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O instituto jurídico da tredestinação vinculado ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado

Em razão da finalidade a que se destina o bem público, este poderá ser reivindicado caso o Poder Público não empregue nenhuma destinação de interesse da coletividade.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Atualizado às 08:10

A desapropriação é um procedimento no qual o poder público, respaldado no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, e pelos pressupostos constitucionais, previstos no art. 5, XXIV, adentra o bem do particular por meio de um procedimento administrativo, realizado mediante o pagamento prévio de indenização ao particular expropriado. Contudo, entende-se que quando o Poder Público não observa esse procedimento, ocorre um abuso de poder, como no apossamento administrativo. Entretanto, é oportuno ressaltar, que existe exceção ao não pagamento de indenização, como nos casos de desapropriação confiscatória.

O procedimento da desapropriação ocorre em duas fases distintas, quais sejam: fase declaratória, quando se declara a necessidade ou utilidade pública ou interesse social. Subsequente a essa declaração, na fase executória, a Administração Pública poderá pagar o valor da indenização de modo amigável ou administrativo, ou caso não haja concordância do valor a ser pago, tem-se início a ação judicial para a discussão dos valores a ser pago ao particular expropriado. Em casos de urgência, a Administração pública poderá solicitar a imissão provisória da posse.

Com efeito, ao submeter o particular ao procedimento da desapropriação indireta, os limites da atuação da Administração Pública excede o poder e as prerrogativas que lhe foram outorgadas, o que abre um discussão acerca de uma correção jurídica, e assim reconsiderar a prática dessa desapropriação e assegurar o direito do particular lesado.

Por essas razões, tem-se a desapropriação como um procedimento no qual o Poder Público incorpora ao seu patrimônio um bem móvel ou imóvel do particular, mediante o pagamento de uma indenização, que deve ser prévia, justa e em dinheiro, todavia há exceções acerca da forma dessa indenização, que poderá ser paga em títulos da dívida agrária, no caso da desapropriação rural, com fundamentos nos arts. 184 da CF, lei 8.629/03 e lei complementar 76/93, na desapropriação urbana, que deverá ser paga mediante títulos da dívida pública, na qual a emissão deve ser previamente aprovada pelo Senado Federal, todavia há situações em que não ocorre o pagamento da indenização, como no caso das desapropriações confiscatórias, disciplinada no art. 243 da Constituição Federal, tendo ainda como base legislativa a lei 8.25/91.

Portanto, na desapropriação até a incorporação do bem do particular ao patrimônio público, tem-se uma série de fases, que em verdade, devem ser cumpridas com o fim de atender o interesse público, todavia, em alguns casos essas normas administrativas, legislativas e constitucionais atribuídas ao Poder Público, não são cumpridas, conforme se verá adiante.

Neste passo, há de se observar que a desapropriação além dos pressupostos constitucionais e legais que devem ser atendidos para ser decretada, tem-se que essa intervenção supressiva do Estado se concretiza no interesse público em detrimento do privado, ou seja, essa prerrogativa estatal não torna mais frágil o direito individual e fundamental de propriedade previsto no art.5º, XXIV da Constituição Federal? Desta maneira, em razão disso é que quando são respeitadas as normas constitucionais e legais, bem como princípios norteadores da boa Administração, tem-se a desapropriação com alternativa, todavia, empregada como exceção constitucional ao direito fundamental da propriedade, a fim de promover uma justiça social e melhor distribuição de riquezas. 

Destarte, para que ocorra a desapropriação é necessário ser atendido o devido processo legal, bem como a mesma, pode dar-se á por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, tal como deve haver uma indenização prévia, justa e em dinheiro ao particular, conforme preleciona os incisos XXIV e LV, art.5º, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

(...)LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Desta forma, a regra é que a indenização seja justa, prévia e em dinheiro, ou seja, deve ocorrer a indenização antes da conclusão desse procedimento administrativo, todavia, há situações, como as mencionadas acima, em que não há indenizações, bem como indenizações em títulos da dívida pública ou agrária, ou indenizações posteriores a integração do bem ao patrimônio público.

Com efeito, feitas as  considerações acerca da desapropriação, tem-se a necessidade de realizar um esclarecimento acerca do instituto jurídico da tredestinação e a necessidade dele não se desvincular do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, sendo que aquele ocorre quando o Poder Público der outra finalidade para o bem expropriado, ou seja, tinha-se uma ideia original acerca do destino daquele bem, todavia, por circunstâncias supervenientes, ocorreu outra destinação.

A tredestinação pode ser classificada em: a) lícita e b) ilícita. A tredestinação lícita é aquela que ocorre dentro dos limites da lei, como por exemplo, quando o Estado almeja construir um hospital, mas depois em razão do interesse da coletividade, teve-se a construção de uma escola. Todavia, a tredestinação ilícita é quando o Estado não der nenhuma finalidade pública para aquele bem desapropriado, por exemplo, desapropria o imóvel para construção de um hospital e depois se mantém inerte.

