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Dedutibilidade de multas fiscais da base de cálculo da CSLL e a ilegalidade do entendimento fiscal

Gabriela Braga Munhoz e Ricardo Marty Claro de Oliveira

A Receita Federal interpreta que a impossibilidade de dedução de despesas no IRPJ se estende à CSLL, incluindo multas fiscais, mas a jurisprudência ainda debate essa questão, já que as regras de adições e deduções são específicas para cada imposto, conforme diferentes legislações tributárias.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Atualizado às 07:59

Muito embora o art. 41, §5º, da lei 8.981/95 vede a dedução de determinadas despesas apenas da base de cálculo do IRPJ, a Receita Federal tem entendido que (1) tal premissa se aplica também à CSLL e que, por consequência, (2) o contribuinte está impossibilitado de deduzir da base de cálculo da CSLL as despesas relativas a multas fiscais (art. 132 da IN RFB 1.700/17). Mas, afinal, esse entendimento está correto? Como vem se posicionando a jurisprudência sobre essa matéria?

Ainda que tanto o IRPJ como a CSLL estejam ligados ao acréscimo patrimonial (lucro) recebido pelos contribuintes em determinado período, as adições e deduções previstas em lei são específicas para cada tributo, tornando-as essenciais para a sua diferenciação.

Em relação ao IRPJ, o art. 41 da lei 8.891/95 vedou o direito à dedução de determinadas despesas, dentre as quais se destacam as multas por infrações legais. Para a CSLL, essa vedação não está prevista no rol de sua legislação específica (art. 13 da lei 9.249/95).

Mesmo diante da ausência de previsão legal, a Receita Federal tem legitimado essa vedação com fundamento no art. 57 da lei 8.981/95 e no art. 132 da IN RFB 1.700/17.

Ao que parece, esse entendimento deve ser refutado, em especial, por dois motivos.

Primeiro porque o texto do art. 57 da lei 8.981/95 não leva à conclusão de que é vedada a dedução de multas originárias de infrações fiscais da base de cálculo da CSLL.

Ao estabelecer que "aplicam-se à Contribuição Social sobre o Lucro as mesmas normas de apuração e de pagamento estabelecidas para o imposto de renda das pessoas jurídicas, [...] mantidas a base de cálculo e as alíquotas previstas na legislação em vigor", o próprio artigo protege a manutenção da base de cálculo da CSLL, que difere da base do IRPJ justamente pelas diferentes deduções que ambos os tributos possuem.

Isso significa dizer que as vedações de dedutibilidade previstas para o IRPJ não podem ser aplicadas de forma reflexa à CSLL. Nesse sentido já se manifestou a Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF (Acórdão nº 9101-004.640, j. 15/1/20).

Segundo porque, em razão da ausência de previsão legal que vede a dedução das multas por infrações fiscais da base de cálculo da CSLL, a IN RFB 1.700/17, ao assim fazer, violou o Princípio da Legalidade.

Neste ponto, cabe comentar que a aplicação do Princípio da Legalidade, aos olhos da União, é costumeiramente contraditória: enquanto em algumas situações a União defende uma máxima de que "se está previsto em lei, deve ser cobrado"1, em outras (tais como a presente), permite-se uma relativização desse princípio ao concluir que a vedação deve ser aplicada mesmo que não esteja prevista em lei.

Quanto às decisões sobre o tema, cabe mencionar que a jurisprudência é escassa e os julgados existentes ora oscilam entre conclusões favoráveis aos contribuintes; ora entre conclusões favoráveis ao Fisco.

Na esfera administrativa, além daquele já citado, há outros julgados cujas conclusões também são favoráveis aos fundamentos aqui destacados2, no sentido de que as vedações impostas ao IRPJ não se aplicam de forma reflexa e automática à CSLL.

Todavia, o CARF, inclusive sua CSRF, já refutaram tais conclusões ao pontuar que a "necessidade, usualidade e normalidade são conceitos que devem ser observados no registro contábil de despesas, evidenciando-se correta a interpretação de que multas por infrações são indedutíveis, também, na apuração da base de cálculo da CSLL" (CSRF, Acórdão nº 9101-003.002, j. 8/8/17).3

Partindo da mesma premissa, ao analisar a dedutibilidade de multa por descumprimento contratual da base de cálculo da CSLL, o TRF-2 entendeu que seria incabível considerá-la como despesa operacional "por não atender aos pressupostos legais da necessidade, normalidade e usualidade ao desenvolvimento das atividades da empresa" (023287-71.2010.4.02.5101, j. 16/08/19).

Esse entendimento pode ser questionado uma vez que, em razão da dificuldade de interpretação do sistema tributário brasileiro, são extremamente comuns os casos em que o contribuinte acaba por cometer erros na apuração da correta base de cálculo, na aplicação da alíquota do tributo, ou até mesmo no preenchimento das diversas obrigações acessórias exigidas, o que por diversas vezes acarreta a aplicação de multas fiscais.

Ainda na esfera judicial, vale destacar a sentença proferida pela 13ª Vara Federal de São Paulo em maio de 2022, que concedeu a segurança pleiteada no Mandado de Segurança nº 5026940-27.2020.4.03.6100 para reconhecer o direito à dedução dos valores pagos a título de multas fiscais da base de cálculo da CSLL.

Tal entendimento ainda não transitou em julgado (em virtude da pendência de julgamento do Recurso de Apelação interposto pela União), mas a decisão representa um importante precedente judicial para a discussão sobre a matéria.

Assim, considerando que (1) existem relevantes argumentos para justificar a dedutibilidade das multas fiscais da base de cálculo da CSLL, bem como que (2) não se tem um posicionamento consolidado da jurisprudência administrativa e judicial sobre o tema, há a possibilidade de os contribuintes obterem resultados favoráveis em discussões sobre essa matéria em ambas as esferas (administrativa e judicial).

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1 Cita-se aqui como exemplo o Tema 756/STF. Neste caso, os contribuintes tentavam reconhecer o seu direito de apropriar créditos de PIS/COFINS sobre quaisquer despesas e custos incorridos em suas atividades, mas a União defendeu assiduamente que, em razão do princípio da legalidade, todas as restrições ao direto de crédito previstas no art. 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 deveriam ser observadas.

2 CARF, 1ª Seção, 1ª Câmara, 2ª Turma, Acórdão nº 1102-001.223, Sessão de 21/10/14.

3 No mesmo sentido: CSRF, 1ª Turma, Acórdão nº 9101-004.428, Sessão de 8/10/19 e CARF, 1ª Seção, 4ª Câmara, 2ª Turma, Acórdão nº 1402-006.300, Sessão de 14/12/22.

Gabriela Braga Munhoz

Gabriela Braga Munhoz

Advogada do escritório Gaia Silva Gaede Advogados.

Ricardo Marty Claro de Oliveira

Ricardo Marty Claro de Oliveira

Advogado do escritório Gaia Silva Gaede Advogados. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

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