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Controle de preços e seus limites: até que ponto pode o órgão fiscalizador interferir na precificação dos estabelecimentos?

O tema gera muita discussão, na medida em que a análise realizada pela fiscalização, comparando os preços de aquisição e venda dos produtos em determinados períodos, pura e simplesmente, gera distorções.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Atualizado às 08:33

Um dos temas mais recorrentes no âmbito das autuações do PROCON-SP no período de pandemia diz respeito ao suposto aumento injustificado de preços, principalmente associado a produtos de cesta básica.

Certamente a fiscalização é de fundamental importância à defesa dos consumidores, de modo a coibir abusos. Contudo, nota-se que a ausência de regulamentação quanto aos parâmetros norteadores da análise dos preços acaba dando espaço à discricionariedade e à imputação, por diversas vezes indevida, contida no art. 39, X, do Código de Defesa do Consumidor: "elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços".

De rigor pontuar que o texto do art. 39, X, é claro quanto à excludente da prática abusiva: se houver justa causa para o aumento do preço dos produtos, não há infração à legislação consumerista. E é notório que há uma série de variáveis que influenciam os valores de comercialização dos produtos, tais como (i) o aumento do preço dos insumos; (ii) oscilações na oferta na demanda, especialmente no período de pandemia; (iii) oscilações cambiais; (iv) razões logísticas; (v) fatores climáticos no caso de produtos agrícolas, com reflexos na cadeia produtiva.

Esse enfoque multidisciplinar deve, necessariamente, ser considerado quando da avaliação da abusividade do preço de determinado produto. Com isso, evita-se distorções, bem como a penalização injusta de empresas em patamares extremamente elevados, as quais já se encontram em situação desfavorável em razão da grave crise econômica, reflexo da COVID-19.

O tema gera muita discussão, na medida em que a análise realizada pela fiscalização, comparando os preços de aquisição e venda dos produtos em determinados períodos, pura e simplesmente, gera distorções, por não considerar todos os elementos intrínsecos ao processo de precificação exercido pelos estabelecimentos comerciais.

Em síntese: o aumento, "per se", nem sempre constitui critério suficiente para a constatação da "abusividade" dos agentes econômicos. Daí a necessidade de se considerar todos os elementos de mercado envolvidos quando da análise do aumento de preços e, demonstrados os fatores que contribuíram para a elevação, não cabe falar em aumento injustificado.

Deve-se salientar, ainda, que a economia de mercado brasileira é caracterizada pela livre iniciativa, pela livre concorrência e pela defesa do consumidor. A Constituição Federal garante, inequivocamente, a livre estipulação de preços pelos fornecedores como regra.

A atuação da administração deve ocorrer, apenas e tão somente, quando constatados indícios de comportamentos abusivos, com a respectiva fiscalização pelos órgãos de defesa do consumidor, sob a ótica do modelo preconizado pela Constituição Federal.

Nessa toada, prezando pela adequada avaliação da precificação de produtos e serviços, a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) consolidou uma série de orientações elaboradas e aprovadas pelo Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC) em um Guia Prático de Análise de Aumentos de Preços de Produtos e Serviços.

O documento contempla um passo a passo para que os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), bem como os fornecedores e a toda sociedade tenham as informações básicas acerca da atuação fiscalizatória dos órgãos de proteção e defesa do consumidor face à suposta elevação, sem justa causa, do preço de produtos ou serviços por parte dos fornecedores.

A edição do Guia pela SENACON apenas respalda o já explanado: é plenamente possível justificar o aumento de preços em determinadas situações, pois há, inegavelmente, uma tendência para que reflitam os aumentos dos custos de mercado.

Cumpre destacar, ainda, que, no âmbito do Estado de São Paulo, em abril deste ano, entrou em vigor o Código de Defesa do Empreendedor, lei 17.530/22, o qual, em seu artigo 5º, inciso IV, previu expressamente como direito do empreendedor "não ter restringida, por qualquer autoridade, sua liberdade de definir o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda em mercados não regulados, salvo legislação específica".

O dispositivo corrobora com o disposto na Constituição Federal, bem como com o preconizado pelo art. 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, prezando pelo adequado equilíbrio nas relações de consumo, evitando uma proteção desproporcional aos consumidores, em detrimento dos fornecedores.

Neste sentido, o que se verifica da legislação consumerista, especificamente do art. 39, X, é a necessidade de haver justa causa quando da elevação dos preços, ao passo que somente na hipótese de não a constatar, ser configurada a infração.

Assim, a utilização de critérios técnicos e objetivos é essencial na análise dos preços pelo Órgão Fiscalizador, a fim de identificar possíveis irregularidades ou abusos e justificar, com base nos dados apurados, a aplicação da penalidade por aumento abusivo de preços.

Não obstante isso, a vedação do ordenamento jurídico pátrio se refere, igualmente, a um aumento de lucratividade de forma arbitrária em detrimento do consumidor, fato este que deve ser analisado pela fiscalização sob a ótica do modelo Constitucional para que, constatados os indícios de comportamento abusivo, seja aplicada a penalidade ao fornecedor.

Deste modo, conclui-se que, em razão da existência de lacuna legislativa no que se refere aos parâmetros da justa causa constante no art. 39, X, do CDC, há uma grande margem para aplicação de penalidades em razão do poder discricionário concedido ao agente público, de modo que, para que se garanta a adequada análise do aumento injustificado de preços, a fiscalização deve considerar todas as variáveis envolvidas, principalmente fatores externos que fogem do controle dos fornecedores, evitando, assim, a aplicação de penalidades em casos nos quais não houve qualquer ação abusiva por parte do fornecedor, passível de penalização.

Carolina Nardy Gabriel

Carolina Nardy Gabriel

Bacharel pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco - USP. Advogada no escritório Edgard Leite Advogados Associados.

Fabiana Amaral Beauclair

Fabiana Amaral Beauclair

Bacharel pela Universidade Federal Fluminense -UFF, advogada no escritório Edgard Leite Advogados Associados.

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