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Inocência jurídica e inocência histórica: o caso Lula

Infelizmente, temos observado uma violenta avalanche de desinformação sendo empregada constantemente como tática eleitoral.

sábado, 29 de outubro de 2022

Atualizado às 10:13

Infelizmente, temos observado uma violenta avalanche de desinformação sendo empregada constantemente como tática eleitoral, com o fito de manipular a formação da vontade popular a se manifestar por ocasião do pleito. 

Os esforços do TSE e dos demais órgãos da Justiça Eleitoral no combate às denominadas fake news têm sido, de fato, incansáveis, com destaque para a recentíssima edição da Resolução TSE nº 23.714, que traz novas regras para o enfrentamento à desinformação que atinge a integridade do processo eleitoral. 

No entanto, tão logo o TSE editou a Resolução nº 23.714, rapidamente o Procurador Geral da República ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.261, distribuída ao Min. Fachin, por meio da qual pretende a declaração de inconstitucionalidade de referido ato normativo. 

A liminar foi negada pelo relator, mas de todo modo chama a atenção a rápida atuação da Douta Procuradoria em se insurgir contra uma medida que visa a preservação do processo eleitoral e da própria democracia, ao passo que, em tantos outros temas de maior relevo social, manteve-se omissa, haja vista as robustas provas e indícios de crimes apurados pela CPI da Covid no Senado Federal, sem que se tenham tido notícias de quaisquer medidas adotadas, até aqui, pelo mesmo órgão. 

Dito isto, caminhemos ao que importa. Uma das notícias falsas  tanto divulgadas é a de que Lula é um "descondenado", que o STF não o teria absolvido, entre outras falácias. Isto é, dá-se a entender, para a grande massa, que o status jurídico de Lula não é de um cidadão plenamente inocente. 

 (Imagem: Marcelo Fonseca/Folhapress)

Inocência jurídica e inocência histórica: o caso Lula.(Imagem: Marcelo Fonseca/Folhapress)

Perante o Direito e perante a Constituição brasileira, porém, não existe "meio termo" entre o cidadão culpado ou o cidadão inocente. A Constituição estabelece no inciso LVII de seu art. 5º que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória." 

É dizer, aquele contra quem existe uma sentença penal de cunho condenatório transitada em julgado é considerado, perante o direito, culpado, condenado. Quem encontra-se em situação diversa desta, por outro lado, é inocente. Não há outra categoria nestes termos. 

Logo, pouco importa discutir se a decisão do STF no caso em comento anulou o processo por uma questão formal de cunho processual, ou se o atingiu em algum de seus aspectos meritórios. Fato é que não se aperfeiçoando a formação da coisa julgada penal contra alguém - como não se aperfeiçoa quando uma instância superior anula o processo que tramitou nas inferiores - esta pessoa é considerada inocente. Um tanto quanto óbvio, até mesmo para um estudante dos primeiros anos do curso de Direito, muito embora assim não vejam - ou preferiam não ver por convicções ou conveniências políticas - muitos "professores" que se encontram não nas universidades, mas no twitter e nas demais redes sociais.

Sob o aspecto jurídico, portanto, é evidente e dispensa digressões de maior profundidade o status de inocência que é conservado por Lula, tal como se dá para qualquer outro cidadão contra o qual inexiste sentença penal condenatória transitada em julgado. Inexistindo, ademais, quaisquer outros processos criminais contra Lula, torna-se digna de menção a decisão exarada pelo Min. Gilmar Mendes, nos autos da Reclamação Constitucional nº 56.018/SP, na qual precisamente fora determinada a suspensão de medidas tomadas em bojo de ação cautelar fiscal que tinha por fundamento o compartilhamento de provas ilícitas oriundas da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, então comandada por Sérgio Moro:

"Não há dúvidas, portanto, que, em decorrência do reconhecimento da parcialidade do ex-Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, o Supremo Tribunal Federal invalidou todas as decisões proferidas no âmbito da ação penal 50465-94.2016.4.04.7000/PR, o que naturalmente conduziu ao esvaziamento do acervo probatório produzido a partir de deliberações do referido magistrado. Na ocasião, o Tribunal aplicou ao caso o disposto no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, que determina a inadmissibilidade, no processo, de toda e qualquer prova obtida por meios ilícitos".

Por outro lado, não pode ser ignorado o impacto que os julgamentos oriundos da autodenominada operação "lava-jato" produziram na História recente do Brasil. 

Se no início muitos brasileiros acreditaram que a Lava Jato seria fundada em objetivos legítimos, os anos trouxeram inúmeros choques de realidade e atuações, no mínimo, espúrias por parte de seus integrantes, agentes públicos que deveriam servir à lei e à Constituição, mas, pelo contrário, agiram voluntariosamente em benefício de seus interesses particulares e vaidades. 

