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Descontinuação dos contratos de ouro à vista na b3: contexto regulatório e impactos em relação às promoções comerciais

Em razão de todas as mudanças, é importante monitorar o desenvolvimento do arcabouço regulatório relacionado à negociação de ouro, uma vez que o tema está recebendo atenção no âmbito nacional e internacional, especialmente com a difusão da agenda ESG.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Atualizado em 23 de fevereiro de 2024 08:26

No dia 16 de fevereiro, a negociação dos Contratos de Ouro à Vista será encerrada nos ambientes gerenciados pela B3 S.A. - Brasil, Bolsa, Balcão. A descontinuação, anunciada em outubro de 2023 por meio do Ofício Circular 169/2023-PRE, foi atribuída à evolução do mercado de capitais brasileiro, que dispõe de produtos vinculados ao ouro mais adequados aos investidores, como os ETFs(Exchange-Traded Fund) e BDRs (Brazilian Depositary Receipt) de ETF.

De fato, os dados históricos das cotações do lote padrão (250g) dos Contratos de Ouro à Vista (OZ1D)evidenciaram uma demanda recorde em 2020, decorrente da pandemia do Covid-19, que levou investidores a buscarem segurança na reserva de valor oferecida pelo ouro, a qual, contudo, foi seguida por uma queda notável, que coincidiu com o lançamento dos primeiros fundos de índice vinculados ao ouro no Brasil, alguns dos quais, por sua vez, apresentam tendências de crescimento consistente, o que evidencia a menor atratividade dos Contratos de Ouro à Vista para os investidores. 

A decisão de descontinuar a negociação desse produto segue a tendência de desmaterialização dos investimentos no mercado de capitais brasileiro. Isso significa que a B3 está mudando sua abordagem, reduzindo o seu portfólio de "bolsa de mercadorias",em que são negociadas commodities, e expandindo a sua atuação como "bolsa de valores", focando emtítulos e valores mobiliários. 

Além disso, a negociação de ouro é um tema regulatório de relevância internacional, que já vinharecebendo atenção do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF) há alguns anos e, mais recentemente, também passou a receber maior atenção do Banco Central do Brasil (BCB).  

Isso porque, o comércio de ouro, desde sua extração, pode seguir diferentes ramificações o que, a depender do cenário, pode trazer certasobrigações e responsabilidade àqueles que o realizam. Tratando-se de garimpo, o caminho adequado do metal destinado à negociação como ativo financeiro tem início em sua extração por garimpeiros ou cooperativas de garimpo, com a posterior venda junto a um posto de compra de ouro (PCO), que é uma dependência de uma instituição financeira que adquire o ouro bruto e posteriormente realiza a venda do ouro como ativo financeiro. 

Ocorre que, de acordo com a Lei 12.844/13, há uma presunção da legalidade da origem e da boa-fé da instituição adquirente do ouro, contudo, esta disposição teve sua eficácia suspensa por decisão liminar proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade que a questiona, a qual determinou que o Poder Executivo editasse os atos normativos necessários para combater a compra de ouro extraído ilegalmente, em especial de terras indígenas e áreas destinadas à proteção ambiental.  

Nesse contexto, para cumprimento de tal decisão e em linha com as diretrizes regulatórias de governança vigentes, especialmente em responsabilidade social, ambiental e climática, o BCB editou a Instrução Normativa 406/23, que determina expressamente o fim da presunção de legalidade do ouro adquirido e da presunção de boa-fé da pessoa jurídica adquirente. A norma resultouda colaboração entre as áreas de regulação e supervisão do BCB, buscando mitigar odesmatamento associado à mineração ilegal, como declarado pela autoridade na última edição de seu Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos.

Assim, a negociação do ouro ativo financeiro passou a representar um ônus e responsabilidades adicionais às partes envolvidas na negociação desse produto, o que, por si só, leva a uma reavaliação sobre o interesse comercial nesse tipo de operação.

Destaca-se, como consequência do encerramento da negociação de Contratos de Ouro à Vista nos ambientes da B3, a considerável repercussão de seu anúncio no mercado de promoções comerciais. Isso porque tais instrumentos são frequentemente utilizados como forma de premiação, conformeautorização prevista no decreto 70.951/72, contornando a vedação à entrega de prêmios em dinheiro.

Muitas vezes os regulamentos das promoções comerciais indicam que a premiação será entregue por meio de "certificados de ouro" ou "certificados de barras de ouro", o que pode designar tanto os Contratos de Ouro à Vista cuja negociação será encerrada quanto o ouro ativo financeiro negociado diretamente junto a instituições financeiras autorizadas para tanto.

Com efeito, as empresas habituadas a utilizar Contratos de Ouro à Vista como forma de premiação em Promoções Comerciais não poderão mais se valer destes instrumentos negociados na B3. Vale destacar, contudo, que segue sendo possível efetuar a compra de ouro ativo financeiro diretamente junto a instituições financeiras que atuam no segmento, como alguns bancos, corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários.

Em razão de todas as mudanças, é importante monitorar o desenvolvimento do arcabouço regulatório relacionado à negociação de ouro, uma vez que o tema está recebendo atenção no âmbito nacional e internacional, especialmente com a difusão da agenda ESG, devendo, ainda, haver o acompanhamento dos reflexos que essas mudanças trarão ao cenário de promoções comerciais no Brasil. 

João Henrique Batista Pereira Leite

João Henrique Batista Pereira Leite

Advogado da área de Bancário, Meios de Pagamento e Fintechs do FAS Advogados in cooperation with CMS.

Karine Evangelista Araujo Oliveira

Karine Evangelista Araujo Oliveira

Sócia da área de Bancário, Meios de Pagamento e Fintechs do FAS Advogados in cooperation with CMS.

Marcelo Vaz

Marcelo Vaz

Advogado da área de Bancário, Meios de Pagamento e Fintechs do FAS Advogados in cooperation with CMS.

Maria Fernanda Ramirez Assad

Maria Fernanda Ramirez Assad

Sócia da área de Promoções Comerciais do FAS Advogados in cooperation with CMS.

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