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Ressarcimento dos Estados pela perda de arrecadação do ICMS - Combustíveis

A nova lei evidentemente não poderá vir com efeito retroativo de maneira que, a nosso ver, a compensação das dívidas dos Estados junto à União por perdas arrecadatórias do ICMS incidentes sobre combustíveis como gênero não tem amparo legal e constitucional.

terça-feira, 21 de março de 2023

Atualizado às 08:48

Mais de 20 Estados da Federação ingressaram com ação direta de inconstitucionalidade contra a lei Complementar 194/22, que proibiu a tributação dos combustíveis pelo ICMS, em percentual superior àquele incidente sobre as mercadorias em geral, ou seja, 18% ou 17%, conforme o Estado (ADIn 7.191 e ADPF 984).

O Relator dos processos, Ministro Gilmar Mendes, constituiu uma Comissão Especial composta por representantes dos Estados e da União para solucionar o impasse.

Dessa Comissão Especial surgiu a proposta de acordo para: a) definir os produtos essenciais (diesel, gás natural e gás de cozinha); b) encaminhamento pela União ao Congresso Nacional da proposta de aperfeiçoamento legislativo da lei Complementar 194/22 e da lei Complementar 192/22; c) celebrar no prazo de 30 dias convênio através do Confaz para uniformizar o imposto incidente sobre os combustíveis, com exceção da gasolina; d) renúncia expressa dos Estados e do DF quanto à possibilidade de cobrar diferenças não pagas pelos contribuintes, pela desconformidade artificialmente criada dos últimos 60 dias,  da mesma forma que não poderão ser levados a restituir eventuais valores cobrados a maior, desde o início dos efeitos da medida legal até 31 de dezembro de 2022.

O acordo foi homologado pelo STF e encaminhado ao TCU e aos presidentes da Câmara e do Senado Federal para os trâmites devidos acerca do aperfeiçoamento legislativo.

Em outra ação impetrada pelo Estado de Pernambuco o Ministro Relator, Roberto Barroso, determinou a compensação mensal de sua dívida perante a União pela perda arrecadatória do ICMS daquele Estado, motivada pela redução da alíquota incidente sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transportes (ACO 3.601).

Primeiramente, não é adequado falar em redução de alíquota, que não houve mesmo porque a fixação de alíquotas é de competência privativa do ente político regional.

O que houve foi  a proibição de o Estado membro tributar os combustíveis em patamar superior à tributação das mercadorias em geral, o que situa o diploma legal (LC 194/22) no âmbito das normas gerais para assegurar a aplicação uniforme em todos os Estados da Federação (art. 146, III da CF).

Em segundo lugar, a União limitou-se a regulamentar o disposto no inciso III, do § 2º, do art. 155 da CF que faculta aos Estados  a tributação seletiva em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.

Nos termos da dicção constitucional, tratando-se de mera faculdade, nenhum Estado está obrigado a promover a tributação seletiva.

Mas, em fazendo o uso da faculdade conferida pelo Texto Magno não poderá implementar a seletividade ao inverso, isto é, tributar mais as mercadorias e serviços considerados essenciais.

Em terceiro lugar, a lei Complementar 194/22 guarda harmonia com o decidido pela Corte Suprema que decretou a inconstitucionalidade da tributação de energia elétrica e serviços de telecomunicação pelo  Estado de Santa Catarina em percentual superior a 17% aplicável às mercadorias em geral (RE 714.139/SC julgado sob sistemática de repercussão geral).

É obvio que o exemplo da tributação de energia elétrica e da telecomunicação serve para os demais casos de tributação de bens essenciais como combustíveis.

Colocada a questão nesses termos fica bem difícil entender a condenação da União que se limitou a exercer a sua competência legislativa para regular o dispositivo constitucional de forma a harmonizar-se com a jurisprudência do STF firmada sob a sistemática de repercussão geral, portanto, de aplicação erga omines e de efeito vinculante.

Não socorre o argumento de que uma parte do combustível representada pela gasolina não se submete à alíquota seletiva por não ser produto essencial.

Ora, a lei complementar 194/22 incluiu a gasolina no rol de produtos essenciais e não houve declaração de inconstitucionalidade dessa lei pelo STF.

Quando o aperfeiçoamento legislativo dessa lei complementar 194/22, que consta do acordo homologado pelo STF, vier a excluir a gasolina do rol de produtos essenciais, aí sim que a gasolina deixará de ser produto essencial por opção legislativa, não antes.

De qualquer forma, a nova lei evidentemente não poderá vir com efeito retroativo de maneira que, a nosso ver, a compensação das dívidas dos Estados junto à União por perdas arrecadatórias do ICMS incidentes sobre combustíveis como gênero não tem amparo legal e constitucional.

Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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