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Reflexão acerca da restrição indevida ao crédito e direito a indenização

Por muitos anos o direito de obtenção ao crédito, foi encarado pelo Poder Judiciário como menos expressivo quando comparado a outros da mesma natureza, qual seja, patrimonial.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Atualizado em 13 de maio de 2022 07:57

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em nossa sociedade de consumo a obtenção de crédito é de suma importância, pois representa a certeza de acesso a vários produtos e serviços indispensáveis à sobrevivência dos cidadãos independentemente de terem ou não, no momento em que surgir a necessidade, a quantia em dinheiro cobrada para desfrutar dos mesmos.

Por muitos anos esse direito, de obtenção ao crédito, foi encarado pelo Poder Judiciário como menos expressivo quando comparado a outros da mesma natureza, qual seja, patrimonial.

Em virtude dessa análise a sanção para a quem indevidamente incluía o nome de qualquer pessoa nos órgãos de proteção ao crédito era pequena, insuficiente para impor o caráter pedagógico que tal decisão deveria ter.

Tal caráter diz respeito a "castigar" o infrator a ponto de servir de exemplo para que tal conduta lesiva não fosse repetida, sendo que ao mesmo tempo deveria incentivar a realização de mudanças nas práticas comerciais visando atender melhor e com segurança jurídica os que utilizam produtos e serviços disponíveis no mercado.

As restrições ao crédito que recaem sobre os cidadãos geralmente são realizadas através da inscrição no CPF do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, sendo o SPC - Serviço de Proteção ao Crédito e do Serasa Experian os grandes expoentes desses bancos de dados de maus pagadores.

O enfoque jurídico que se dava a restrição indevida ao crédito através da popular "negativação do nome" foi drasticamente alterado através da entrada em vigor da lei 8.078/901 mais conhecida com CDC - Código de Defesa do Consumidor.

Através do CDC vários institutos consolidados do Direito foram alterados quando verificada a relação de consumo, visando assim atender a suas particularidades e conferir ao cidadão maior probabilidade de sucesso em caso de demandas em defesa do acesso ao crédito frente ao uma restrição indevida.

Associando-se as disposições especiais pertinentes as relações de consumo aos institutos já existentes no processo civil, o consumidor que não está devendo e tem o crédito restringido indevidamente pela inserção de seu CPF no cadastro negativo, provavelmente conseguirá, em uma decisão antecipatória do mérito, a imediata retirada de seu nome dos órgãos de proteção ao crédito bem como, ao final da demanda, uma indenização pelos danos morais sofridos em virtude do ato ilícito e a declaração de inexistência da dívida.

As indenizações para a situação em análise a alguns anos atrás eram fixadas em valores mínimos, sendo que cabe ao juiz analisar a extensão do prejuízo e arbitrar o valor a ser pago como reparação pelos constrangimentos sofridos, tendo como limite o que foi postulado pelo consumidor vítima do fato do serviço.

Atentando-se para o caráter pedagógico da condenação e levando-se em conta também a capacidade econômica de quem comete o ilícito de cobrar dívida inexistente, o valor das condenações tende a melhorar e se aproximar do que é esperado pela sociedade e pelos consumidores, lesados a todo instante por práticas comerciais abusivas.

No ano de 2011 em Goiânia foi criado o décimo juizado Especial Cível, especializado em demandas envolvendo Direito do Consumidor que foi grande precursor dessa mudança de paradigma, entretanto, apesar da evolução que promoveu através de seus julgados, o órgão julgador em comento, alguns anos depois, perdeu essa atribuição, voltando a julgar demandas de qualquer natureza dentro de sua competência.

Nesse contexto observou-se uma melhora nos valores fixados a título de dano moral em casos de negativação indevida, por dívida inexistente e, no presente momento, em movimento pendular, o montante fixado em casos similares está diminuindo, tratando-se em um retrocesso para os consumidores em geral, representando um incentivo para que as empresas continuem prestando um péssimo serviço.

No ano de 2016 a 4ª turma Recursal dos Juizados Especiais de Goiânia majorou o valor de indenização por danos morais de 2 mil para 7 mil reais (protocolo 5222205.13.2016.8.09.0051), o que representou uma exceção, visto que os valores das indenizações estão numa tendência de queda, próximos do valor da condenação originária, entre 2 a 3 mil reais.

Analisando a jurisprudência recente é perceptível o alegado, tanto que, em um juizado de Goiânia, uma senhora de quase 80 anos que teve o nome negativado indevidamente, passando por enorme desgosto e frustração, visto que nunca ficou em débito em toda a sua vida, teve fixado como indenização valor diminuto.

