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O dilema das políticas agrícolas da UE

A agricultura na UE enfrenta o desafio de equilibrar sustentabilidade ambiental com viabilidade econômica, um impasse aumentado pela Política Agrícola Comum - PAC e pela crescente demanda por práticas agrícolas ecologicamente responsáveis.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Atualizado às 16:06

A agricultura na UE enfrenta atualmente um impasse, pautado pela necessidade de equilibrar sustentabilidade ambiental e viabilidade econômica. Este desafio é amplificado pela crescente demanda por práticas agrícolas que sejam tanto ecologicamente responsáveis quanto capazes de sustentar a economia agrária dos Estados-membros. 

O contexto se enraíza na Política Agrícola Comum - PAC da UE1, estabelecida em 1962, que surgiu com o propósito primordial de assegurar um fornecimento estável de alimentos a preços acessíveis para os cidadãos da UE, enquanto proporciona um padrão de vida justo para os agricultores. Ao longo das décadas, a PAC sofreu diversas reformas significativas, refletindo a adaptação às mudanças no ambiente econômico, social e ambiental. 

Inicialmente focada na produtividade e na auto-suficiência alimentar, desde os anos 90, a PAC começou a incorporar preocupações com o meio ambiente e o desenvolvimento rural, evidenciando uma abordagem mais abrangente da agricultura.

Nesse contexto, em meados de 2022 a Comissão Europeia adotou a Proposta de Regulamento 2021/21152, que estabelece a diminuição do uso de pesticidas dentro da UE. Todavia, é possível perceber que o estabelecimento de metas ambiciosas e benéficas para a saúde da população também carrega o ônus do encarecimento dos custos da produção agrícola. Isso, somado ao acordo de grãos que facilitam a importação de produtos ucranianos para dentro da UE, gerou uma crescente insatisfação dos agricultores europeus3.

Um ponto de tensão particular surgiu com a decisão da Alemanha de cortar subsídios para o diesel usado em máquinas agrícolas, uma medida que gerou protestos significativos em todo o país4. Da mesma forma, a pedido da França, a UE suspendeu as negociações de um acordo comercial com o Mercosul após protestos de agricultores, que temem que a entrada de produtos agrícolas sul-americanos a preços mais baixos possa desestabilizar o mercado interno europeu5. Por fim, na Itália, agricultores protestaram contra burocracias e importações baratas que ameaçam a subsistência local, destacando um descontentamento generalizado no setor agrícola em toda a Europa6.

Desse modo, a sensibilidade da economia a mudanças regulatórias, especialmente em um mercado tão integrado e diversificado como o da UE, não pode ser subestimada. Isso porque no contexto do mercado único da UE, onde as políticas são projetadas para garantir a livre circulação de bens, serviços, capital e pessoas, qualquer mudança regulatória tem o potencial de reconfigurar dinâmicas de mercado, influenciar preços, alterar a competitividade e afetar o equilíbrio entre a produção local e as importações.

Esta pressão sobre a União Europeia aumenta em um momento delicado, onde  a economia do bloco vem sofrendo desde o início da guerra na Ucrânia. Como um bom exemplo disso, a Alemanha, que é a maior economia do bloco, enfrenta o risco de recessão, uma situação que ressoa por toda a União, evidenciando a fragilidade econômica em um período de incerteza globa7.

Diante disso, em Em 6 de fevereiro, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, fez um anúncio significativo, revelando a decisão de cancelar a Proposta de Regulamento 2021/21158 e adotando uma regulamentação que oferece uma isenção parcial9 do requisito do Good Agricultural and Environmental Condition 8 - GAEC 8, ou "Boa Condição Agrícola e Ambiental 8", que é uma das normas estabelecidas pela PAC da UE para promover práticas agrícolas sustentáveis10.

O GAEC 8 faz parte de um conjunto de condições que os agricultores devem cumprir para receberem apoios financeiros diretos da PAC. Este requisito está diretamente relacionado com a manutenção da terra em boas condições agrícolas e ambientais, contribuindo para a proteção da água, do solo e da biodiversidade. Logo, ele incentiva práticas como a manutenção de pastagens permanentes, a proteção de habitats naturais e a gestão sustentável da água.

Portanto, no processo de equilibrar os objetivos de sustentabilidade ambiental com as realidades econômicas do setor agrícola, a UE encontrou-se em uma posição onde teve de reavaliar e, posteriormente, reverter decisões anteriormente tomadas. Desse modo, essa mudança de direção reflete os desafios inerentes à implementação de políticas que simultaneamente buscam proteger o meio ambiente e sustentar a viabilidade econômica da agricultura. 

A questão central não é apenas a redução do uso de pesticidas e a mitigação de impactos ambientais, mas também a garantia de que essas mudanças não resultem em um aumento significativo no custo da produção agrícola e, consequentemente, dos alimentos para os consumidores.

Por um lado, é essencial continuar a promover práticas que minimizem danos ao meio ambiente, como a redução do uso de pesticidas e a adoção de tecnologias agrícolas mais eficientes e sustentáveis. Por outro lado, políticas e incentivos devem ser cuidadosamente desenhados para não sobrecarregar os agricultores com custos proibitivos que, por fim, seriam transferidos para os consumidores na forma de preços mais altos dos alimentos.

Além disso, é vital que as políticas agrícolas e comerciais da UE sejam sensíveis às realidades econômicas do setor agrícola, que representou 1.4% do PIB da UE em 2022. Teoricamente falando, isso poderia incluir medidas como subsídios que ajudem a compensar os custos adicionais de transição para práticas mais sustentáveis, investimentos em pesquisa e desenvolvimento para inovações agrícolas que aumentem a eficiência e a sustentabilidade, e políticas comerciais que protejam os agricultores europeus de uma concorrência desleal no mercado global11.

Porém, na prática a implementação dessas medidas requer a alocação de recursos, o que consequentemente torna a sua implementação mais difícil. O desafio é, portanto, assegurar que a agricultura europeia prossiga no caminho da sustentabilidade sem comprometer a segurança alimentar ou tornar o custo de vida proibitivo para os cidadãos. Isso requer um diálogo contínuo entre governos, agricultores, consumidores e especialistas em sustentabilidade para desenvolver políticas que reconheçam e abordem essas preocupações interconectadas.

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1 Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/cap-introduction/

Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/eli/reg/2021/2115/oj

Disponível em: https://apnews.com/article/poland-ukraine-grain-russia-war-f14ca84b946b42821688d0d175cfa9e3

Disponível em: https://www.tagesschau.de/wirtschaft/proteste-landwirtschafts-unternehmen-100.html

Disponível em: https://www.politico.eu/article/eu-stopped-mercosur-talks-amid-farmers-protests-france-says/

Disponível em: https://www.reuters.com/world/europe/italys-farmers-head-rome-tractor-convoy-european-anger-spreads-2024-02-05/

Disponível em: https://www.tagesschau.de/wirtschaft/konjunktur/bip-rezession-deutsche-wirtschaft-konjunktur-faq-100.html

Disponível em: https://www.euractiv.com/section/agriculture-food/news/von-der-leyen-to-withdraw-the-contested-pesticide-regulation/

Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_24_781

10 Disponível em: https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Glossary:Good_agricultural_and_environmental_conditions_(GAEC)

11 Disponível em: https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Performance_of_the_agricultural_sector

Pedro Vitor Serodio de Abreu

VIP Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

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