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A interpretação capciosa e polêmica do art.142 da CF/88

A polêmica discussão acerca de uma possível "intervenção militar constitucional".

terça-feira, 28 de junho de 2022

Atualizado em 30 de junho de 2022 09:28

Nos últimos anos, o artigo 142 da Constituição Federal (CF) tem sido constantemente citado pelo Presidente da República para justificar uma possível "intervenção militar constitucional" em um dos três Poderes da República, visando a defesa da "ordem democrática e a garantia da lei. Todavia, tal intepretação está totalmente equivocada, além de ser capciosa.

Este não é um debate novo no constitucionalismo brasileiro, em especial diante da extensiva participação dos militares na vida política do país no período republicano. É importante frisar que o próprio texto constitucional de 1988 fora confeccionado em meio a tensões entre autoridades militares e civis.

"In casu", o dispositivo constitucional diz que "as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

No dispositivo em análise, identificam-se as regras gerais para a organização das Forças Armadas, as quais são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, cuja autoridade suprema é conferida ao Presidente.

O ponto polêmico está na parte final do "caput" do artigo 142, que diz respeito à garantia da lei e da ordem, por iniciativa de qualquer dos Poderes, dando a entender que as Forças Armadas teriam um papel moderador, podendo intervir em um dos Poderes do Estado para garantir a tal "ordem".

Por parte da intepretação capiciosa já mencionada, as Forças Armadas agiriam para conter o abuso de autoridade de um dos Poderes Constitucionalmente estabelecidos, sendo uma espécie de "Poder Moderador" como na época do Império, onde o referido poder era previsto na Constituição Imperial de 1824 e funcionava basicamente quando havia impasses entre os três Poderes.

Entretanto, o artigo 142 da Carta Magna não possibilita, em nenhuma de suas possíveis interpretações, a tomada de poder pelas Forças Armadas por via constitucional, uma vez que as Forças Armadas não agem como agente moderador na estrutura de Estado.

As funções do Exército, da Marinha e da Aeronáutica estão regulamentadas na Lei Complementar nº 97/99, referida no § 1º, do artigo 142 da CF.

O artigo 15 da referida lei, dispõe claramente as atribuições das Forças Armadas mencionadas no enunciado constitucional" in verbis"

"Artigo 15 - O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

§1º - Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

§2º - A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no artigo 144 da Constituição Federal.

 §3º- Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no artigo 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)". 

A Lei Complementar 97 deixa clara a total impossibilidade de uma "intervenção militar constitucional" como vem sendo pregada por alguns setores. Os militares, para serem acionados diante da ruptura da lei e da ordem, devem seguir toda uma linha hierárquica rigidamente prescrita, além da própria Constituição.

Ou seja, como se verifica, a atuação das Forças Armadas na hipótese de quebra da lei e da ordem situa-se no âmbito do setor de segurança pública, nunca no âmbito dos três Poderes do Estado.

Sendo assim, a interpretação da parte final do artigo 142 da CF não pode ser feita isoladamente, sem levar em conta o sistema jurídico como um todo, em especial a Lei Complementar 97/99 resultante da delegação contida no §1º do artigo supramencionado, bem como em harmonia com o disposto no artigo 144 do Texto Maior.

Em uma democracia constitucional, nenhuma autoridade está fora do alcance da Lei Maior. Em outros termos, a autoridade de que dispõe o Presidente da República é suprema em relação a todas as demais autoridades militares, mas, naturalmente, não o é em relação à ordem constitucional.

Ora, seria um contrassenso afirmar que uma Constituição Democrática, como a de 1988 permitisse qualquer tipo de intervenção militar na estrutura de Estado. Não se pode permitir a intepretação de que as Forças Armadas seria uma espécie de "Poder Moderador". Isso não existe e deve ser rechaçado.

Posto isso, não há qualquer fragmento normativo no texto constitucional ou em qualquer outra parte do ordenamento jurídico que legitima a mediação ou mesmo a solução dos conflitos entre os Poderes pelas Forças Armada, pois a função das autoridades militares está restrita a defesa da segurança pública, como já salientado.

Ao fim e ao cabo, não existe na Lex Maior a possibilidade de uma "intervenção" dos militares para "mediar" a atuação dos Poderes do Estado, visto que tal prática seria um Golpe de Estado, sendo tal interpretação uma esquizofrenia jurídica.

José Pedro Fernandes Guerra de Oliveira

José Pedro Fernandes Guerra de Oliveira

Jurista, Advogado e Consultor Jurídico, especialista em Direito do Trabalho e Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PUC-SP.

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