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A CF de 1988 como marco fundamental para a transformação do Direito de Família

A Constituição veio para angariar todos os direitos dos filhos que foram deixados de lado e, vai além, coloca como responsabilidade do Estado e da sociedade o estabelecimento do bem-estar dessas crianças.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Atualizado às 07:46

A família brasileira passou por inúmeros processos de modificação em suas estruturas. A Constituição Federal de 1988 foi o marco responsável por tecer novos modelos para o entendimento do Direito de Família.

A promulgação da Constituição foi importante para que as leis infraconstitucionais tivessem nela o seu suporte, assim, tecerem regras, conceitos e um olhar sobre a família e suas transformações históricas.

Desse modo, ela veio para inserir uma nova forma de ver, pensar e estudar a sociedade brasileira, vez que ela vive em constante dinamicidade. Para isso, o direito brasileiro precisou do advento de uma nova constituição.

A Carta Magna ficou conhecida (como a Constituição Cidadã) por garantir inúmeros direitos que não foram contemplados pelas outras constituições. O art. 1º, III, da Constituição de 1988 traz em seu bojo, o princípio da proteção da dignidade da pessoa humana. Apesar de ser difícil conceituá-lo, por ser uma cláusula ampla e geral, conseguiu abarcar muitos temas. Esse fundamento constitucional influenciou e  passou a ter uma grande atuação no atual direito de família brasileiro. Já que a dignidade da pessoa humana precisa ser entendida a partir da realidade que tem uma pessoa no seu contexto social (TARTUCE, 2013).

A Constituição de 1988 traz como inovação a visão de família, saindo de cartaz a família pautada exclusivamente no matrimônio e entra a entidade familiar, que é regulada pelo afeto. Essa concepção parece simples, mas acompanhando a evolução histórica brasileira percebemos que é uma grande mudança na forma de pensar a família. Atualmente, o afeto é tido como o fundamento mais importante, e a base da família. Apesar de não está explícito o termo afeto, encontramos na Carta Magna a dignidade da pessoa humana e a solidariedade que se interligam e valorizam o afeto (TARTUCE, 2013).

É a partir dessa inclusão do afeto como fator determinante para a construção da família que inúmeras ramificações familiares puderam ser reconhecidas como família.

A Lei Maior brasileira estabeleceu a igualdade jurídica, relacionando os direitos e obrigações entre os homens e mulheres. Sendo descrita nos arts. 5º, I e no art. 226, § 5º, estabeleceu com isso a igualdade de direitos e obrigações em relação à sociedade conjugal ou a convivencial (FUJITA, 2011).

O autor Flávio Tartuce (2013, p. 1059) pontua sobre a nova forma de ver a família:

Como outra decorrência do princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros, surge a igualdade na chefia familiar, que pode ser exercida tanto pelo homem quanto pela mulher em um regime democrático de colaboração, podendo inclusive os filhos opinar (conceito de família democrática). Substitui-se uma hierarquia por uma diarquia. Utiliza-se a expressão despatriarcalização do Direito de Família, eis que a figura paterna não exerce o poder de dominação do passado. O regime é de companheirismo, não de hierarquia, desparecendo a ditatorial figura do pai de família (paterfamilias), não podendo sequer se utilizar a expressão pátrio poder, substituída por poder familiar.

Umas dessas inovações se dá em relação à família monoparental. Essa entidade familiar é construída a partir de um pai ou uma mãe e os seus descendentes (FUJITA, 2011). É formada nesse arranjo por opção ou não. Encontra- se descrita no art. 226, § 4º da Constituição Federal de 1988.

De acordo com o caput do art. 227 da Constituição de 1988, passou a ser dever da família, da sociedade e, por último, do Estado assegurar que a criança, o adolescente e jovem direitos para seu pleno crescimento, tais como o direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à cultura, à dignidade, à profissionalização, o respeito, a liberdade e à convivência familiar e, também, em comunidade. Ainda de acordo com o art. 227 é importante que as crianças sejam protegidas da negligência, da exploração, violência, crueldade, opressão e da discriminação.

