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O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de reparação de danos por ato ilícito praticado por tabeliães e oficiais de registro

Cartórios extrajudiciais responsáveis pelos serviços notariais têm seus tabeliães e oficiais de registro sujeitos à responsabilidade civil, subjetiva e objetiva, pela má prestação. A mudança legal em 2016 tornou a responsabilidade subjetiva, imputando danos aos profissionais e ao Estado.

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Atualizado em 16 de fevereiro de 2024 14:38

1. Introdução

Conforme já se escreveu no artigo intitulado "A responsabilidade civil dos notários e oficiais de registro"1, os cartórios extrajudiciais não possuem personalidade jurídica própria, razão pela qual a responsabilidade civil decorrente da má prestação dos serviços cartorários é imputada, subjetivamente, aos tabeliães e oficiais de registros, titulares dos cartórios e, objetivamente, ao Estado, nos termos do entendimento consolidado do STF (tema 777).

Assim, os tabeliães e oficiais de registros, a quem foram conferidos os poderes e possuem?os conhecimentos técnicos para análises e registros notariais, respondem pelos?danos que, nesta qualidade, causarem a terceiros. Essa responsabilidade possui assento tanto legal (art. 22 da lei 8.935/94) quanto constitucional (arts. 37, § 6º e 236). 

Foi evidenciado também no trabalho mencionado que antes da modificação do artigo 22 da lei 8.935/94 pela lei 13.286/16, a responsabilidade dos notários e oficiais de registros era objetiva, tornando-se subjetiva apenas após a publicação da mencionada lei. 

Na oportunidade, foi levantado o questionamento sobre a possibilidade de se reconhecer a responsabilidade civil objetiva por atos ocorridos antes da alteração do dispositivo legal em comento, citando-se como exemplo uma sentença anulatória de registro imobiliário transitada em julgado no ano de 2024, em que se reconheceu a invalidade de uma procuração outorgada por um proprietário de um imóvel no ano de 2015 e, portanto, antes da publicação da lei 13.286/16. 

Não obstante, a questão sobre o prazo prescricional não foi objeto de debate naquele momento, sendo este propósito do presente artigo, o qual irá analisar, à luz do posicionamento dos Tribunais pátrios, o termo inicial da contagem do prazo prescricional para se postular a reparação de danos por atos ilícitos praticados por tabeliães e oficiais de registro.  

2. O termo inicial do prazo prescricional 

Conforme estabelecido no artigo 206, §3°, inciso V, do Código Civil, o prazo prescricional para a busca de reparação civil é de três anos. Ainda, nos termos previstos pelo artigo 189 do Código Civil, o ponto de partida para a contagem dos prazos, especialmente no que se refere à prescrição, é a ocorrência da violação do direito. Quando esse direito é violado, surge para o titular a pretensão correspondente.

Dessa forma, no âmbito da responsabilidade contratual, a violação do direito (que marca o início da prescrição) ocorre no momento do vencimento da obrigação. A partir desse momento, se houver inadimplemento, o prazo de prescrição começa a correr. Já na responsabilidade extracontratual, a violação do direito se dá com o evento danoso, marcando o surgimento da pretensão condenatória2.

No entanto, é importante destacar que, em várias situações, a concretização dos princípios derivados da boa-fé tem indicado que a data precisa da violação do direito não pode necessariamente ser considerada como o início do prazo prescricional, caso o titular da pretensão não tenha conhecimento total do fato ou de suas consequências jurídicas3.

É o que se chama de princípio da actio nata, que estabelece que a pretensão do titular não surge até que ele tenha plena ciência das consequências prejudiciais da violação do direito. Um exemplo disso é a Súmula 278 do STJ, que determina que "o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral".

Nesse mesmo contexto, é relevante mencionar a súmula 443 do STF, que estabelece que "a prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta". Significa dizer que, quando um direito está em disputa ou há incerteza sobre sua aplicabilidade, o prazo prescricional não é contado até que haja uma negativa explícita por parte daquele que deveria reconhecê-lo4.

