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Sanção administrativa substitui sanção penal?

O objetivo era o de equilibrar a relação advinda de um erro no relógio marcador de energia elétrica ou de cobrar de um criminoso, pelo furto de energia elétrica, a compensação financeira devida.

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Atualizado às 08:33

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Se você nasceu na década de 90 para trás, com certeza já ouviu falar dos famigerados "gatos de energia elétrica". Mas, se nasceu dos anos 2000 para frente, muito provavelmente até ouviu, mas nunca viu ninguém ser punido penalmente por isso.

Falaremos mais adiante sobre isso, mas para iniciarmos a nossa reflexão, vamos ao conceito, o que seria o famoso "gato de energia"?

A expressão "gato" refere-se ao furto de energia e o seu posterior uso clandestino, ocorre, basicamente, quando alguém impede que o seu relógio marcador de energia faça a correta medição da energia utilizada pelo domicílio ou qualquer outro estabelecimento que deva ser medido. O indivíduo pode furtar a energia diretamente do poste da rua, pode furtar de um vizinho, utilizar placas solares de maneira equivocada, enfim, existem inúmeras maneiras de cometer este delito.

Veja o que diz o CP brasileiro, que define como crime o furto de energia elétrica:

Art. 155, CP: Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.
Pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa.
§3º. Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Ou seja, trata-se do crime de furto propriamente dito, com mesma pena, porém sendo um crime permanente, ou seja, se protrai no tempo, podendo ensejar, inclusive, prisão em flagrante delito a qualquer tempo. Mas, adiante veremos que não é o que tem ocorrido.

Cumpre destacar ainda que, se houver fraude diretamente no relógio marcador de energia elétrica, aquele que fica dentro de um quadro de energia ou, no caso de residências, aquele que fica no muro, o indivíduo estará, também, cometendo o crime de estelionato, previsto no art. 171, CP.

Desta forma, quando a concessionária de energia elétrica descobre que um local está cometendo o crime de furto de energia, ela precisaria acionar os órgãos competentes para então fiscalizar e proceder com as medidas cabíveis a responsabilizar os agentes criminosos e sim, era o que acontecia até o ano de 2010.

E por que isso mudou?

Você, que nasceu pós anos 2000, provavelmente já ouviu falar do TOI, o Termo de Ocorrência de Irregularidade, isso porque, tanto na esfera popular como no próprio Judiciário brasileiro, já se consolidou que esta é a punição para quem comete o furto de energia elétrica e não mais o crime de furto, previsto no CP.

Vejamos o que diz um dos arts. da resolução da ANEEL 414/10:

Art. 129. Na ocorrência de indício de procedimento irregular, a distribuidora deve adotar as providências necessárias para a sua fiel caracterização e apuração do consumo não faturado ou faturado a menor.
§1º. A distribuidora deve compor o conjunto de evidências para a caracterização de eventual irregularidade por meio dos seguintes procedimentos:
I - Emitir o Termo de Ocorrência e Inspeção - TOI, em formulário próprio, elaborado conforme anexo V desta resolução.

O que temos neste artigo, o que se demonstra de forma clara e não somente formal, mas material, é que houve uma substituição sui generis dos poderes responsáveis por punir um agente criminoso.

Releia o artigo supracitado. A concessionária de energia passa a ser a responsável para apurar o crime de furto, coletar provas e aplicar a sanção, o TOI.

Por que esta resolução não é contestada? Há inúmeras teorias.

Veja, quando o agente que comete o furto de energia simplesmente é preso, a concessionária não obtém o retorno financeiro inerente àquele furto, mas, quando o agente é obrigado a pagar uma taxa compensatória pelo furto, sob pena de não mais poder ter energia elétrica em seu nome, a coisa muda de figura.

E, como não poderia deixar de ser, no Brasil, tudo vira indústria.

O judiciário brasileiro está abarrotado de ações cíveis contra as concessionárias de energia, em vista dos abusos cometidos nas aplicações destes termos de irregularidades, cujo valor médio representa a importância de R$ 9.000 mil segundo levantamento realizado, por amostragem, nos processos ativos no TJ do Estado do Rio de Janeiro.

Faça o exercício de digitar em pesquisa na internet o termo TOI e você terá inúmeros modelos de petições iniciais para ingressar contra as concessionárias, incluindo valores médios de condenação para cada Tribunal, considerando aqueles que entendem que o abuso cometido pela concessionária não enseja dano moral, sendo mero aborrecimento e aqueles que aplicam a lei de fato, arbitrando valores de dano moral para um abuso cada vez mais costumeiro.

Que temos um sistema penal defasado, prolixo e politizado, todos sabemos.

No entanto, ele precisa ser respeitado. Com o que vem ocorrendo neste caso, inúmeras prerrogativas constitucionais estão sendo violadas, incluindo garantias individuais e procedimentos institucionais previstos na Constituição Federal de 1988.

A ANEEL é a Agência Nacional de Energia Elétrica, mas pode esta ultrapassar o Código Penal?

Será que o STF não poderia intervir pelo flagrante de inconstitucionalidade e de superveniente abuso?

Depende a quem interessar...

Irvyng Ribeiro

Irvyng Ribeiro

Advogado Criminalista formado pela UERJ, professor de Direito Penal, Servidor Público & Colunista.

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