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O Marco Legal dos Games e os impactos para consumidores e indústria

Essa análise e endereçamento de previsões relacionadas ao direito do consumidor não apenas daria completude ao texto, mas também garantiria maior proteção aos consumidores e segurança jurídica aos fornecedores da indústria.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Atualizado em 21 de setembro de 2023 10:36

Está em discussão no Senado Federal o Marco Legal dos Games, como ficou conhecido o PL 2796/21 ("PL" ou "Projeto"), que visa regulamentar a fabricação, a importação, a comercialização, o desenvolvimento dos jogos eletrônicos e a prestação dos serviços de entretenimento vinculados aos jogos de fantasia no Brasil. Esse é um tema muito relevante aos jogadores brasileiros, já que o Brasil é um país que possui um altíssimo número de consumidores de videogames. De acordo com a pesquisa Game Brasil (PGB) - desenvolvida pelo Sioux Group e Go Gamers em parceria com Blend New Research e ESPM - três em cada quatro brasileiros consomem jogos eletrônicos.

O PL apresenta duas espécies distintas de jogos. De um lado, há os chamados "jogos eletrônicos", que abrangem tanto os jogos para dispositivos móveis e computadores, independentemente de serem executados por meio de programas ou em páginas da web, quanto todos os consoles de videogame. Do outro lado, o projeto regulamenta os chamados "jogos de fantasia", que englobam as competições esportivas amplamente conhecidas como e-Sports, expressamente excluindo do escopo da lei as máquinas caça-níqueis e jogos de azar semelhantes. Porém, o texto não elimina completamente a possibilidade de haver prêmios em dinheiro, e não há menção específica aos aplicativos de apostas esportivas.

O objetivo principal do projeto é conceder incentivos fiscais para a indústria. Isso porque o investimento e a produção de jogos virtuais passariam a ser oficialmente reconhecidos como "atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica", o que tem como consequência a inclusão dos jogos nas disposições da Lei de Informática (Lei Federal 8.248/91) e da Lei do Bem (Lei Federal 11.196/05). Dessa maneira, os jogos obteriam diversos benefícios como a redução de impostos (por exemplo, o IPI, ICMS e Imposto de Renda), além de menores taxas de importação e aquisição de insumos.

Por último, o PL atribui ao Estado a responsabilidade de apoiar a capacitação de recursos humanos para a indústria de jogos, incluindo a criação de cursos técnicos e de nível superior focados na programação de videogames, incentivos para que jovens se formem nesse setor e a dispensa do requisito de diploma para programadores que atuam neste setor.

Porém, o PL também tem recebido fortes críticas. No mês passado, o Senado adiou a votação do PL, retirando a discussão de pauta no início da sessão. Durante a sessão, diversos senadores se mostraram contrários à proposta, que apontaram como principal razão para a retirada da análise de pauta a inclusão dos chamados "fantasy games" na proposta, consistindo naqueles disputados em ambiente virtual a partir do desempenho de atletas em eventos esportivos reais, de modo que o projeto abarque - e consequentemente regule - todos os tipos de jogos eletrônicos.

Nessa toada, foram apresentados oitos requerimentos diferentes para que o PL seja melhor analisado e também passe pelo crivo das Comissões de Educação e Cultura, do Esporte, de Assuntos Sociais, de Comunicação e Direito Digital e de Direitos Humanos e Legislação Participativa.

Além disso, entidades representativas do setor também já oficializaram publicamente seu repúdio ao Projeto. Em junho de 2023, a Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Games ("ABRAGAMES"), por exemplo, publicou uma nota oficial criticando a versão atual do Marco Legal dos Games, indicando, em resumo, que o PL "não considera o setor de games como um todo", não sendo efetivo em nível nacional, além de gerar "uma série de inseguranças para profissionais, empreendedores, empresas do segmento e investidores".

Não só isso, mas a ABRAGAMES indicou fortes críticas ao fato de não ter havido qualquer consulta aos membros da associação ou de outros representantes do setor quando da elaboração inicial do texto do projeto. Dessa maneira, a associação entende que existe um grande risco de que conceitos mais genéricos (como por exemplo dos "jogos de fantasia") abram margem para interpretações errôneas, com a potencial exclusão de uma grande quantidade de títulos e gêneros, prejudicando o que a ABRAGAMES considera como 95% do setor.

A associação propôs ainda a realização de melhorias na redação do PL e o acréscimo de outros elementos à regulamentação, como "diminuição das burocracias para importação de materiais, maior assistência regional e federal aos estúdios, e ações concretas" para o desenvolvimento da indústria nacional.

O mercado brasileiro é enorme. Por isso, sob a perspectiva de direito do consumidor, é preciso que o texto que tem um objetivo tão amplo e importante, qual seja, regulamentar a indústria dos videogames no Brasil, também contenha previsões que enderecem as preocupações consumeristas.

Ainda existem diversos temas que não possuem previsão legislativa e que, muitas vezes, são endereçados apenas pela jurisprudência, o que pode causar certa insegurança jurídica. Como exemplo, é possível citar as implicações da aplicação do direito de arrependimento para compras digitais (previsto pelo artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor1 - "CDC") na compra do jogo em si ou itens dentro deles. Ou ainda, os limites da responsabilidade dos fornecedores em cenários de banimentos de contas de usuários e possíveis ressarcimentos aos investimentos feitos pelos consumidores (e-cash) com itens colecionáveis dos jogos. As loot-boxes voltadas para crianças e adolescentes (caixas de recompensa que oferecem itens no jogo gratuitamente ou mediante compra) também são um tema bem sensível aqui no Brasil e outras jurisdições. Tais temas poderiam ser incluídos no Projeto de Lei.

Essa análise e endereçamento de previsões relacionadas ao direito do consumidor não apenas daria completude ao texto, mas também garantiria maior proteção aos consumidores e segurança jurídica aos fornecedores da indústria.

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1 Lei Federal 8.078/1990.

Beatriz Guthmann Spalding

Beatriz Guthmann Spalding

Advogada da prática de Direito do Consumidor do Trench Rossi Watanabe.

Alexandre Salomão Jabra

Alexandre Salomão Jabra

Associado da área de Meio Ambiente, Consumidor e Sustentabilidade do escritório Trench Rossi Watanabe.

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