Outro ponto interessante da Constituição, diz respeito ao art. 229, que coloca como dever dos pais de cuidar dos filhos que são menores de idade. Todavia, inaugura o dever para os filhos maiores de idade que é a assistência aos pais com dificuldades físicas, mentais, psicológicas e, também, financeiras. Isso significa que  é dever dos filhos maiores a garantia de um bem estar para seus ascendentes, com garantia aos alimentos.

Esse dever parte do princípio da solidariedade familiar que se encontra descrito no art. 3º, I da CF/1988, que nos revela que devemos construir uma sociedade livre, justa e também, solidária. Com isso, considera-se que a solidariedade é um dos princípios norteadores do atual direito de família.

A solidariedade é refletida no direito de família, para Flávio Tartuce (2013 p. 1057) "Ser solidário significa responder pelo outro [...]. Quer dizer, ainda, preocupar- se com a outra pessoa. Desse modo, a solidariedade familiar deve ser tida em sentido amplo, tendo caráter afetivo, social, moral, patrimonial, espiritual e sexual. Na Constituição Federal de 1988 encontramos assegurada a igualdade entre  o homem e a mulher. A partir disso, houve a garantia de proteger e de estabelecer como família a união estável, a família monoparental e outras formas distintas de família que não eram consideradas até então. Outro fator relevante foi o estabelecimento da igualdade jurídica dos filhos.

A Emenda constitucional n. 66 promulgada em julho de 2010 retirou o instituto da separação judicial da legislação, o divórcio por conversão e os prazos para que ocorresse a dissolução do casamento desse modo, as pessoas puderam se divorciar sem tempo mínimo. Isso foi um enorme e incalculável avanço para o direito de família.

A igualdade jurídica compreende tanto os filhos adotivos como aqueles que foram concebidos por inseminação artificial heteróloga, ou seja, com material genético de outrem (TARTUCE, 2013). Por isso, todos os filhos são iguais juridicamente, não possuindo distinção se o filho é de origem biológica ou adotiva.

A Constituição Federal traz em seu art. 227, § 6º o tratamento isonômico de direitos e deveres em relação aos filhos concebidos ou não na constância do casamento. Esse artigo possui uma relevância ímpar no sentido de afastar todas as antigas discriminações que os filhos não oriundos do matrimônio sofreram desde a implantação do Código Civil de 1916, apesar dessa diferenciação ter surgido antes, até o advento da Carta Magna em 1988.

Isso foi possível com o amadurecimento da sociedade no sentido de perceber que família e os filhos não estavam diretamente ligados ao casamento, a aliança era com a afetividade, com algo mais abstrato e mais valioso.

Na ótica de Zeno Veloso (1997 apud FUJITA, 2011 p. 26) a diferenciação que existia é assim interpretada:

A nosso ver, o mais ético e justo dos princípios é o que acaba com a odiosa discriminação, a diferenciação hipócrita e injustificável, extinguindo a perversa classificação dos filhos, como se as crianças inocentes fossem mercadorias expostas em prateleira de mercearias, umas de primeira, outras de segunda, havendo, ainda, as mais infelizes, de terceira classe ou categoria.

A Constituição veio para angariar todos os direitos dos filhos que foram deixados de lado e, vai além, coloca como responsabilidade do Estado e da sociedade o estabelecimento do bem-estar dessas crianças. Com essa nova responsabilidade, os filhos não só deixaram de ser discriminados, como foi dado a eles uma rede de proteção para o seu pleno desenvolvimento.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08 agosto 2022.

                , Código Civil, lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: . Acesso em:  15 de setembro  de 2022.

FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 3. ed. rev. atual., e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.

FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

Marcus Vinicius Alencar Barros

Marcus Vinicius Alencar Barros

Advogado, pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário na Universidade Estácio.

Nadejda Ferres

Nadejda Ferres

Advogada associada do escritório Barreto Dolabella Advogados. É graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e pós-graduada em Direito Previdenciário e Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale. A profissional cursa Especialização em Prática Previdenciária e Marketing Digital Jurídico na Faculdade Legale e Gestão, Empreendedorismo, Tecnologia.

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