Depois de um processo extremamente lento a decisão de mérito concedeu uma parca indenização de 5 mil reais (protocolo 5551131-52.2021.8.09.0051), bem abaixo do exposto acima, destoando também dos valores que o extinto juizado especializado em Direito do Consumidor de Goiânia costuma condenar a título de reparação que, por inúmeras vezes, superava os 10 mil reais.

Destaca-se que a autora da ação em comento, infelizmente, não teve a oportunidade de ver a declaração de inexistência do débito cobrado e receber a indenização, visto que ela foi uma das vítimas da covid-19. Nesse tocante há que se relembrar a eterna frase de Rui Barbosa, o qual asseverou que "A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta".

Mas como quantificar de forma adequa a indenização no caso de negativação indevida? Não há consenso.

O STJ já tentou pacificar o assunto em sede de recurso repetitivo junto a 2ª seção, tanto que o ministro relator Paulo de Tarso Sanseverino, ao apreciar um recurso especial representativo da controvérsia de milhares de lides (REsp 1.446.213) apresentou a seguinte tese: "Nas hipóteses de inclusão indevida em cadastro de inadimplente mostra-se razoável o arbitramento da indenização por danos patrimoniais em montante situado entre 1 e 50 salários-mínimos, devendo o julgador, com base nas circunstâncias fáticas, fixar o valor mais adequado ao caso concreto."

Apesar da proposição, a tese não foi firmada nos termos do proposto, entretanto a Corte fixou as seguintes teses:

Tema repetitivo 37 - REsp 1061134/RS - Os órgãos mantenedores de cadastros possuem legitimidade passiva para as ações que buscam a reparação dos danos morais e materiais decorrentes da inscrição, sem prévia notificação, do nome de devedor em seus cadastros restritivos, inclusive quando os dados utilizados para a negativação são oriundos do CCF do Banco Central ou de outros cadastros mantidos por entidade diversas.

Tema repetitivo 40 - REsp 1062336/RS - A ausência de prévia comunicação ao consumidor da inscrição do seu nome em cadastros de proteção ao crédito, prevista no art. 43, § 2º, do CDC, enseja o direito à compensação por danos morais.

Tema repetitivo 41 - REsp 1062336/RS - Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.

Apesar dos vários tópicos definidos pelo STJ quanto a temática o valor a ser fixado a título de reparação de danos ainda se encontra sem uma baliza firme, sustentando-se somente na discricionariedade do juízo dentro do que preconiza o CC/02 e CDC, não existindo um consenso quanto ao caráter pedagógico da condenação.

Observando-se o lucro dos bancos em 2021, instituições que invariavelmente estão cobrando dívidas inexistentes, constata-se que no ano em tela eles tiveram lucros exorbitantes, segundo o porta Expert XP2 os resultados foram os seguintes: Itaú Unibanco (ITUB4): R$ 24,9 bilhões; Bradesco (BBDC4): R$ 21,9 bilhões; Banco do Brasil (BBAS3): R$ 19,7 bilhões e Santander Brasil (SANB11): R$ 14,9 bilhões.

Só essas 4 (quatro) instituições financeiras somaram 81,63 bilhões de reais de lucro no período.

Para tais instituições, o que significa pagar de R$ 2 a 7 mil reais a título de indenização? Tal sanção vai forçar uma mudança na conduta da instituição?

Tais números e questionamentos são apresentados para reflexão dos estudiosos do Direito e aqueles que possuem a atribuição de julgar essas demandas.

A instituições bancárias e demais conglomerados econômicos, assim como toda e qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica deve ter responsabilidade para com o próximo, procurando de todas as formas evitar a negativação indevida, adotando o máximo de cautela possível, respeitando sempre o direito da personalidade e da dignidade da pessoa humana, visto que o direito ao crédito é indispensável para uma vida digna, sem privações materiais.

Diante dessa mudança de parâmetro por parte do Poder Judiciário, os consumidores, cidadãos, devem fazer sua parte, qual seja, buscar seus direitos para que assim os infratores desses, geralmente grandes empresas, sofram as consequências de seus atos e tornem seus sistemas de venda, cadastro e cobrança mais eficientes e seguros, diminuindo o risco de ter o acesso a crédito restringido indevidamente.

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1 http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%208.078-1990?OpenDocument

2 https://conteudos.xpi.com.br/acoes/relatorios/lucro-banco-do-brasil-bbas3-bradesco-bbdc4-itau-itub4-santander-sanb11/

Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior

Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior

Advogado, pós-doutor em Direito Constitucional na Itália. Professor universitário. Sócio fundador escritório SME Advocacia. Presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO. Membro consultor da Comissão de Estudos Direito Constitucional da OAB Nacional e árbitro da CAMES.

Tiago Magalhães Costa

Tiago Magalhães Costa

Advogado especialista em Direito Civil e Processual Civil. Professor universitário. Sócio fundador do escritório SME Advocacia. Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO e vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/GO.

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