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A proposta do MMA para a logística reversa de embalagens plásticas

O sistema de logística reversa opera de maneira independente do serviço público, transferindo a responsabilidade pelo manejo adequado de certos tipos de resíduos aos agentes econômicos atuantes na respectiva cadeia produtiva.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Atualizado às 11:29

O descarte de resíduos plásticos na natureza é um dos maiores desafios ambientais enfrentados pelos países em todo o mundo. Estima-se que 7 bilhões das 9,2 bilhões de toneladas de plástico produzidas de 1950 a 2017 tenham se tornado resíduos plásticos, destinados a aterros e lixões1. Destes resíduos, entre 75 e 199 milhões de toneladas acumulam-se nos oceanos, impactando negativamente os ecossistemas e a vida marinha, com riscos potenciais à saúde humana2.

No Brasil, os plásticos compõem 13,5% das 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos produzidas por ano, de acordo com dados do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana - SELURB3. O país ocupa a quarta posição mundial na produção de lixo plástico (atrás apenas de EUA, China e Índia), com 11,3 milhões de toneladas anuais, o que corresponde, em média, à produção de um quilo de lixo plástico gerado semanalmente por habitante4. Segundo dados de 2020, o percentual de resíduos plásticos pós-consumo encaminhados à reciclagem é de apenas 23,1%5.

Como signatário da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, o Brasil elegeu metas nacionais para atingimento dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS, dois deles diretamente relacionados ao manejo adequado dos resíduos plásticos: o ODS 12 - Consumo e Produção Sustentáveis e ODS 14 - Vida na Água6. Pela Meta 12.5, o país assumiu o compromisso de, até 2030, reduzir substancialmente a geração de resíduos por meio da economia circular e adotar ações de prevenção, redução, reciclagem e reuso de resíduos. Pela Meta 14.1, o Brasil se comprometeu a, até 2025, prevenir e reduzir significativamente a poluição marinha de todos os tipos, especialmente a advinda de atividades terrestres, entre estes os plásticos e os microplásticos.

No quadro jurídico proposto pela Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS (Lei nº 12.305/2010), uma das soluções de política pública aplicáveis ao manejo e destinação adequada de resíduos plásticos no país é a implementação de um sistema de logística reversa.

Conforme o inciso XII do artigo 3º da PNRS, a logística reversa é um instrumento de desenvolvimento econômico e social, caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, seja para reaproveitamento, seja para outra destinação final ambientalmente adequada.

O sistema de logística reversa opera de maneira independente do serviço público, transferindo a responsabilidade pelo manejo adequado de certos tipos de resíduos aos agentes econômicos atuantes na respectiva cadeia produtiva. Promove uma distribuição mais equitativa dos benefícios e ônus, por meio da internalização dos custos com o manejo adequado dos resíduos pelo setor produtivo, o que pode, por sua vez, estimular a adoção de práticas de produção e comercialização mais sustentáveis.

Os sistemas de logística reversa podem ser estabelecidos de maneira cogente, por meio de regulamentos, ou de forma negocial, através da celebração de acordos setoriais ou termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial. Já operam no Brasil, com variados graus de sucesso, alguns sistemas de logística reversa implementados por meio de acordos setoriais, com abrangência nacional, regional, estadual ou local.

Para a logística reversa de embalagens contidas na fração seca dos resíduos sólidos urbanos ou equiparáveis, inclusive embalagens plásticas, foi celebrado em 2015 um acordo setorial entre a União e entidades associativas setoriais - entre elas, a Associação Brasileira da Indústria do Plástico - ABIPLAST e a Associação Brasileira de Supermercados - ABRAS.

Com a edição do novo regulamento para a Política Nacional de Resíduos Sólidos, o Decreto nº 10.936/2022, a Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente colocou em consulta pública uma minuta de decreto tendo por objeto a instituição do sistema de logística reversa de embalagens de plástico colocadas no mercado interno do país7. Também foram abertas consultas públicas para propostas de regulamentação da logística reversa de embalagens de papel/papelão e metais. Neste artigo, entretanto, tratamos apenas da logística reversa das embalagens plásticas.

