rel. Gurgel de Faria, DJe 20.02.2018.

3 SCAVONE JR., Luiz Antonio. Manual de Arbitragem, Mediação e Conciliação. 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018, p. 150.

4 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem, Mediação, Conciliação, Tribunal Multiportas. 7ª ed. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2018, p. 297.

5 "Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; II - por protesto, nas condições do inciso antecedente".

6 "Art. 726. Quem tiver interesse em manifestar formalmente sua vontade a outrem sobre assunto juridicamente relevante poderá notificar pessoas participantes da mesma relação jurídica para dar-lhes ciência de seu propósito. § 1º Se a pretensão for a de dar conhecimento geral ao público, mediante edital, o juiz só a deferirá se a tiver por fundada e necessária ao resguardo de direito. § 2º Aplica-se o disposto nesta Seção, no que couber, ao protesto judicial."

7 "Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição."

8 "Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes."

9 NUNES, Thiago Marinho, op. cit., p. 105.

10 É comum e frequente que os regulamentos das câmaras de arbitragem contemplem previsão de tal natureza, permitindo, em nome da celeridade processual, a extinção do procedimento, pela própria instituição, sempre que for manifesta a inexistência, invalidade ou ineficácia da cláusula compromissória. Nesse sentido, por todos, vale mencionar o item 4.1 do regulamento do CBMA: "4.1. Questionada a existência, validade ou eficácia da convenção de arbitragem, o Centro deverá dar prosseguimento à arbitragem, exceto quando entender ser a convenção de arbitragem manifestamente inexistente, inválida ou ineficaz". Disponível em: http://www.cbma.com.br/regulamento_1. Acesso em: 21.04.2021.

11 "Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro".

Gustavo da Rocha Schmidt

Gustavo da Rocha Schmidt

Professor da FGV Direito Rio e Presidente do CBMA - Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem.

Daniel Brantes Ferreira

Daniel Brantes Ferreira

Doutor e mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC/RJ. Pós-doutor em Direito Processual pela UERJ. Vice-presidente de Assuntos Acadêmicos do CBMA - Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem. Professor da Universidade Cândido Mendes, da EMERJ e do Mestrado da Ambra University.

Rafael Carvalho Rezende Oliveira

VIP Rafael Carvalho Rezende Oliveira

Pós-doutor pela Fordham University School of Law (New York). Doutor em Direito pela UVA-RJ. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ. Especialista em Direito do Estado pela UERJ. Professor. Ex-defensor Público Federal. Procurador do Município do Rio de Janeiro. Sócio-fundador do escritório Rafael Oliveira Advogados Associados. Árbitro e consultor jurídico.

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