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A interferência da política no Direito Penal pode vir a causar grandes transtornos ao Judiciário em curtíssimo prazo

Enquanto as discussões para a construção de um novo Código Penal e, também, para um novo Código de Processo Penal não avançam, por questões políticas, os mesmos políticos, por meio do Legislativo, alteram o Código Penal de maneira assustadora e que tende a ser prejudicial não no médio, mas no curto prazo.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Atualizado às 08:05

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Você, caro leitor, interessado pelas questões jurídicas, envolvendo o ambiente do direito, ou até não, já deve ter ouvido falar sobre a defasagem do atual Código Penal, cuja criação se deu na década de 1940, um pouco antes do Código de Processo Penal, no mesmo período.

Essa defasagem ocorre pelo fato de que a sociedade se modifica com o transcurso do tempo. Quanto mais os anos se passam, novos costumes aparecem, o que era considerada uma conduta reprovável antes, pode não ser mais e vice-versa. Não iremos nos aprofundar sobre tal questão, mas veja que é a justificativa mais relevante para arguir a defasagem.

Para citar dois exemplos, o Código Penal de 1940 fora construído com os crimes de adultério e sedução em seu texto, o que, se pensarmos atualmente, seriam condutas tão repetidas, que grande parte do povo estaria sujeito às sanções estatais, infelizmente.

Evidentemente, tais previsões se perderam com o tempo e então o Legislativo/Judiciário tornaram os tipos penais nulos, visto que a própria sociedade os levou a este caminho.

Em contrapartida, a sociedade também nos traz ao caminho inverso. Condutas anteriormente que não eram consideradas condutas reprováveis ou que, ao menos, não tinham a atenção pertinente, passam a serem analisadas de maneira mais cuidadosa, necessitando de previsões específicas da legislação para que a proteção seja não somente factível, mas aplicável.

Neste sentido, temos os casos da Lei Maria da Penha e da Lei de Drogas, por exemplo.

Em 1940, se falássemos sobre Lei de Drogas ou sobre Lei Maria da Penha, além de não sermos ouvidos, estaríamos, provavelmente, passíveis ao sofrimento de sanções por parte dos populares. Hoje não. Hoje, temos uma atenção específica para garantir os direitos humanos em sua plenitude, o que traz a importância de termos leis que protegem não somente o todo, como o que se relaciona com o todo. Neste caso, cito as minorias.

Ora, mas se o Legislativo/Judiciário vem agindo de maneira a revogar crimes e instituir novos, de acordo com o anseio social, o que pode haver de errado ou minimamente equivocado que possa vir a gerar uma possível ação prejudicial ao país, seja no curto, médio ou longo prazo?

Em termos de segurança jurídica, realmente não se indica ficar revogando leis a cada passo social. No entanto, o Código Penal de 1940 possui, atualmente, 82 anos. Em 82 anos, o que mudou no país em termos de sociedade?

Por mais que eu revogue o crime de adultério, por mais que eu não forneça mais importância ao crime de sedução e o retire do dispositivo penal, existem ali, naquele mesmo código, que fala sobre tantos outros crimes, uma série de conteúdos que estão redigidos com a cabeça de um legislador de 82 anos atrás e aí vem o x da questão. Se eu tenho a escrita de um legislador de 82 anos atrás, sofrendo alterações de um legislador de hoje, de 82 anos pós, controvérsias surgirão, é inevitável.

E como resolver? Já antecipo a conclusão final, óbvia que é a de querer um novo Código Penal e um novo Código de Processo Penal, tal qual fora construído o novo CPC. Mas, como isso aparenta ser tão difícil quanto perigoso, diante do cenário atual do país, passemos a analisar o que vem fazendo o Legislativo e o Judiciário nas suas alterações/inclusões/revogações penais e nas decisões de mérito.

Para contextualizar, irei trazer a sua reflexão dois exemplos:

Veja o caso do novo crime de violência institucional, em uma edição realizada na recentíssima Lei de Abuso de Autoridade, lei 14.321/19.

Observe o disposto no tipo penal:

Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade:

I. A situação de violência; ou

II. Outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização;

Pena: detenção, de três meses a um ano e multa.

§1º - Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, sic, aplica-se a pena aumentada de dois terços.

§2º - Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, sic, aplica-se a pena em dobro.

Em análise primitiva, pode-se até haver uma compreensão para a existência do referido tipo. No entanto, quem será o responsável por definir se aquele procedimento é desnecessário ou necessário?

A esfera da suposta humilhação, intimidação e, porque não dizer, afetação, não seriam matérias a serem discutidas em âmbito cível, em sua essência, ou até mesmo se observarmos os tipos penais já previstos, como no caso do constrangimento ilegal, cuja previsão se encontra no art. 146 do Código Penal vigente?

Ou será que a imposição de um novo tipo penal extremamente subjetivo, inclusive com inovação gramatical, formalista e natimorto é apenas um ato político interessante para determinado grupo?

Veja agora o exemplo de um projeto de lei que tramita no Senado Federal, cujo objetivo é alterar o crime de assédio sexual, do qual destaco para você o texto vigente neste momento, presente no Código Penal:

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função.

Um tipo penal bem específico que visa atender a um determinado nicho, um determinado nível de agente comissivo, para uma pena específica, que neste caso será de um a dois anos de detenção.

Segundo a proposta prevista no projeto de lei supracitado, a ideia é retirar a obrigatoriedade de se tratar de relação hierárquica e atribuir ao crime, apenas o fato de constranger alguém com o intuito de obter-se a vantagem ou favorecimento sexual.

Mais uma vez, quando se analisa a questão em fato, temos a visão de que é algo justo. Está retirando o favorecimento a um grupo determinado de vítimas e trazendo para a sociedade uma amplitude maior de eficácia para aquele determinado tipo penal.

No entanto, veja do que trata o art. 215 do mesmo dispositivo penal:

Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.

Ora, temos um tipo penal que diz ser crime praticar qualquer ato libidinoso com pessoa que esteja no ato em razão contrária à sua vontade e outro, se o projeto de lei prosperar, dizendo ser crime constranger alguém com o objetivo de favorecimento sexual.

O que seria favorecimento sexual? Ato libidinoso, satisfação de libido, apetite sexual, favor sexual.

Teremos dois tipos penais com conteúdo material praticamente idêntico, porém com penas distintas.

O que fará o MP no momento da capitulação da conduta?

No ensejo, cumpre ainda destacar que o crime de assédio sexual, art. 216-A, CP, fora instituído no ano de 2001 e o crime de violação sexual mediante fraude, art. 215, CP, fora instituído em 2009, já em adaptações, alterações, inclusões, retificações... presentes no Código Penal de 1940.

Crimes estão sendo criados, revogados e alterados ao bel prazer de interesses políticos, sem qualquer planejamento social, normativo, técnico.

Em breve teremos um Judiciário com ainda mais interferência no Legislativo, só que, neste caso, por falta técnica do próprio Legislativo, visto que o Judiciário terá de decidir o que deverá ser interpretado, que lei valerá, até que ponto a atuação do legislativo pode ir e por aí vai.

O vilipêndio ao sistema penal brasileiro está acontecendo e de forma acelerada. Uma hora essa conta irá chegar.

Irvyng Ribeiro

Irvyng Ribeiro

Advogado Criminalista formado pela UERJ, professor de Direito Penal, Servidor Público & Colunista.

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