Ainda, nos termos destacado pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, "o instituto da prescrição é regido pelo princípio da actio nata, ou seja, o curso do prazo prescricional tem início com a efetiva lesão ou ameaça do direito tutelado, momento em que nasce a pretensão a ser deduzida em juízo" (AgRg no REsp 1148236/RN, julgado em 7/4/11). 

Especificamente, sobre a responsabilidade civil do Estado, considere-se o seguinte julgamento do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. MOMENTODA CONSTATAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS LESIVAS DECORRENTES DO EVENTODANOSO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTALNÃO PROVIDO. 1. Na hipótese dos autos, o recorrente sustenta a prescrição desta ação ao asseverar que o prazo prescricional deve ser contado a partir do momento do evento danoso, independentemente da ciência dos efeitos das lesões. 2. Segundo a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, o termo inicial do prazo prescricional das ações indenizatórias, em observância ao princípio da actio nata, é a data em que a lesão e os seus efeitos são constatados. Incidente, portanto, o óbice da Súmula 83/STJ. 3. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1248981 RN 2011/0089580-3, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 6/9/12, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/9/12.

De forma similar, o precedente do E. TJ/DF e Territórios indica que o termo inicial do prazo prescricional de 3 (três) anos da pretensão de reparação civil é a data em que a parte tem pleno conhecimento da fraude perpetrada pelo réu: 

DIREITO CIVIL. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CESSÃODE DIREITOS SOBRE IMÓVEL. ANULAÇÃO DO NEGÓCIOJURÍDICO. DECADÊNCIA. PEDIDO SUBSIDIÁRIO. REPARAÇÃO CIVIL. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. FRAUDE. COMPROVADA. DANOS MATERIAIS. INDENIZAÇÃO. I - É de quatro anos o prazo para a parte prejudicada pleitear a anulação do negócio jurídico, contado, no caso de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico (art. 178, II, do Código Civil). II - O termo inicial do prazo prescricional de três anos da pretensão de reparação civil, previsto no art. 206, §3°, V, do Código Civil, é a data em que a autora tem pleno conhecimento da suposta fraude perpetrada pelo réu e da lesão que sofreu, em observância à teoria da actio nata. III - Comprovada a fraude perpetrada pelo réu na celebração de cessão de direitos sobre imóvel, cabível a sua condenação a reparar os danos materiais sofridos pela autora/cedente no valor referente ao contrato. IV - Negou-se provimento aos recursos. (Acórdão n.996328, 20140710347486APC, Relator: JOSÉ DIVINO 6a TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 15/2/17, publicado no DJE: 21/2/17. Pág.: 846/895) 

Assim, na hipótese suscitada no presente artigo, qual seja, uma sentença anulatória de registro imobiliário transitada em julgado no ano de 2024, em que se reconheceu a invalidade de uma procuração outorgada por um proprietário de um imóvel no ano de 2015, a pretensão ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pela vítima do suposto ato ilícito praticado por tabelião ou oficial de registro teve início somente em 2024, com o trânsito em julgado da sentença declaratória de nulidade.

Confira-se precedente do STJ sobre o início do prazo prescricional dos casos que envolvem falhas nas prestações de serviços notariais: 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DE TABELIÃES E REGISTRADORES. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ULTIMADA COM BASE EM PROCURAÇÃO PÚBLICA CONTENDO ASSINATURA FALSA. EFICÁCIA VINCULANTE DO RE 842.846/SC NÃO VERIFICADA NO CASO CONCRETO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA SUBMETIDA A PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. PRAZO QUE SE INICIOU COM O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE ANULOU O ATO NOTARIAL. FATOS OCORRIDOS ANTES DA LEI 13.286/16, QUE MODIFICOU O ART. 22 DA LEI 8.935/94. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A eficácia vinculante da tese fixada no julgamento do RE 842.846/SC, Relator o Ministro LUIZ FUX, não tem aplicação na hipótese dos autos. 1.1. Naquela oportunidade, o STF examinou, apenas, a responsabilidade civil do Estado por atos comissivos ou omissivos praticados pelos tabeliães e registradores oficiais, esclarecendo que ele responde de forma objetiva, assentado, no entanto, o dever de regresso, nos casos de dolo ou culpa. 1.2. Na hipótese dos autos, não se discute a responsabilidade do Estado, mas sim, a responsabilidade direta do próprio Tabelião em decorrência da má prestação do serviço delegado. 2. Além disso, referida discussão é travada à luz de dispositivos legais não examinados pelo STF no julgamento do mencionado RE 842.846/SC (art. 22 da lei 8.935/94 na redação que possuía antes do advento da lei 13.286/16). 1.3. Ação de indenização por danos materiais e morais por falha na prestação de serviço notarial está submetida a prazo prescricional de três anos que, no caso, somente começou a fluir após o trânsito em julgado da decisão judicial que certificou a nulidade da escritura pública e do respectivo registro. 2. A responsabilidade civil dos Tabeliães e Registradores por atos da serventia ocorridos sob a égide do art. 22 da lei 8.935/94, em sua redação original, é direta e objetiva, dispensando, portanto, demonstração de culpa ou dolo. 3. Apenas com o advento da lei  13.286/16 é que esses agentes públicos passaram a responder de forma subjetiva. 4. Recurso especial não provido. (RECURSO ESPECIAL 1849994 - DF (18/0229037-9), j. 23/3/23) 

