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Descortinando a improbidade no Brasil

Uma discussão sobre a compatibilidade da utilização dos artigos da lei 14.230, diante das discussões sobre a possibilidade de inconstitucionalidade material.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Atualizado às 15:00

Para proteger a probidade brasileira, foi aprovada a lei 8.429, em 1992, que dispôs sobre a possibilidade de sancionar um agente público, no caso de enriquecimento ilícito, sendo um marco na proteção do patrimônio público. Posteriormente, em 2021, essa lei foi alterada pela 14.230, causando muitas discussões acerca da inconstitucionalidade de alguns artigos, tentando-se manter a segurança jurídica e a isonomia. Nessa linha, para complementar a discussão, é interessante citar os dizeres do doutrinador Paulo Brossard "a lei se presume constitucional, porque é elaborada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo, isto é, por dois dos três poderes situados no mesmo plano do Poder Judiciário". Portanto, quando há modificações inerentes à lei de improbidade administrativa, faz-se mister ter cautela para não arrefecer a proteção de direitos e ultrapassar os limites da vedação ao retrocesso. Nesse viés, após muitas críticas em relação "à nova lei de improbidade" e às consequentes interpretações equivocadas, foi proposta a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIn 7.236) pela Associação Nacional do Membros do Ministério Público. Destarte, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Morais, utilizando-se da premissa da máxima efetividade das normas constitucionais, propôs o pedido de medida cautelar para suspensão de alguns artigos materialmente inconstitucionais a serem descritos.

Inicialmente, foi suspenso o art. 1º do parágrafo 8º que afasta a improbidade nos casos em que a conduta questionada se baseia em entendimento controvertido nos tribunais. Explicando melhor, um Tribunal poderia utilizar de um determinado precedente isolado para afastar a improbidade de um agente público, violando o princípio da confiança jurídica. Ou seja, um julgamento pontual em determinado Estado, por exemplo, não poderia estender seus efeitos erga omnes, causando interpretações contraditórias, uma vez que o sistema common low no Brasil é mitigado. Ademais, o critério utilizado nesse artigo supracitado é amplo e gera insegurança jurídica, pois há inúmeros juízes e tribunais com competência para julgar atos de improbidade e uma pluralidade de procedimentos.

Outrossim, houve a suspensão cautelar do art. 12º do parágrafo 1º, cuja tratativa pautava-se na sanção vinculada a mesma qualidade e natureza que o agente público detinha na época da infração. Isto é, sabe-se que o sistema eleitoral brasileiro coaduna com eleições diretas temporais e há mudanças diuturnas de cargos e funções entre os agentes, fato que poderia gerar visível impunidade destes. Nessa perspectiva, o julgamento da ação de improbidade poderia se estender por anos e o agente teria que mudar de função ou cargo durante a tramitação processual, afastando-se as sanções constitucionais. Consequentemente, o Ministro Alexandre de Morais, argumentou sobre a punição desvinculada de cargo ou função para a constitucionalidade da lei de improbidade.

Segundo o art. 12º do parágrafo 10 da lei 14.230, "para efeitos de contagem de prazo de sanção de suspensão de direitos políticos, computar-se -á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito julgado de sentença condenatória". Ou seja, de acordo com este artigo, haveria mudanças na inelegibilidade prevista tanto na lei Complementar 64 de 1990, quanto no art. 4º da Constituição Federal. Para exemplificar, um agente público poderia ser julgado pelo Tribunal de Justiça de seu Estado e recorrer ao Tribunal Superior, sendo julgado por um determinado órgão colegiado. Nesse contexto, após o julgamento, começaria a contar a suspensão dos seus direitos políticos, podendo ocorrer uma espécie de detração sancionatória ilegal. Em consequência disso, quando ocorresse o trânsito julgado da ação de improbidade, a suspensão já poderia ter sido cumprida pelo agente, indo na contramão do princípio da inafastabilidade de jurisdição. Finalmente, faz-se necessário ressaltar que a suspensão de direitos políticos da lei complementar 64 de 1990 não se confunde com a descrita na Constituição Federal, uma vez que as previsões penalizadoras são diversas e contêm gradações complementares.

Além disso, a Constituição Cidadã descreve no art. 127º que "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". Portanto, houve ampliação da competência do Ministério Público para propor a ação civil pública, o inquérito civil e o acordo de não persecução civil nas ações de improbidade administrativas. Nessa toada, na lei 14.230, no art. 17-B, para que este acordo seja aprovado, seria exigida a manifestação do Tribunal de Contas no prazo de 90 dias, para o cálculo do ressarcimento. Explicando melhor, haveria uma irregularidade no condicionamento da atividade fim do parquet à atuação da Corte de Contas, como uma espécie de assessoria vinculada- indo na contramão da independência funcional constitucional.

Nessa linha de discussão, é cediço na doutrina que impera a independência das instâncias administrativas, civis, penais e políticas nos atos sancionatórios descritos na lei de improbidade. Por conseguinte, pode-se observar a incoerência do art. 21º parágrafo 4º desta lei, cuja absolvição criminal em ações que discutam os mesmos fatos em decisão colegiada impede o trâmite da ação de improbidade. Portanto, foi suspenso este artigo para permitir que a autoridade julgadora utilizasse do livre convencimento motivado, nas diferentes esferas sancionatórias, sem, contudo, ultrapassar o princípio do bis in idem. Desse modo, para que haja a responsabilização justa e segura, pode ser necessário que se repare o dano na esfera civil, ou seja penalizado administrativamente, além da ação penal cabível a cada caso específico.

Finalmente, diante do nosso sistema eleitoral aprovado na Carta Magna, infere-se que os partidos políticos têm importância explícita na atuação proba de seus agentes públicos. Nessa linha, é interessante destacar que os partidos políticos ostentam juridicamente o regime jurídico privado, todavia recebem virtuosos recursos especiais, de natureza pública, descritos na lei 9.096 (lei dos partidos políticos). Destarte, no art. 23-C da lei 14.230, criou-se uma espécie de imunidade ou isenção dos partidos políticos, reduzindo ou extinguindo as sanções referentes a lei de improbidade, em detrimento da lei dos partidos políticos. Isto é, este artigo foi suspenso cautelarmente, pois houve violação do princípio da isonomia, podendo gerar prejuízo à coletividade.

Diante do exposto, faz-se necessário uma avaliação posterior pelo pleno do Supremo Tribunal Federal com o intuito de julgar a inconstitucionalidade dos artigos previamente mencionados para que este arcabouço normativo editado há mais de 30 anos permita a máxima efetividade com compliance institucional. Ou seja, não é permitido, em hipótese alguma, o retrocesso social dos direitos e dos deveres dos agentes públicos, que devem agir probamente representando os ideais da República federativa do Brasil.

Joseane de Menezes Condé

VIP Joseane de Menezes Condé

Discente de Direito Anhanguera, estagiária do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT 15 e TRT 6 de 2022 e estuda pós graduação na Damásio.

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