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A precarização do sistema carcerário e o Estado de Coisas Inconstitucional segundo a ADPF 347 MC/DF

Sistema carcerário brasileiro enfrenta desafios estruturais e falta de políticas eficazes. Reformas são essenciais para alinhar à ressocialização e cumprir normas constitucionais e penais.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Atualizado às 07:50

Introdução: 

O sistema carcerário brasileiro está imerso em uma série de desafios que vão desde a infraestrutura precária até a falta de políticas públicas eficazes. Apesar das intenções declaradas de ressocialização, a realidade atual está muito distante do ideal delineado pela Constituição Federal e pela lei de execução penal. Neste artigo, exploramos os principais problemas enfrentados pelo sistema carcerário brasileiro e propomos medidas urgentes para sua reforma.

O sistema carcerário brasileiro, com suas mazelas e desafios, representa um capítulo à parte na complexa realidade social do país. Apesar de amparado por leis que visam à ressocialização do indivíduo, o sistema se encontra em um estado crítico, distanciando-se significativamente do ideal preconizado pela Constituição Federal e pela Lei de Execução Penal, a qual garante a assistência estatal às necessidades básicas dos presos:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.  

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:  

  1. material;
  2. à saúde;
  3. jurídica;
  4. educacional;
  5. social;
  6. religiosa.

Superlotação e condições desumanas:

A superlotação é um dos problemas mais evidentes e prejudiciais do sistema carcerário brasileiro. As prisões frequentemente abrigam uma população muito além de sua capacidade, resultando em celas abarrotadas, falta de higiene e propagação de doenças. Essa situação também viola o princípio da dignidade humana, conforme estabelecido no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. Quando um estabelecimento prisional excede sua capacidade estrutural, ele não consegue fornecer o mínimo exigido pela legislação.

Atrelado a isso, as prisões muitas vezes carecem de infraestrutura básica, com edifícios antiquados e problemas estruturais graves. A falta de ventilação, iluminação adequada e água potável cria um ambiente insalubre para os detentos. 

Também, o acesso à saúde dentro das prisões é precário, com falta de profissionais qualificados e escassez de medicamentos e insumos básicos. Cumulado à constante exposição à doenças, à má alimentação e ao ambiente poluído e cheio, a ausência de infraestrutura para cuidar da saúde dos detentos agrava ainda mais as condições em que vivem - uma situação de completa vulnerabilidade.

Essa problemática do sistema prisional está intrinsecamente ligada à falta de investimento nas estruturas das prisões, refletindo um total descaso em relação à infraestrutura e à manutenção básica. Tal condição não apenas viola os direitos humanos básicos, mas também compromete qualquer esforço eficaz de ressocialização.

Além disso, essa realidade enfrentada pelos detentos contribui para o caos instalado dentro do sistema carcerário, e as consequências, como fugas e rebeliões, afetam diretamente o sistema de segurança pública.

Violência endêmica:

A violência é uma realidade brutal dentro do sistema carcerário. Conflitos entre detentos, influência de facções criminosas e até mesmo tortura por parte de agentes penitenciários são ocorrências comuns. 

O sentimento de desumanização, as condições precárias, a ociosidade e o tratamento recebido pelos detentos são uma série de fatores que promovem o aumento da violência dentro dos presídios.

A este fator também se relacionam a falta de oportunidades de educação e trabalho, as quais são praticamente inexistentes. Assim, a violência existente nos presídios pode ser considerada um reflexo da ausência de elementos da vida comum, fora da instituição prisional, dificultando a reintegração dos presos à sociedade após o cumprimento de suas penas. Além disso, a ausência de segurança adequada resulta em frequentes episódios de rebeliões e motins, aumentando ainda mais a violência e o caos dentro das prisões.

Desigualdade racial e encarceramento em massa:

O sistema carcerário brasileiro reflete e amplifica as desigualdades sociais e raciais do país. Jovens negros e pobres são desproporcionalmente afetados pelo encarceramento em massa, resultado da criminalização da pobreza e da seletividade do sistema penal.

