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Dia mundial do autismo e o direito do autista de estar em todos os lugares

É direito do autista estar e frequentar todos os lugares!

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Atualizado às 08:26

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Conforme definido pela Organização das Nações Unidas - ONU, o dia 2 de abril é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, data fixada para atrair atenção de toda a Sociedade para esse tema tão relevante e presente em nosso cotidiano.1

Atualmente o Brasil não possui números oficiais a respeito do tema, mas seguindo o número de referência mundial, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, estima-se que 1 a cada 44 crianças nasce com autismo.2

O Transtorno do Espectro Autista é conhecido há muito tempo, apesar das inúmeras variações de nomenclatura e definição ocorridas ao longo dos anos. Em 1952 era tratado como reação esquizofrênica, em 1968 como esquizofrenia tipo infantil, em 1980 foi inserido nos transtornos globais de desenvolvimento, e somente em 2013 passou a ser entendido como Transtorno do Espectro Autista.3 Nas palavras de Viviane Campos e Jaqueline Lopes:

Levou mais de 100 anos de estudo para que o Transtorno do Espectro Autismo fosse assim classificado e nomeado, mas ainda existe uma longa jornada de conscientização pela frente.4

Atualmente, entende-se, sinteticamente, que o Transtorno do Espectro Autista é um distúrbio de neurodesenvolvimento que causa prejuízos precoces na comunicação e na interação social, além de comportamentos repetitivos e interesses restritos. Neste sentido, vale frisar que autismo não é uma doença, não é possível transmitir autismo. É uma condição advinda da atipicidade de desenvolvimento neurológico.5

Em outras palavras, o autismo advém de uma atipicidade no desenvolvimento neurológico do indivíduo, afetando duas grandes áreas, a comunicação e o comportamento, sendo, portanto, uma condição intraútero.

Apesar de existirem critérios diagnósticos, sabe-se que o espectro é muito amplo e a forma de apresentação das características é bastante variável, podendo se identificar inúmeros tipos distintivos, tais como estereotipias, aversão ao toque, apego a rotina, preferência em ficar sozinho, hiperfocos dos mais variados, comportamentos autolesivos, hipersensibilidades sensoriais, compreensão mais literal, dificuldades com figuras de linguagem, rigidez cognitiva, crises, entre outros.

Diariamente, a Comunidade Autista, em conjunto com a comunidade médica e psicológica, busca aclarar tais características, dando visibilidade à diversidade existente no espectro, pois, em que pesem as definições diagnósticas e legais, cada autista é único e possui inúmeras particularidades.

Para fins jurídicos, adota-se a definição do artigo 1º, § 1º, da lei 12.764/12:

Art. 1º [.]

§ 1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II:

I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;

II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.

A Lei Berenice Piana, supracitada, instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista6 e ficou marcada por equiparar os autistas as pessoas com deficiência para todos os fins legais:

§ 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.

Em 2020, a referida Lei foi alterada pela lei 13.977, conhecida como Lei Romeo Mion, que instituiu a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA), visando facilitar a identificação e garantir os direitos dos autistas:

Art. 3º-A. É criada a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), com vistas a garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social.

Assim, dentre os direitos garantidos pelas legislações, destacam-se aqueles presentes no artigo 3º da Lei Berenice Piana. A saber:

Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:

I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;

II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;

III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:

a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;

b) o atendimento multiprofissional;

c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;

d) os medicamentos;

e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;

IV - o acesso:

a) à educação e ao ensino profissionalizante;

b) à moradia, inclusive à residência protegida;

c) ao mercado de trabalho;

d) à previdência social e à assistência social.

Em linhas gerais, o artigo supra garante expressamente aos autistas direitos fundamentais, tais como o livre desenvolvimento da personalidade, o lazer, a proteção contra qualquer forma de abuso, o acesso aos serviços de saúde, informações, educação, moradia, acesso ao mercado de trabalho.

A dicção do citado dispositivo possui intrínseca raiz constitucional, tal se depreende especificamente do artigo 5º da Constituição Federal, que garante os direitos fundamentais dos indivíduos, tais como a liberdade e igualdade, sendo garantidos os direitos necessários à uma vida digna.7

Portanto, tem-se que o acesso a todos os lugares é direito fundamental do autista.

Isto porque, é direito do autista o lazer e para tanto frequentar clubes, ir ao cinema, ao teatro, ao parque, ao circo, a apresentações e eventos culturais de todos os tipos. É direito do autista o acesso aos serviços de saúde, portanto, ir ao hospital, à terapia, ao posto de saúde, a farmácia, ao consultório médico, ter uma alimentação de qualidade, portanto, ir ao mercado, ao açougue, a padaria, etc. É direito do autista o acesso a educação, por conseguinte, frequentar a escola, a biblioteca, qualquer curso, a faculdade/universidade. É direito do autista a moradia, portanto, ter a sua casa, receber visitas e visitar a casa dos seus familiares e amigos. É direito do autista o labor, para tanto frequentar o ambiente de trabalho. São apenas exemplos.

Assim, em que pese não apresentar expressamente em seu texto, é clarividente que o ordenamento jurídico vigente garante ao autista o direito de estar e frequentar todos os lugares.

Neste ano de 2022, que o tema da campanha nacional de conscientização do autismo é "Lugar de Autista é em Todo Lugar"8, com a frase da mãe e ativista Fátima de Kwant9, que visa mostrar a importância de se incluir o autista em todos os ambientes, demonstrando que estar no espectro não é um limitador, pelo contrário, o autista pode e deve ocupar todo e qualquer lugar, fica demonstrado que tal também é uma questão de direito.

É direito do autista estar e frequentar todos os lugares!

___________

1 https://www.progresso.com.br/cotidiano/lugar-de-autista-e-em-todo-lugar-e-tema-da-campanha-2022-para-o/388371/ - Acessado em 04.04.2022.

2 https://www.canalautismo.com.br/noticia/dia-mundial-do-autismo-pede-inclusao-em-todos-os-aspectos/ - Acessado em 04.04.2022.

3 CAMPOS, Viviane; LOPES, Jaqueline. Coleção Saúde da Mente: 80 Mitos e Verdades sobre Autismo. Bauru, São Paulo: Editora Alto Astral, 2019. p. 11.

4 CAMPOS, Viviane; LOPES, Jaqueline. Coleção Saúde da Mente: 80 Mitos e Verdades sobre Autismo. Bauru, São Paulo: Editora Alto Astral, 2019. p. 10.

5 CAMPOS, Viviane; LOPES, Jaqueline. Coleção Saúde da Mente: 80 Mitos e Verdades sobre Autismo. Bauru, São Paulo: Editora Alto Astral, 2019. p. 11.

6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm - Acessado em 04.04.2022.

7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm - Acessado em 04.04.2022.

8 https://www.canalautismo.com.br/dia-mundial-campanha/ - Acessado em 04.04.2022.

9 https://www.canalautismo.com.br/noticia/dia-mundial-do-autismo-pede-inclusao-em-todos-os-aspectos/ - Acessado em 04.04.2022

Jaíne Hellen Machnicki

Jaíne Hellen Machnicki

Bacharel em Direito pelo UNICURITIBA; Pós-Graduada em Direito Civil, Consumidor e Processual Cível pela UP; Pós-Graduada em Direito de Família pela LFG; Pós-Graduada em Direito Empresarial pela UCAM.

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