Assim sendo, no presente caso, o início da contagem do prazo de prescrição para a busca de reparação de danos decorrentes de ato ilícito cometido por um tabelião ou oficial de registro será determinado pela data em que a sentença declaratória de nulidade se tornar definitiva, e não pela data em que o ato ilícito ocorreu.

3. Conclusão

Em conclusão, conforme discutido neste artigo, no que diz respeito ao prazo prescricional para a busca de reparação de danos decorrentes de atos ilícitos praticados por tabeliães e oficiais de registro, o início da contagem desse prazo não se dá necessariamente na data do evento danoso, mas sim na data em que a vítima tem pleno conhecimento da violação do seu direito e das consequências prejudiciais dessa violação, conforme o princípio da actio nata.

Portanto, o marco inicial para a contagem do prazo prescricional é determinado pela data do trânsito em julgado da sentença declaratória de nulidade, que reconhece a invalidade do ato praticado pelo tabelião ou oficial de registro, e não pela data em que o ato ilícito ocorreu. Esta interpretação está em consonância com entendimentos jurisprudenciais consolidados, que consideram a plena ciência da lesão como o ponto de partida para a contagem do prazo prescricional em casos dessa natureza.

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1 BARRETTI, Mayara. A responsabilidade civil dos notários e oficiais de registro. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/401543/a-responsabilidade-civil-dos-notarios-e-oficiais-de-registro. Acesso em 14 de fevereiro de 2024.

2 ASSIS NETO, Sebastião de. Manual de direito civil. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 517.

3 ASSIS NETO, Sebastião de. Manual de direito civil. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 517.

4 ASSIS NETO, Sebastião de. Manual de direito civil. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 517.

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ASSIS NETO, Sebastião de. Manual de direito civil. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. 

BARRETTI, Mayara. A responsabilidade civil dos notários e oficiais de registro. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/401543/a-responsabilidade-civil-dos-notarios-e-oficiais-de-registro. Acesso em 14 de fevereiro de 2024.

BRASIL. Constituição da República Federativo do Brasil de 1988. Brasília/DF, 1988.

BRASIL. Lei nº 8.935/1994. Brasília/DF, 1994.

BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Código Civil. Brasília/DF, 2002.

BRASIL. Lei nº 13.286/2016. Brasília/DF, 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 278.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 443.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Apelação nº 20140710347486. Relator: José Divino, 6ª Turma Cível. Data de julgamento: 15/02/2017.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 1248981/RN. Relator: Ministro Moura Campbell Marques. Data de julgamento: 06/09/2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1148236/RN. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Data de julgamento: 07/04/2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1849994/DF. Relator: Ministro Moura Ribeiro. Data de julgamento: 23/03/2023.

Mayara Bueno Barretti Rocha

Mayara Bueno Barretti Rocha

Advogada no escritório Barreto e Dolabella. Mestranda em Direito Privado, Tecnologia e Inovação pelo IDP. Pós-graduada em Direito Processual Civil pelo IDP. Pós-graduada em Direito Empresarial.

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