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Complemento de julgado no tribunal de impostos e taxas, uma nova figura no processo administrativo tributário

A Câmara Superior como instância de uniformização jurisprudencial e a ausência de previsão legal de embargos de declaração na legislação reguladora do processo administrativo tributário paulista.

domingo, 18 de junho de 2023

Atualizado em 19 de junho de 2023 11:36

O processo administrativo tributário decorrente de lançamento de ofício, no Estado de São Paulo, é regido pela lei 13.457/09 (regulamentada pelo decreto 54.486/09), e tem início com a apresentação de defesa1, em face do auto de infração lavrado por Agente Fiscal de Rendas2.

Instaurada a fase contenciosa, a atividade judicante, no âmbito administrativo, é exercida, inicialmente, pela Delegacia Tributária de Julgamento (DTJ), e pode ter continuidade nas Câmaras do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), ao qual compete o julgamento do (i) recurso de ofício; (ii) recurso ordinário; e (iii) recurso especial. Também cabe ao TIT a apreciação dos pedidos de (iv) reforma de julgado, nos casos de decisão contrária à Fazenda Pública do Estado; ou (v) retificação de julgado, caso este contenha erro de fato.

Nesse cenário, analisa-se a atuação da Câmara Superior do TIT, enquanto órgão responsável pela uniformização das decisões do Tribunal, em cotejo com a legislação atual que rege o processo administrativo tributário (lei 13.457/09).

Em virtude da ausência de previsão legal que expressamente mencione ou defina a expressão "complemento de julgado", corriqueiramente utilizada nos acórdãos proferidos pelo Tribunal, realizamos uma breve investigação, a fim de identificar de que se trata, em que casos se aplica, e as possíveis acepções empregadas à expressão.

No âmbito da Câmara Superior do TIT, em sede de Recurso Especial, analisamos julgados publicados entre 20/1/23 e 10/5/23, nos casos em que houve a determinação do retorno dos autos à Câmara Julgadora, para novo julgamento, em virtude de vícios parciais na decisão recorrida.

Em pelo menos nove acórdãos, houve a determinação do retorno dos autos a uma das Câmaras Julgadoras, para "complemento de julgado", com utilização da expressão tanto na parte dispositiva, quanto no resumo da decisão da Câmara3. Em outros seis acórdãos4, identificou-se a determinação de retorno dos autos às Câmaras Julgadoras, para "complemento de julgado", porém referida expressão constou no resumo da decisão da Câmara, mas não na parte dispositiva.

Verificou-se que a expressão "complemento de julgado" tem sido utilizada nos casos em que a Câmara Superior reconhece vícios parciais nos acórdãos proferidos pelas Câmaras Julgadoras e determina o retorno dos autos à instância ordinária, a fim que de esta se pronuncie a respeito de parte da matéria discutida nos autos.

No que diz respeito às acepções empregadas, identificamos que se determinou o retorno dos autos à Câmara Julgadora, para "complemento de julgado", em virtude da ocorrência de:

(a) omissão com relação a argumentos expostos nas razões recursais (AIIMs, 4083306-9, 4064304-9, 4075863-1, 4008502-8, 4076669-0 e 4078362-5);

(b) contradição entre a fundamentação do acórdão e a sua conclusão (AIIM nº 4002465-9);

(c) obscuridade, pela falta de clareza na exposição dos fundamentos que levaram à conclusão do julgamento (AIIMs 4018499-7 e 4084900-4);

(d) adoção de premissa falsa (AIIMs 4002465-9, 4075181-8, 4082559-0 e 4084900-4);

(e) extrapolação dos limites da lide (AIIM 4020328-1); ou

(f) prejuízo ao contraditório, ainda que se tratasse de matéria sobre a qual se pode decidir de ofício (AIIMs 4127224-9 e 4112343-8).

Nos quinze acórdãos analisados, foi possível identificar seis acepções diferentes para "complemento de julgado", que resultaram na determinação do retorno dos autos à Câmara Julgadora, com a devida ressalva de que, para o AIIM 4084900-4, foi reconhecida tanto a ocorrência de obscuridade quanto a adoção de premissa falsa.

A partir da pesquisa realizada, notou-se que, na maioria dos casos em que a Câmara Superior entendeu necessária a complementação do julgado, o que a motivou foi a constatação de omissão, contradição, obscuridade ou adoção de premissa falsa, a qual também pode ser entendida como erro de fato.

Referidos vícios tiveram de ser alegados pelas partes (Contribuintes e Fisco) em sede de Recurso Especial, cuja competência para julgamento é da Câmara Superior do TIT.

Ocorre que o Recurso Especial não tem por objetivo sanar vícios porventura encontrados nas decisões da Câmara Julgadora. Diferentemente, o Recurso Especial é voltado para a resolução de dissídio entre a interpretação da legislação adotada pelo acórdão recorrido e a adotada em outro acórdão não reformado, nos exatos termos do art. 49, da lei 13.457/09, de modo a concretizar a sua precípua função de uniformizar a jurisprudência da Corte, promovendo maior segurança jurídica.

Considerando a finalidade do Recurso Especial, de uniformizar a interpretação de dispositivos da legislação tributária estadual, pelo Tribunal Administrativo, torna-se evidente o seu caráter "excepcional". Sua interposição pressupõe a existência de dissídio jurisprudencial a ser resolvido pela Câmara Superior, e o recurso somente é analisado caso tal dissídio seja vislumbrado em juízo de admissibilidade realizado pelo Presidente do Tribunal. O Recurso Especial não se presta, portanto, à reanálise fático-probatória.