Quem não se lembrará das conversas impróprias mantidas entre procuradores da operação Lava Jato e o juiz responsável pelo julgamento das medidas restritivas de liberdade? As conversas divulgadas pelo Intercept e outros veículos de imprensa, acessadas por um hacker, são escandalosas e revelam um sem número de crimes praticados por seus interlocutores, sempre no sentido de manipular o processo penal para fins persecutórios e com a violação dos direitos e garantias constitucionais mais básicos dos acusados. 

O que esperar, contudo, daqueles que, em ambiente privado, classificavam direitos fundamentais como "filigranas"? Quem não se lembrará, também, do juiz que logrando interceptar diálogo em que uma das interlocutoras era a então Presidente da República, opta por vazá-los à imprensa em detrimento de sua obrigatória remessa ao órgão competente, qual seja, o Supremo Tribunal Federal, já que se tratava de áudio envolvendo autoridade com foro perante tal Corte? E a tentativa de alguns procuradores da "lava-jato" de constituírem um fundo para administração própria? 

Muitos foram os absurdos praticados em nome desta operação judicial midiática que criou um verdadeiro "modus operandi", por meio do qual, no imaginário popular, não é mais o Estado que precisa demonstrar a culpa do cidadão, mas este que deve provar sua inocência a todo instante. 

Se em condições normais já saltavam aos olhos os interesses políticos do ex-juiz e agora senador eleito Sérgio Moro na condenação judicial e midiática do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tudo ficou ainda mais claro quando, após beneficiar Bolsonaro com a retirada do seu principal adversário do pleito eleitoral em 2018, Moro foi imediatamente recompensado com o cargo de Ministro da Justiça e a suposta promessa de uma futura nomeação como Ministro do Supremo Tribunal Federal. 

Os anos foram passando e a ilusão do "combate à corrupção" tão publicizada de forma marketeira pelos membros da Lava-Jato foi se tornando uma "bandeira do passado", já que hoje assistimos Moro publicamente aliado de um projeto de poder cuja manutenção depende da destinação de bilhões e bilhões de reais sob o famigerado "orçamento secreto", denominado de emendas de relator. 

O mesmo caminho foi seguido por um dos mais midiáticos membros da famigerada operação "Lava-Jato", o procurador Deltan Dallagnol, que decidiu demitir-se do Ministério Público Federal para se candidatar a um posto de Deputado Federal, vindo a ser eleito. 

Em sendo notória a inocência de Lula também no aspecto histórico, tendo sido provada a perseguição política e os interesses e vaidades particulares que infelizmente moveram os agentes públicos que o aprisionaram, não precisamos sequer discutir qualquer mérito das acusações neste estágio. 

Se trata de visualizar o fator óbvio de que de um lado temos um cidadão, que como qualquer outro merece minimamente ser julgado por um juiz imparcial, investigado por um Ministério Público que busque a verdade real, ao contraditório, à ampla defesa e à presunção de inocência. Estes são sustentáculos de uma condenação legítima e não são meras "filigranas" constitucionais como disse em privado o hoje mais votado deputado federal pelo Paraná. 

O valor do direito, não se pode esquecer jamais, se encontra na sua imposição em detrimento das preleções e das vontades subjetivas dos atores processuais. Assim não ocorrendo, o que se tem é um mero simulacro, isto é, uma simples encenação que visa dar aparência de legitimidade e legalidade a algo que é podre e ilícito em sua essência. 

A História hoje confirma o que disse o eminente Min. Gilmar Mendes em 05 de novembro de 2021 em referência à metodologia e aos interesses de integrantes da "lava-jato": "demonizou-se o poder para apoderar-se dele."

Se faltava algo, a cômica participação de Moro no debate presidencial ocorrido no dia 16 de outubro selou o espetáculo. Após deixar o governo Bolsonaro acusando-o de interferir na Polícia Federal para beneficiar os próprios filhos e algumas dezenas de acusações recíprocas, Moro demonstra mais uma vez o seu ódio desmedido por Lula, preferindo apoiar o candidato Bolsonaro, mesmo após este tê-lo acusado de inúmeras práticas ilícitas. 

Essa sucessão de acontecimentos demonstra, inarredavelmente, a inocência não apenas jurídica, mas também histórica de Lula, que senão por meio de deliberada fake news, não pode, neste momento, ser questionada. 

Quem não é capaz de reconhecer que o ex-presidente foi vítima da manipulação do aparato do Estado para satisfazer projetos individuais e políticos de agentes - estes sim - corruptos, ou é muito ingênuo e desprovido de uma cognição intelectual mínima, ou é deliberadamente cúmplice das práticas arbitrárias, ilegais e imorais praticadas no seio da "lava-jato".

Roberto Beijato Junior

Roberto Beijato Junior

Doutor e Mestre em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor da Faculdade de Direito do IBMEC-SP. Autor de diversos artigos e obras nos campos da filosofia e do direito. Advogado.

Gabriela Shizue Soares de Araujo

Gabriela Shizue Soares de Araujo

Doutora e Mestra em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP). Professora do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da PUC-SP. Autora da obra Mulheres na Política Brasileira: Desafios Rumo à Democracia Paritária Participativa. Advogada.

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