Os autores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, conceituam a tredestinação como:

[...] a destinação desconforme com o plano inicialmente previsto no ato expropriatório. Na tredestinação, o Poder Público desiste dos fins da desapropriação e transfere a terceiro o bem desapropriado ou pratica desvio de finalidade, permitindo que terceiro se beneficie de sua utilização.

[...]

Se a alienação do bem se tiver consumado por meio de negócio jurídico bilateral (desapropriação amigável), não terá o particular direito à indenização no caso de o Poder Público ter destinado o bem a fim diverso do que pretendia. (ALEXANDRINO, PAULO, 2012, p. 729)

Sobre a tredestinação lícita, vale gizar a posição do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. E PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO. MUNICÍPIO DE CUBATÃO. TREDESTINAÇÃO LÍCITA. RETROCESSÃO. INOCORRÊNCIA 1. O Tribunal de origem, ao avaliar o conteúdo fático probatório dos autos, concluiu que não houve retrocessão, pois o imóvel recebeu destinação pública relevante. 2. A discussão sobre eventual cláusula de renúncia ao direito de preempção inserida em escritura pública de desapropriação amigável se mostra inócua após constatada a não ocorrência da retrocessão. 3. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 814570 SP 2006/0019893-5, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 17/8/10, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/9/10).

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. RETROCESSÃO. DESVIO DE FINALIDADE PÚBLICA DE BEM DESAPROPRIADO. DECRETO EXPROPRIATÓRIO. CRIAÇÃO DE PARQUE ECOLÓGICO. NÃO EFETIVAÇÃO. BENS DESTINADOS AO ATENDIMENTO DE FINALIDADE PÚBLICA DIVERSA. TREDESTINAÇÃO LÍCITA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO À RETROCESSÃO OU A PERDAS E DANOS. 1. A retrocessão é o instituto por meio do qual ao expropriado é lícito pleitear as consequências pelo fato de o imóvel não ter sido utilizado para os fins declarados no decreto expropriatório. Nessas hipóteses, a lei permite que a parte que foi despojada do seu direito de propriedade possa reivindicá-lo e, diante da impossibilidade de fazê-lo (ad impossibilianemotenetur), venha postular em juízo a reparação pelas perdas e danos sofridos. 2. In casu, o Tribunal a quo com ampla cognição de matéria fático-probatória, cujo reexame é vedado ao E. STJ, a teor do disposto na Súmula 07/STJ, assentou que, muito embora não cumprida a destinação prevista no decreto expropriatório - criação de Parque Ecológico -, não houve desvio de finalidade haja vista que o interesse público permaneceu resguardado com cessão da área expropriada para fins de criação de um centro de pesquisas ambientais, um pólo industrial metal, mecânico e um terminal intermodal de cargas rodoviário. 3. Assim, em não tendo havido o desvio de finalidade, uma vez que, muito embora não efetivada a criação de Parque Ecológico, conforme constante do decreto expropriatório, a área desapropriada foi utilizada para o atingimento de outra finalidade pública, não há vício algum que enseje ao particular ação de retrocessão ou, sequer, o direito a perdas e danos. Precedentes. 4. Inexistente o direito à retrocessão, uma vez que incorreu desvio de finalidade do ato, os expropriados não fazem jus à percepção de indenização por perdas e danos. 5. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental para negar provimento ao agravo regimental. (STJ, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 14/9/10, T2 - SEGUNDA TURMA).

Entretanto, acerca do instituto da tredestinação ilícita, veja-se também o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

APELAÇÃO - AÇÃO DE RETROCESSÃO - DESAPROPRIAÇÃO - DESVIO DE FINALIDADE - SENTENÇA MANTIDA. A retrocessão importa em direito de preferência do expropriado em reaver o bem, ao qual não foi dado o destino que motivara a desapropriação. Restando evidenciado que o réu não deu ao imóvel expropriado o destino determinado do decreto expropriatório, cabível a retrocessão. (TJ-MG - AC: 10024069935948001 MG, Relator: Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Data de Julgamento: 3/6/14, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/6/14).

Registra-se por oportuno, que o procedimento da desapropriação ocorre em duas fases distintas, quais sejam: fase declaratória, quando se declara a necessidade ou utilidade pública ou interesse social. Subsequente a essa declaração, na fase executória, a Administração Pública poderá pagar o valor da indenização de modo amigável ou administrativo, ou caso não haja concordância do valor a ser pago, tem-se início a ação judicial para a discussão dos valores a ser pago ao particular expropriado.  Em casos de urgência, a Administração pública poderá solicitar a imissão provisória da posse.

Portanto, em razão da finalidade a que se destina o bem público, este poderá ser reivindicado caso o Poder Público não empregue nenhuma destinação de interesse da coletividade, pois ao submeter o particular ao procedimento da desapropriação, os limites da atuação da Administração Pública ao realizar a tredestinação ilícita, excede o poder e as prerrogativas que lhe foram outorgadas, o que abre um discussão acerca de uma correção jurídica, e assim reconsiderar a prática dessa desapropriação e assegurar o direito do particular lesado.

Marcus Vinicius Alencar Barros

Marcus Vinicius Alencar Barros

Advogado, pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário na Universidade Estácio.

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