De acordo com os dados estatísticos do sistema penitenciário, disponibilizados pela Secretaria Nacional de Políticas Penais - SENAPPEN, referentes aos meses de janeiro a junho de 2023, a quantidade de presos pretos e pardos é muito maior que presos brancos, tanto nas penitenciárias femininas quanto masculinas, conforme gráficos abaixo:

No sentido dos problemas expostos, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 347 do Distrito Federal trata de uma ação de controle de constitucionalidade movida pelo Partido Socialismo e Liberdade, que propunha o Estado de Coisas Inconstitucional referente ao sistema carcerário brasileiro de forma geral. À época da proposta da Ação, em 2015, havia um contexto de superlotação crônica, infraestrutura precária, violência endêmica e violações de direitos humanos nas prisões brasileiras. A superlotação, por exemplo, atingiu níveis alarmantes, com mais de 622 mil pessoas presas em um sistema projetado para menos de 400 mil.

O Estado de Coisas Inconstitucional - ECI, segundo o jurista Carlos Alexandre de Azevedo Campos (p. 59, 2015), "trata-se de graves deficiências e violações de direitos que se fazem presentes em todas as unidades da federação brasileira e podem ser imputadas à responsabilidade dos três poderes". Neste caso, as deficiências e violações se referem ao quadro precário do sistema carcerário. 

Diante da precarização generalizada do sistema em diversas instâncias, tais como o quadro de precariedade funcional e institucional, a falta de estrutura nas penitenciárias, a violação aos direitos humanos dos presos e a superlotação, traz-se a discussão da deficiência dos órgãos estatais e federais nos âmbitos dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, frente à violação de direitos além da privativa de liberdade, demonstrando problemas na formulação e implementação de políticas públicas e na aplicação da lei penal. Dessa forma, a proposta da ADPF de diagnosticar as problemáticas do sistema prisional, a partir da definição do "Estado de Coisas Inconstitucional", torna-se pioneira na busca e discussão acerca das medidas possíveis de reforma e melhora desse quadro problemático.

Por decisão unânime, o Plenário do STF reconheceu a existência de uma ampla violação dos direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro. Foi constatado que aos detentos são negados diversos direitos básicos, tais como integridade física, alimentação, higiene, saúde, educação e trabalho. Destacou-se que a atual condição das prisões compromete a capacidade do sistema em alcançar seus objetivos de garantir a segurança pública e promover a ressocialização dos presos.

No relatório do ref. acórdão, há também a discussão sobre como a precariedade do sistema carcerário, como reflexo da irresponsabilidade dos órgãos públicos, não representa a sua função social em promover a segurança nacional propriamente dita, tendo em vista os diversos outros problemas enfrentados pela população, além do sistema prisional, que também poderiam ser configurados como "Estado de Coisas Inconstitucional".

Em suma, os problemas encontrados no funcionamento e execução dos sistemas responsáveis pelo encarceramento dos presos são alarmantes e requerem políticas públicas urgentes para sua resolução. Dentre as propostas de medidas propostas pela ADPF 347, tem-se: a diminuição da quantidade de prisões provisórias, imposição aos poderes públicos de assumir sua responsabilidade quanto à população carcerária, elaboração de planos de ação e monitoramento judicial e a devida fundamentação das decisões resultantes em privativas de liberdade de forma eficiente.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADPF nº 347 MC/DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Requerente: Partido Socialismo e Liberdade - PSOL, Requerido: União., Julgamento em 09/09/2015. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665. Acesso em: 16 fev. 2024.

SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS PENAIS. (2023). Dados Estatísticos do Sistema Penitenciário: Período de Janeiro a Junho de 2023. Plataforma Power BI. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYzZlNWQ2OGUtYmMyNi00ZGVkLTgwODgtYjVkMWI0ODhmOGUwIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9&pageName=ReportSection . Acesso em: 16 fev. 2024.

Borges, Mateus Henrique. As consequências da superlotação em presídio: a realidade carcerária nos presídios em Goiás. Artigo Científico (Graduação em Direito). Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiás, 2021. Disponível em: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/3153/1/ARTIGO%20CIENT%c3%8dFICO%20%28Mateus%20Henrique%29.pdf . Acesso em 16 fev. 2024.

Elisa Borges das Neves Guimarães

Elisa Borges das Neves Guimarães

Colaboradora do escritório Barreto Dolabella Advogados na área de propriedade intelectual e controladoria jurídica. É graduanda em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (UniCEUB). Possui experiência em direito imigratório.

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