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A lei de liberdade econômica, um postulado do processo administrativo sancionador brasileiro

A lei 13.874/19 é a nova ferramenta do advogado a ser empregada em PAS regulatórios, pois elenca limitações ao Poder de Polícia estatal.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Atualizado às 10:03

A multitemática Lei de Liberdade Econômica (13.874/19) é um passo relevante para a discussão mais abrangente da regulação do mercado brasileiro. Atualmente, as suas disposições impactam, inclusive, os Processos Administrativos Sancionadores (PAS).

À luz da ideia de postulados normativos de Humberto Ávila, a LLE é uma norma sobre normas, porque estabelece parâmetros para a regulação do mercado brasileiro e serve de norte para o regulador e de baliza para os setores regulados.

Com efeito, as democracias liberais do mundo ocidental, segundo o historiador Niall Ferguson, em obra de 2013 ("A Grande Degeneração"), enfrentaram um cenário de estagnação no crescimento, justamente por conta de instituições consagradas, como o próprio Estado Democrático de Direito, que por vezes podem gerar regulações disfuncionais.

Nesse contexto, as figuras da Análise de Impacto Regulatório (art. 5º) e do Abuso do Poder Regulatório (art. 4º e 4º-A) são essenciais para a redução das falhas de mercado e, consequentemente, potencializam a livre concorrência, a livre iniciativa e os interesses do consumidor (art. 1º, IV, 170, IV, V e parágrafo único, da CRFB).

Uma vez corrigidas as falhas de mercado, é comum haver a redução de preços, o aumento das quantidades e da qualidade dos produtos. Por isso, a regulação adequada beneficia todos aqueles que desfrutam do mercado. Porém, esta é uma responsabilidade compartilhada.

Explica-se.

O desenvolvimento do Brasil demanda a cooperação entre os players do mercado (art. 3º da CRFB c/c art. 3º da LLE) e, por isso, todos devem renunciar às suas facilidades individuais (Teoria dos Jogos). Ou seja, o caminho definido na CRFB é mais árduo para ambos os lados, visto que incumbe à Administração evitar regulações superficiais cujos efeitos líquidos sobre a indústria regulamentada sejam inegavelmente onerosos, e, ao empresariado, lucrar sem prejudicar a concorrência e o consumidor.

Nessa toada, a LLE positivou as hipóteses de abuso regulatório, tal como: (i) criar reserva de mercado, favorecendo a regulação de algum grupo econômico, ou profissional; (ii) redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado; (iii) criar demanda artificial ou compulsória, inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros; (iv) criar limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas.

Além disso, é dever da Administração Pública e das demais entidades que se sujeitam à LLE: (i) dispensar tratamento justo, previsível e isonômico entre os agentes econômicos; (ii) proceder à lavratura de autos de infração ou aplicar sanções com base em termos subjetivos ou abstratos somente quando estes forem propriamente regulamentados por meio de critérios claros, objetivos e previsíveis; e (iii) observar o critério de dupla visita para lavratura de autos de infração decorrentes do exercício de atividade considerada de baixo ou médio risco.

Desse modo, pode-se extrair diversos limites para os Processos Administrativos Sancionadores, que, na prática, não podem resultar em reserva de mercado ou em prejuízo à atividade regulada - um avanço na regulação brasileira, que muitas vezes é desnecessária e punitivista.

Ora, o Processo Administrativo Sancionador também é uma forma de regulação de mercado, porque limita os excessos praticados pelos players, e serve de última barreira para os abusos na exploração nos mercados regulados.

Paradoxalmente, segundo a OCDE, as barreiras regulatórias são maiores no Brasil do que na maioria dos países integrantes da organização. Portanto, infelizmente, a regulação brasileira se tornou uma barreira à entrada no mercado, e não uma forma de se evitar o comportamento aproveitador.

Assim, ao se definirem parâmetros claros para a regulação brasileira na LLE, consequentemente, as sanções desnecessárias deveriam ser esquecidas, tal como aquelas decorrentes de atos culposos de baixo impacto. Isto é, não há qualquer finalidade na punição pela punição e no acúmulo de pilhas de processos administrativos que não representam qualquer avanço para o mercado regulado.

Veja, caro leitor, a LLE é orientada pela liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas e a intervenção deve ser subsidiária e excepcional, pois há o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado (art. 2º, I, III e IV).

Portanto, é necessário um arcabouço de orientações claro e preciso (talvez uma matriz de risco amplamente divulgada, quando da Análise de Impacto Regulatório), a fim de atingir as finalidades de cada regulação, punindo-se apenas aquele que busca fraudar o mercado ou quem com sua conduta seja um perigo real para a atividade regulada. Com isso, haveria o tão desejado tratamento isonômico (art. 3º, IV) e o respeito ao empresariado como presumidamente agente de boa-fé (art. 3º, V).

Do contrário, as normas não serão suficientes (podendo até ser o principal entrave) para estimular a cooperação entre os players e os avanços de cada setor regulado serão esporádicos, aumentando-se mais e mais as capturas por determinadas marcas, que são capazes de sobreviver aos desastres regulatórios brasileiros (to big to fail).

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BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Diário Oficial da União. 20 de set. 2019.

DARIO NETO E ALEXANDRE CORDEIRO, Abuso De Poder Regulatório Uma Evolução Da Advocacia Da Concorrência No Brasil, p. 8-26. Revista de Defesa da Concorrência, Vol. 9, nº 2. Dezembro 2021 ISSN 2318-2253, DOI: 10.52896/rdc.v9i2.921.

FERGUSON, Niall. A grande degeneração. São Paulo: Planeta, 2013.

Victor Athayde Silva

Victor Athayde Silva

Sócio de David e Athayde Advogados.

João Pedro Goulart

João Pedro Goulart

Sócio de David e Athayde Advogados.

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