O Recurso Especial também não deveria ser utilizado para apreciação de defeitos nas decisões das Câmaras Ordinárias, tais como omissão, contradição ou obscuridade porventura identificadas.

Nesse cenário, observa-se o desvirtuamento da finalidade do Recurso Especial e a necessidade de instituição de novos recursos no processo administrativo tributário paulista, a fim de aperfeiçoar a prestação jurisdicional, ainda que atípica, prestada pela Administração. Isso porque, caso inadmitido o Recurso Especial, quando da análise de sua admissibilidade, por falta de preenchimento de seus pressupostos, as partes não terão qualquer outra oportunidade para alegar vícios que maculam a decisão proferida.

Torna-se necessária, assim, uma reforma na legislação do contencioso administrativo fiscal paulista, para que, entre outras mudanças, institua-se um novo recurso para sanar vícios, com a mesma finalidade dos embargos de declaração. Essa medida garantiria, às partes, a oportunidade para alegar a existência de eventuais omissões, contradições, obscuridades e erros materiais, porventura contidos em acórdãos proferidos pelas Câmaras Julgadoras, sem que, para isso, estejam necessariamente obrigados a interpor Recurso Especial, que pode nem mesmo ser admitido, se não cumpridos os seus pressupostos.

Em uma análise superficial, poderia chegar-se à conclusão de que vícios pontuais poderiam ser resolvidos por meio do Pedido de Retificação de Julgado, nos termos do art. 15, da lei 13.457/09. Contudo, segundo a legislação, referida medida não é adequada, visto que sua previsão tem o cabimento limitado à retificação de erro de fato, de modo que o recurso em comento não se presta a sanar a omissão, contradição, obscuridade e erro material.

Sobre o tema, deve-se mencionar que tramitou, perante a Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), o Projeto de Lei nº 367/2020, o qual tinha por objeto alterar a lei 13.457/09, a fim de modernizá-la e adaptá-la ao Código de Processo Civil de 2015 (lei 13.105/15). Contudo, conforme se verifica pela análise da tramitação, no site da ALESP5, referido Projeto foi arquivado em 10/05/2023, conforme despacho publicado em 30/3/23, sem notícias de novo projeto de lei para a alteração da legislação vigente.

A despeito do arquivamento do PL 367/20, persiste a necessidade de alterações na legislação estadual, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal, a fim de que sejam realizadas atualizações, inclusões de novos institutos processuais, bem como adaptações ao CPC de 2015, cuja aplicação é supletiva e subsidiária ao processo administrativo, nos termos de seu art. 156.

Assim, conforme demonstrado no presente trabalho, o complemento de julgado é uma solução aplicada com certa frequência pela Câmara Superior do TIT/SP. Muito embora não esteja previsto por nenhum ato normativo, tem por função viabilizar o retorno dos autos às Câmaras Julgadoras, nos casos em que a Câmara Superior tenha reconhecido vícios parciais nas decisões recorridas, com nítido efeito devolutivo, de parte do mérito discutido nos autos.

Acerca dos referidos vícios, após análise dos quinze acórdãos proferidos pela Câmara Superior, foi possível encontrar, pelo menos, seis acepções diferentes para os casos que ensejaram o retorno dos autos, para complemento de julgado. Dentre eles, quatro casos poderiam ter sido objeto de embargos de declaração (omissões, contradições, obscuridades e erros materiais), sem que o contribuinte tivesse de interpor Recurso Especial (e excepcional), para alegar vícios pontuais que, segundo seu entendimento, maculariam a decisão.

Fato é que, de acordo com a legislação que, atualmente, regula o processo administrativo fiscal paulista, o contribuinte não dispõe de qualquer outra medida processual para ter sanado o vício parcial presente na decisão contra si proferida pela Câmara Julgadora, senão o Recurso Especial. Ocorre que a apresentação desse recurso, de natureza excepcional e escopo limitado, exige a demonstração de dissídio jurisprudencial como condição necessária para seu processamento.

A inexistência de previsão dos embargos de declaração, na situação acima descrita, caracteriza nítida violação aos direitos fundamentais de petição, contraditório e ampla defesa. Desse modo, entendemos urgente a necessidade de previsão legal para o referido recurso pela legislação reguladora do processo administrativo paulista, a fim de adequá-la ao Código de Processo Civil de 2015 e garantir os direitos constitucionais do administrado. Com isso, ficaria eliminada a utilização da figura do "complemento de julgado" como "solução" para o atingimento dos objetivos visados pelos embargos de declaração.

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Art. 33. O processo administrativo tributário regulado por esta lei tem por origem a apresentação de defesa, em face de auto de infração lavrado por Agente Fiscal de Rendas.

2 A nomenclatura do cargo de Agente Fiscal de Rendas foi alterada para Auditor Fiscal da Receita Estadual, conforme modificação introduzida pela LC 1.361/21. Contudo, não houve alteração das atribuições, direitos e deveres dos servidores públicos que exercem referido cargo.

3 AIIMs 4083306-9, 4020328-1, 4002465-9, 4082559-0, 4064304-9, 4075863-1, 4018499-7, 4075181-8 e 4082238-2.

4 AIIMs 4076669-0, 4112343-8, 4078362-5, 4084900-4, 4008502-8 e 4127224-9.

5 PL 367/20. Disponível em: . Acesso em 22/5/23.

Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

Ademar Fogaça Pereira

Ademar Fogaça Pereira

Sócio fundador do Fogaça Murphy Advogados, é advogado com larga experiência nas áreas tributária e empresarial.

Henrico Queçada

Henrico Queçada

Advogado com experiência em Direito Tributário e Direito Societário. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET/SP).

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