Se eventualmente for editado o decreto relativo à logística reversa para embalagens plásticas, o sistema terá abrangência nacional e prevalecerá em relação aos regulamentos subnacionais e aos sistemas estabelecidos de forma negocial, o que inclui o acordo setorial para implantação do sistema de logística reversa de embalagens em geral celebrado em 2015, no tocante a embalagens de plástico.

A minuta submetida à consulta pública pretende, em suma, atribuir aos fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e consumidores de produtos em embalagens plásticas a responsabilidade compartilhada pela gestão dos seus resíduos sólidos de maneira eficaz. Assim, todos deverão contribuir para (i) a reutilização dos materiais após sua venda e seu consumo, (ii) a reciclagem, quando a reutilização não for possível, e ainda (iii) o tratamento e a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, ou seja, dos materiais que não possam ser reutilizados nem reciclados.

Nos termos da proposta, a implementação do sistema de logística reversa das embalagens de plástico deverá ocorrer em duas etapas. A fase 1, com duração de 180 dias contados da publicação do regulamento, será voltada à organização da governança do sistema, com a instituição de um grupo de acompanhamento de performance - GAP, constituído pelas entidades representativas de âmbito nacional de fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de precursores ou embalagens de plástico ou de produtos comercializados em embalagens de plástico. Ainda na primeira etapa, deverão ocorrer: adesão dos diferentes atores à entidade gestora ou formalização de sua participação em sistema individual, estabelecimento de um mecanismo financeiro que assegure a sustentabilidade econômica do sistema,  elaboração de planos de comunicação, de plano operacional e de documentos orientativos, bem como a estruturação, em até 120 dias, contados da publicação do decreto, de um mecanismo de monitoramento.

Para a fase 2, é prevista a efetiva implementação das ações projetadas na etapa anterior: (i) instalação dos pontos de recebimento e consolidação, (ii) formalização de instrumento legal com as cooperativas e associações de catadores de materiais reutilizáveis, (iii) destinação ambientalmente adequada, mediante reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final de rejeitos, nessa ordem de preferência, e (iv) execução dos planos de comunicação e educação ambiental do monitoramento do sistema mediante auditorias anuais.

No que diz respeito à operacionalização, o decreto propõe, resumidamente, as seguintes etapas de gerenciamento das embalagens a partir do seu descarte:

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

A minuta de decreto fixa, ainda, metas quantitativas e geográficas para a logística reversa de embalagens de plástico, propostas com base no Plano Nacional de Resíduos Sólidos - PLANARES, aprovado pelo Decreto nº 11.043/2022. As metas quantitativas se atrelam ao atingimento de índices de reciclagem e de conteúdo reciclado, enquanto as metas geográficas dizem respeito à instalação de pontos de consolidação por unidade da federação e de pontos de recebimento pelos municípios. Almeja-se alcançar, em todo o país, 40% de embalagens plásticas recicladas até 2032, com metas diferenciadas por região, e 30% de conteúdo reciclado até 2033.

A consulta pública à minuta de decreto proposta pelo Ministério do Meio Ambiente - MMA e se encerrou em 04 de novembro de 2022, tendo sido ofertadas 3475 contribuições. Destacamos aqui alguns dos principais temas suscitados pelos participantes.

Foi ressaltado que o sucesso do sistema de logística reversa de embalagens plásticas proposto pelo MMA dependerá fortemente dos trabalhos a serem desenvolvidos na fase 1, de estruturação do sistema. De fato, a viabilidade técnica e econômica do sistema de logística reversa só será obtida por meio da organização de um esquema de governança eficiente. Assim, mostra-se fundamental que a minuta de decreto contemple a possibilidade de ampliação do prazo da fase 1, prevendo, ainda, que os resultados obtidos na fase 1 serão vinculantes para a fase 2. Ou seja, é crucial que a implementação do sistema de logística reversa observe as conclusões obtidas nos estudos técnico, econômico e de mercado promovidos na etapa prévia, que poderão, até mesmo, propor a adequação das metas.

