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A aparente anomia de normas frente ao poder econômico das empresas transnacionais

Os Direitos fundamentais serão respeitados e a ordem social restabelecida, mesmo na aparente anomia. Respeitando os direitos fundamentais a tutela dos direitos humanos e da função social do Estado serão preservados.

sábado, 4 de novembro de 2023

Atualizado em 3 de novembro de 2023 13:35

Introdução

Na atual sociedade globalizada e internetizada a velocidade das informações que resulta em ações positivas para sociedade pode, também, resultar em novos desafios e insegurança para os seus atores.

Os desafios podem ser observados nas relações diárias praticadas pelos cidadão como uma simples compra realizada no ambiente virtual, como pode ser observada numa escala muito mais ampla que envolve toda uma cadeia de produção das empresas transnacionais (esse será o tema principal deste artigo).

No dia a dia, onde as pessoas precisam disponibilizar seus dados para serem inseridas na nova realidade e por ela transitarem livremente, há de se considerar os riscos dessa exposição, tal como: a utilização abusiva desses dados pelas plataformas para tentativa de conversão de vendas de produtos, sendo este o objeto primário, pelo menos numa leitura desatualizada e sem o enfoque do Pacto Global, das empresas transnacionais.

Considerando que a citada exposição de dados pode não trazer segurança plena aos usuários de plataformas colocando a sua personalidade em risco (intimidade) e, de forma reflexa, seus direitos fundamentais, há a necessidade, segundo o autor Danilo Doneda de criar mecanismos de proteção.

Entender que as informações pessoais, quando publicadas, devem ser menos expostas quanto maior for a importância dos termos expostos (relação de proporcionalidade) pode ser um dos mecanismos.

No Direito, há conflito para a manutenção da equação (maior publicidade para informações que menos exponham seus titulares) frente a necessidade de acesso aos dados armazenados por órgãos públicos. Isso ocorre porque outros Direitos passam a se colidir com o da personalidade, cabendo ao operador do Direito temperar a sua decisão.

No judiciário, esse conflito também pode ser observado.

Como muito bem exposto por André Ramos de Tavares na sua obra O Juiz Digital1, de um lado, a implantação de sistemas de computadores, internet e inteligência artificial foram bem recebidos pelos usuários que de imediato perceberam que o processamento de informações e a agilidade na publicidade dos atos mudariam, para melhor, o dia a dia forense. Quem não se lembra do período que os advogados se deslocavam diariamente até o Fórum para conferir os andamentos processuais?

Ao mesmo tempo, novos problemas derivaram do rápido avanço tecnológico. Um atual exemplo é a validade das audiências de tentativa de conciliação realizadas de forma virtual em ações de competência da lei 9.099/95, que tem como base o Princípio da Pessoalidade (artigo 9° da lei Especial e artigo 20 do FONAGE).

Tanto nas situações positivas quanto nas negativas, deverá existir a resposta Estatal para definição de corretos padrões e reflexa manutenção da segurança social.

Ocorre que com o avanço da sociedade, há a necessidade do Estado mudar a sua atuação. A plasticidade é normal para uma ciência social que só existe em função desta e necessária para a garantia da ordem.

A norma positivada visa manter a ordem social através de comandos diretos. A máxima romana dura lex, sed lex reflete esta afirmação.

Porém, a nova formação social embasada na velocidade da informação, nem sempre verídica, resulta em três consequências que antes não eram experimentadas. Quais sejam: Conflitos sociais não previamente tutelados pelo Estado, imposição de regras pelas empresas transnacionais lastreados na sua força econômica e a consequente anomia das normas.

Byung-Chul Han2 defende sobre esse avanço social e os novos mecanismos de aplicação da norma, sendo que o século passado foi uma época imunológica na qual se estabeleceu uma divisão muito evidente entre o próprio e o estranho, entre o certo e o errado. Desta forma, a ação imunológica definida por ataque e defesa era analisada pelo Estado Justiça com base em normas previamente definidas e prontas para entregarem a resposta Estatal de resolução do conflito e restabelecimento da ordem social.

Para o autor, a sociedade do século XXI, é castigada pelo adoecimento neural causado pelo excesso de positividade e não mais estranheza.

A violência do igual embasada no excesso de informação, de comunicação e de produção gera enormes conflitos sociais (esgotamento), mesmo porque o ataque vindo de iguais é de difícil combate, ou nas palavras do autor: O igual não leva a formação de anticorpos.

O resultado é uma sociedade doente e repleta de novos problemas que o Estado não está preparado para enfrentar por ausência de normas. Ao mesmo tempo a Constituição Federal tem como objetivo fundamental3 uma sociedade livre e justa que tem a garantia de receber do Estado a proteção dos seus direitos em casos de ilegalidade4.

Há de se lembrar, também, que a Constituição Federal obriga os aplicadores do direito a respeitarem a produção normativa internacional. O artigo 4°, incisos I e II, ditam expressamente que a República Federativa do Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, pelos, mas não somente Princípios da Soberania e Prevalência dos Direitos Humanos.

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1 O Juiz Digital: da atuação em rede à Justiça algorítmica / André Ramos Tavares. - São Paulo: Expressa, 2022.

2 Sociedade do cansaço / Byung-Chul Han; tradução de Enio Paulo Giachini. 2° edição ampliada - Petrópolis, RJ: Vozes, 2017, p. 8-9

3 Constituição Federal artigo 3°, I.

4 Constituição Federal artigo 5°, XXXIV, a.

David Gomes

VIP David Gomes

Advogado mestrado pela Fadisp e especialista em Direito Imobiliário pela EPD. Consultor de diversos condomínios, construtoras e loteadoras. Desenvolvedor do @gomesdavidp e de diversos cursos

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