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A série ruptura e o bem-estar no ambiente de trabalho

Ao decorrer da série, a persona do trabalho acaba se tornando um escravo da empresa, preso num loop de trabalho eterno, condenado a existir para trabalhar.

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Atualizado em 6 de junho de 2022 09:02

O novo sucesso de público e de crítica da Apple TV+, a série Ruptura, considerada uma das melhores série de 2022, debate o que aconteceria se houvesse uma separação entre nossas memórias do trabalho e da vida pessoal. Quando estamos no trabalho, não lembramos nada da vida pessoal, e quando estamos na nossa vida pessoal, não recordamos nada acerca do trabalho.

Dirigida por Ben Stiller e criada por Dan Erickson, Ruptura é uma história de ficção cientifica e suspense, trazendo um mundo distópico marcado pela tecnologia, lembrando muito Black Mirror da Netflix.

Através dos personagens Mark (Adam Scott), Helly (Britt Lower), Irving (John Turturro) e Dylan (Zach Cherry), surgem diversas discussões políticas, filosóficas e éticas acerca deste procedimento de ruptura das memorias. Isolando as lembranças da vida pessoal, cria-se uma nova persona no trabalho, que não sabe nada sobre sua vida, se é casado, quais seus hobbies, se tem filhos, ou onde vive. Essa persona do trabalho vai criando novos gostos e preferências, pois não tem a base de memorias e de bagagens do passado. O que é feito dentro do trabalho dos protagonistas na Lumen Industries é um dos grandes mistérios da história, que te hipnotiza até o final da série.

Ao decorrer da série, a persona do trabalho acaba se tornando um escravo da empresa, preso num loop de trabalho eterno, condenado a existir para trabalhar. A empresa não deixa o funcionário na vida pessoal saber que o do trabalho está insatisfeito ou infeliz com a vida laboral.

Em tempos de esgotamento físico e mental decorrente do trabalho, principalmente após o período da pandemia do coronavírus no mundo, a série traz um debate extremamente pertinente acerca da saúde no trabalho.

Trazendo para nossa realidade: dentro do direito brasileiro, a empresa tem responsabilidade em relação ao bem-estar e a saúde dos empregados?

A resposta é sim!

De acordo com o dicionário Dicio, bem-estar significa boa disposição física, psicológica ou espiritual; satisfação; estado da pessoa tranquila, de quem está seguro ou confortável; tranquilidade; reunião de elementos que causam satisfação (boa saúde, segurança, estabilidade financeira, conforto etc.)

O empregador deve garantir a reunião de elementos e de fatores que proporcionem um ambiente de trabalho seguro, saudável e confortável, para que o empregado possa exercer sua função de forma sustentável.

A nossa CF/88 equipara o meio ambiente ao meio ambiente do trabalho no quesito de proteção. Determina a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Outro ponto relevante é que o Brasil é signatário da convenção 155/81 da OIT, que regulamenta segurança e saúde dos trabalhadores, tendo como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho ou que tenham relação com a atividade de trabalho.

Toda doença ou acidente relacionado ao trabalho é de responsabilidade do empregador. O afastamento por mais de quinze dias do trabalho em decorrência de acidente ou doença ocupacional, ocasiona o direito ao benefício previdenciário, bem como estabilidade empregatícia quando do retorno ao trabalho, não podendo ser demitido durante o período de 12 meses. O funcionário só poderá ser demitido nas hipóteses de justa causa.

A CLT determina que se as condições de ambiente se tornarem desconfortáveis, em virtude de instalações geradoras de frio ou de calor, será obrigatório o uso de vestimenta adequada para o trabalho em tais condições ou de capelas, anteparos, paredes duplas, isolamento térmico e recursos similares, de forma que os empregados fiquem protegidos contra as radiações térmicas.

O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40%, 20% e 10% do salário-mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.

Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

De acordo com o dicionário Oxford Languages, a palavra insalubre significa algo que não é bom para a saúde, algo que causa doença. Quando o ambiente de trabalho expor o trabalhador a agentes nocivos, o empregado terá direito a um adicional compensatório pelo risco a qual está exposto.

Podemos exemplificar alguns agentes insalubres mais comuns:

  • Calor excessivo;
  • Frio excessivo;
  • Luz excessiva;
  • Exposição a condições de oxigênio reduzidas, poeiras minerais ou a ar contaminado;
  • Agentes biológicos;
  • Ruídos contínuo, intermitente ou de impacto;
  • Excesso de vibrações;
  • Excesso de Umidade;
  • Radioatividade;
  • Condições hiperbáricas (sujeito a pressões maiores do que a atmosférica);
  • Produtos químicos ou tóxicos;
  • Fogo;
  • Energia elétrica;

Maquinário pesado.

A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá:

  • Com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância;
  • Com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância.

Conforme entendimento do TST, através de sua súmula 80, a eliminação da insalubridade mediante fornecimento de aparelhos protetores aprovados pelo órgão competente do poder Executivo exclui a percepção do respectivo adicional. O fornecimento de equipamentos de proteção que eliminem o risco à saúde do trabalhador, eximem a empresa de pagar o adicional de insalubridade.

Através da súmula 289, o TST esclarece que o simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade. Cabe-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, entre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado.

A CLT, em seu art. 193, estabelece ainda que o trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.

São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

  • Inflamáveis, explosivos ou energia elétrica
  • Roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.      
  • São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta. 
  • Empregados que operam bomba de gasolina também tem direito ao adicional de periculosidade, conforme súmula 39 do TST.

É dever do empregador proporcionar um ambiente de trabalho seguro, daí advindo a obrigação de compensar o empregado pelo risco ao qual está exposto em razão do ofício exercido.

No que se refere especificamente ao esgotamento físico e mental ou a chamada Síndrome de Burnout, o Ministério da Saúde define a doença como:

(...) um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade.  A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros. Traduzindo do inglês, "burn" quer dizer queima e "out" exterior.  A Síndrome de Burnout também pode acontecer quando o profissional planeja ou é pautado para objetivos de trabalho muito difíceis, situações em que a pessoa possa achar, por algum motivo, não ter capacidades suficientes para os cumprir. Essa síndrome pode resultar em estado de depressão profunda e por isso é essencial procurar apoio profissional no surgimento dos primeiros sintomas. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).

Caso qualquer empregado seja exposto a trabalho que proporcione esgotamento profissional, pode se enquadrar como doença ocupacional, fazendo jus a afastamento remunerado e estabilidade quando do retorno. E alguns casos, com o devido laudo médico comprovando, pode-se pedir aposentadoria por invalidez em razão da Síndrome de Burnout.

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MINISTÉRIO DA SAÚDE. Síndrome de Burnout. Gov.Br, [s. l.], 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sindrome-de-burnout#:~:text=S%C3%ADndrome%20de%20Burnout%20ou%20S%C3%ADndrome,justamente%20o%20excesso%20de%20trabalho. Acesso em: 6 maio 2022.

Victor Habib Lantyer

Victor Habib Lantyer

Advogado. Autor do livro Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e seus reflexos no Direito do Trabalho, pela editora NaVida, já disponível para venda (www.lantyer.com.br/lgpd/).

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