A consulta pública também trouxe questionamentos à viabilidade das metas quantitativas e geográficas propostas pela minuta. É possível que a realidade dos atuais sistemas de logística reversa, a ser constatada nos estudos de viabilidade, indique a necessidade de fixação de metas escalonadas, que levem em consideração, além da integração da coleta seletiva ao processo e a realidade dos números de reciclagem, a integração formal dos recicladores ao processo de logística reversa.

Destacou-se também a necessidade de que as particularidades da indústria de alimentos, sujeitas à regulação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) - que limita a reutilização dos materiais plásticos -, sejam identificadas nos estudos e refletidas na operacionalização do sistema, o que não foi contemplado originalmente pela minuta.

Como etapa subsequente, segundo o procedimento fixado pelo Decreto nº 10.936/2022, é previsto prazo de 30 dias para a oitiva dos órgãos federais interessados, com consolidação e análise das manifestações e contribuições recebidas pelo MMA. Entretanto, representantes dos governos municipais, da sociedade civil e do setor privado têm se posicionado publicamente em favor da extensão da consulta pública, para que os diferentes atores envolvidos possam ampliar a participação na elaboração da regulamentação, contribuindo para o aperfeiçoamento da minuta, com propostas de solução para as numerosas dificuldades técnicas já identificadas8.

É certo que a implantação de um sistema nacional de logística reversa para as embalagens plásticas no país oferece desafios expressivos, associados não só à amplitude do território nacional e às desigualdades regionais, mas também ao volume,  à diversidade de resíduos gerados e às complexidades técnicas ínsitas aos processos de reciclagem e de destinação adequada de rejeitos, o que reforça a necessidade de mais prazo para a discussão do regulamento e para a estruturação do sistema.

Não há dúvidas de que ganhos sociais, ambientais e econômicos associados à destinação ambientalmente adequada das embalagens plásticas justificam a mobilização do setor público, do setor privado e da sociedade civil no sentido de superar os obstáculos que se opõem à implementação de um sistema de logística reversa.

Um sistema de logística reversa eficiente evitará que as embalagens plásticas sejam destinadas a aterros e lixões, prevenindo a contaminação do solo, dos recursos hídricos e dos oceanos, com expressivos ganhos ambientais para a preservação da natureza e a saúde humana. O reaproveitamento dos resíduos poderá contribuir para a diminuição da produção de hidrocarbonetos, somando-se aos esforços de descarbonização da economia.

Espera-se, enfim, que o Estado continue avançando na estruturação do sistema de logística reversa das embalagens plásticas, medida essencial para a implementação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos e para o alcance dos compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional no âmbito da Agenda 2030.

_______

1UNEP. Poluição Plástica. Disponível aqui.
2United Nations Environment Programme (2021). From Pollution to Solution: A global assessment of marine litter and plastic pollution. Synthesis. Nairobi.
3Heinrich Böll Stiftung. Atlas do Plástico (2020). p. 18. 
4Estimativa da WWF Brasil. Disponível aqui.
5Resultado do estudo encomendado pelo Plano de Incentivo à Cadeia do Plástico, divulgado pela Associação Brasileira da Indústria de Plástico. Disponível aqui.
6DA SILVA, Enid Rocha. ODS - Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Proposta de Adequação. Brasília: IPEA, 2018.
7Portal da consulta, clique aqui.
8Veja-se, por exemplo, as notícias publicadas em: PORTAL NEOMONDO. Logística reversa: entidades criticam tentativa do MMA de mudar regras. 10.11.2022, clique aqui. FECOMERCIO. Logística Reversa: FecomercioSP expõe inconsistência em norma que quer instituir logística reversa das embalagens de plástico. 24.11.2022, clique aqui

Débora Sotto

Débora Sotto

Procuradora do município de São Paulo, sócia do escritório Tojal | Renault Advogados, mestre em Direito do Estado e Direito Tributário, doutora em Direito Urbanístico pela PUC-SP e pós-doutorada pelo Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública (USP) e pelo Centro de Síntese Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados (USP).

Heloisa Martins Armelin

Heloisa Martins Armelin

Advogada no escritório Tojal | Renault Advogados, especialista em Direito Constitucional pela PUC-SP e pós-graduanda em Direito Administrativo pela FGV.

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