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Segurança jurídica e prescrição: como o TCU tem aplicado a resolução 344/22?

A Resolução 344/22 do TCU estabeleceu diretrizes sobre prescrição para pretensões punitivas e de ressarcimento, contrastando com entendimentos anteriores que consideravam imprescritíveis as medidas de ressarcimento e aplicavam prescrição decenal para suas sanções.

sábado, 23 de dezembro de 2023

Atualizado em 22 de dezembro de 2023 14:38

"No Brasil, até o passado é incerto"1. A frase define bem as angústias tanto da iniciativa privada quanto dos gestores públicos em relação à análise da regularidade de contratos e contas públicas sob a ótica do controle externo exercido pelo TCU.

Em outubro de 2022, o TCU editou a Resolução 344/22, que regulamenta, no âmbito daquela Corte, a prescrição para o exercício das pretensões punitiva e de ressarcimento. Antes disso, porém, era possível observar que o entendimento da Corte de Contas se orientava no sentido de considerar imprescritíveis as medidas de ressarcimento, bem como de aplicar a prescrição decenal para as sanções por ela aplicadas.

A edição do referido normativo veio após o fim do cabo de guerra com os entendimentos proferidos pelo STF, com destaque para os julgamentos do Recurso Extraordinário 636.886 (tema 899 da Repercussão Geral) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5509, nos quais se assentou a prescritibilidade das pretensões acima mencionadas no prazo de 5 anos.

Assim, é possível observar uma evolução da jurisprudência da Corte de Contas em prol da segurança jurídica, especialmente sob a ótica da prescrição. Nessa linha, o entendimento mais atual do TCU desconsidera despachos de mero encaminhamento como marcos interruptivos ou suspensivos da prescrição e, recentemente, a Corte definiu que tais atos tampouco poderiam ser considerados como marcos iniciais para contagem da prescrição intercorrente. Nesse sentido, o Acórdão 10041/2023-TCU-2ª Câmara:

Nos termos do art. 5º, § 3º, da Resolução TCU 344/22, que regula a prescrição nos processos de controle externo, os atos de instrução processual de mero seguimento do curso das apurações, natureza que se enquadra o despacho referido, não têm o condão de interromper a prescrição, nem pode, por conclusão, ser utilizado como marco inicial da apuração da prescrição intercorrente, nos termos do Acórdão 534/23-TCU-Plenário. (destaques acrescidos)

Segundo esse entendimento, os marcos temporais final e inicial dos prazos das prescrições quinquenal e intercorrente, respectivamente, não poderiam ser coincidentes, sob pena de se tornar ineficaz a primeira modalidade. Assim, por considerar que a prescrição intercorrente é um fenômeno endoprocessual, o Tribunal, no âmbito do Acórdão 543/23-PL, reputou por bem considerar o termo inicial de sua contagem como sendo a data do primeiro ato inequívoco de apuração dos fatos.

Isso, no entanto, parte de interpretação extensiva do art. 1º, § 1º, da lei 9.873/99, que não indica expressamente qual o marco inicial para a contagem do prazo da prescrição intercorrente, mas pressupõe o início da marcha processual de apuração do feito como o momento que deflagra a contabilização do prazo, e não um ato específico, como vem aplicando o TCU.

Igualmente, verifica-se que a Resolução 344/22 não estabelece em seu art. 4º como marco temporal inicial do prazo da prescrição quinquenal o ato de apuração do fato. Ao revés, prevê, em seu inciso IV, a "data do conhecimento da irregularidade ou do dano". Portanto, o entendimento proferido pela 2ª Câmara está em desacordo com a sua própria normativa, de maneira a ensejar flagrante ineficácia em sua aplicação.

Veja-se: não há como se permitir que, instaurado um processo administrativo de apuração, este permaneça paralisado por mais de três anos (e menos de cinco) enquanto pendente um "ato inequívoco de apuração dos fatos" para contagem da prescrição intercorrente. De fato, a prescrição quinquenal não pode ser invalidada pela intercorrente, mas o inverso também não pode ser admitido.

Assim, resta saber se a Resolução 344/22 deverá ser modificada para atender ao que tem sido, de fato, aplicado pela Corte de Contas, ou se o Plenário revisitará o entendimento que está sendo construído, de modo a não gerar antinomias num cenário que, inegavelmente, precisa de segurança jurídica.

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1 Frase atribuída ao ex-ministro da Fazenda: Pedro Sampaio Malan.

Augusto Rolim da Silva Neto

Augusto Rolim da Silva Neto

Sócio do Dutra e Associados Advocacia e possuem atuação especializada em processos sancionadores e na atuação perante Tribunais de Contas.

Isadora França Neves

Isadora França Neves

Sócia do Dutra e Associados Advocacia e possuem atuação especializada em processos sancionadores e na atuação perante Tribunais de Contas.

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