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TJ/RJ anula medida cautelar preparatória em processo de recuperação judicial

Caberá ao Superior Tribunal de Justiça pacificar o tema da interpretação extensiva da legislação geral - Código de Processo Civil - face as especialidades da legislação especial.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Atualizado às 08:12

No dia 21 de março de 2023, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro avançou no entendimento sobre a utilização de medida cautelar preparatória e tutela provisória de urgência por empresas que buscam se beneficiar do instituto da recuperação judicial, instituído pela lei 11.101/05.

A medida cautelar preparatória ao pedido de recuperação judicial ganhou notoriedade com a utilização do mecanismo processual pelo Grupo Americanas que, após a divulgação ao mercado de inconsistências contábeis, requereu na Justiça do Rio de Janeiro a antecipação dos efeitos da Recuperação Judicial para proteger seu patrimônio e obstar o vencimento antecipado de dívidas financeiras decorrente das divulgações de informações ao mercado.

Em que pese a recente discussão do tema no poder judiciário, as disposições que fundamentam a antecipação dos efeitos da Recuperação Judicial foram introduzidas pela lei 14.112/20, que regula dois procedimentos específicos que podem ser utilizados com base da lei 11.101/05, que são: (i) tutela provisória de urgência, prevista no artigo 6, §12 da lei 11.101/05 - cumulado com o artigo 300 do Código de Processo Civil - e; (ii) tutela cautelar, prevista no artigo 20-B, §1º da lei 11.101/05 - cumulado com o artigo 305 do Código de Processo Civil.

Ainda que os mecanismos pareçam similares, e ambos com finalidades idênticas no instituto da recuperação judicial: a preservação da atividade econômica, o tratamento e consequências jurídicas decorrentes da Lei de Recuperação Judicial diferem, de modo que deve ser observado pelos atuantes do direito, visando a segurança jurídica no direito empresarial.

Isso porque, a tutela provisória de urgência visa antecipar os efeitos da recuperação judicial em um cenário certo do pedido de recuperação judicial pela empresa em crise financeira, mas devido a algum fato sua antecipação é extremamente imediatista e necessita de uma proteção urgente, de modo que o devedor apresente um pedido simplificado de recuperação judicial - desde que preenchido os requisitos básicos - e, posteriormente, complemente o pedido de forma melhor elaborada.

Em relação à tutela cautelar antecedente - noticiada como medida preparatória - seu procedimento visa criar um ambiente de negociação e mediação entre a empresa em crise financeira e seus credores, buscando inclusive evitar o ajuizamento de um pedido de recuperação judicial, sendo desvantajoso para todos os envolvidos (devedores, credores, investidores e etc.).

Nesse sentido, a lei 11.101/05, em seu artigo 20-B, admite a tutela cautelar, buscando a preservação da atividade econômica, pressupondo a instauração de procedimento de conciliação e/ou medição do devedor com seus credores.

No caso em julgamento, que combatia a medida preparatória do Grupo Americanas, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro evidenciou uma desvirtuação do mecanismo processual, visto a ocorrência dos fatos ocorrido no processo promovido pela devedora, pois, após 7 dias do ajuizamento da medida cautelar, houve a formalização do pedido de recuperação judicial, sem que fossem tomadas as providências vinculativas da lei de instauração de conciliação e/ou mediação.

Além do mais, a Relatora do recurso, Desembargadora Leila Santos Lopes, destaca a ausência de previsão legal da medida judicial promovida pelo Grupo Americanas, denominado como "tutela de urgência cautelar em caráter antecedente, preparatória de processo recuperacional", pois não se enquadrou nos mecanismos processuais previstos na lei 11.101/-5, bem como o desequilibro contido na decisão que concedeu a medida cautelar.

Isso porque, a Justiça do Rio de Janeiro acolheu todos os pedidos requeridos pelo Grupo Americanas, que buscou a antecipação da proteção da lei de recuperação judicial, sem que, contudo, fossem impostos os ônus decorrentes da situação de recuperação judicial de um devedor, como, por exemplo, a vedação de distribuição de lucros e dividendos, alienação ou oneração de ativos sem autorização judicial e etc.

Na mesma linha, o Tribunal de Justiça consignou a atenção que, a legislação geral do Código de Processo Civil possui caráter subsidiário e somente é aplicada em decorrência de omissões da legislação especial, conforme previsto no artigo 189 da lei 11.101/05. Ou seja, não podendo contrariar o sistema e princípios, bem como deixar de observar os requisitos e/ou procedimentos previstos na legislação especial.

Complementando, a Relatora relembra também da importância do principio da preservação da atividade econômica, contudo, discorre sobre sua aplicação que não deve ocorrer a qualquer custo, devendo, também, ser observado o princípio da tutela do crédito, que extrapola o interesse individualizado de cada credor e atinge todo um sistema de crédito essencial para o desenvolvimento e fluidez da ordem econômica e financeira do país.

O tema é de alta relevância visto que, outras empresas em crise também passaram a utilizar da medida cautelar preparatória, em inobservância a vinculação do procedimento à instauração de mediação e/ou conciliação, como, por exemplo, o Grupo Oi.

Estamos diante de um cenário de incertezas quanto ao cabimento medida cautelar preparatória ao pedido recuperação judicial, especialmente pelas consequências jurídicas dos efeitos nas negociações e operações diárias realizadas pelos agentes econômicos, bem como na insegurança da validade de transações realizadas durante o período da medida cautelar.

Decerto, caberá ao Superior Tribunal de Justiça pacificar o tema da interpretação extensiva da legislação geral - Código de Processo Civil - face as especialidades da legislação especial, bem como a rigorosidade da previsão de instauração de mediação e/ou conciliação nas medidas cautelas embasadas na Lei de Recuperação Judicial, visando trazer uma segurança jurídica no ordenamento cogente e credibilidade dos institutos do direito civil e empresarial.

Brenno Mussolin Nogueira

Brenno Mussolin Nogueira

Advogado do contencioso cível do Rayes & Fagundes Advogados Associados.

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