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O poder dos metadados em crimes virtuais

A conscientização e a educação são fundamentais para garantir que os metadados sejam usados de maneira responsável e que a privacidade dos indivíduos seja protegida no mundo cada vez mais conectado de hoje.

terça-feira, 2 de abril de 2024

Atualizado às 08:14

Os arquivos digitais, desde o seu surgimento, são portadores de informações ocultas que podem revelar detalhes cruciais sobre o momento e o local em que foram criados. Esses detalhes, chamados de metadados, têm sido objeto de crescente interesse não apenas para os entusiastas da tecnologia, mas também para investigadores criminais.

Os metadados são dados sobre dados, fornecendo informações adicionais sobre uma imagem, vídeo ou outro tipo de arquivo. Eles descrevem características, propriedades ou atributos que são utilizados para organização, busca, indexação e outros recursos. Embora esses metadados possam parecer insignificantes à primeira vista, eles têm o potencial de contar uma história mais ampla do que o próprio arquivo retrata.

Um exemplo notável do poder dos metadados é o caso envolvendo o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em outubro de 2020. Após anunciar publicamente que havia contraído COVID-19, imagens foram divulgadas pela Casa Branca, mostrando-o supostamente trabalhando incansavelmente, apesar da doença. No entanto, uma análise dos metadados revelou que as fotos foram tiradas com apenas 10 minutos de diferença, lançando dúvidas sobre a narrativa de trabalho incansável propagada pela administração1.

No caso dos ataques terroristas de Bruxelas em 2016, a análise dos metadados desempenhou um papel fundamental na identificação dos perpetradores, rastreamento de comunicações e reconstrução dos eventos que levaram aos ataques. A obrigatoriedade de retenção de metadados pelas empresas de telecomunicações na Bélgica permitiu que os investigadores acessassem informações cruciais sobre a atividade dos terroristas, incluindo contatos, comunicações e movimentos2.

Da mesma forma, no caso de John McAfee, os metadados das imagens postadas em seu blog foram essenciais para rastrear sua localização e facilitar sua captura. A presença de coordenadas de latitude e longitude nos metadados das fotos revelou sua localização na Guatemala, levando à sua detenção pelas autoridades3.

Esses exemplos destacam como os metadados podem desempenhar um papel crucial na verificação da autenticidade e na compreensão mais profunda dos arquivos digitais. Mas além disso, os metadados também têm sido uma ferramenta valiosa para a aplicação da lei.

Para as autoridades policiais, os metadados podem ser uma ferramenta valiosa na localização e investigação de indivíduos. Em muitos casos, as informações embutidas nos arquivos podem fornecer pistas cruciais que liguem determinada pessoa a um crime praticado. Por exemplo, se um arquivo digital contém coordenadas geográficas, a polícia pode rastrear os movimentos de um suspeito, identificar testemunhas ou confirmar álibis, conforme pode se verificar no caso abaixo:

Em outra mídia encontrada nos dados de armazenamento do celular, é possível visualizar que Nayne filma algumas armas em cima de uma mesa, um total de quatro armas, sendo três pistolas e um revólver. É possível afirmar que a pessoa que grava o vídeo trata-se de Nayne porque antes de registrar as imagens, ela filma a si mesma em um espelho que estava ao lado do imóvel com as armas. Uma informação chamou a atenção deste investigador, pois nos dados armazenados do vídeo (metadados), consta que a captura da imagem ocorreu no dia 27.11.2022 - domingo - as 04:06. Ou seja, na madrugada logo após ocorrer o crime de roubo na joalheria. [mov. 146, arq. 2]4

No entanto, a utilização de metadados pela polícia também levanta questões importantes sobre privacidade e segurança. Embora essas informações possam ser vitais para resolver crimes, também podem ser exploradas indevidamente, colocando em risco a privacidade dos cidadãos comuns. Por exemplo, a capacidade de rastrear a localização de uma pessoa através dos metadados de suas fotos levanta preocupações sobre vigilância excessiva e potencial abuso por parte das autoridades.

Além disso, a precisão e confiabilidade dos metadados também podem ser questionadas. Embora essas informações geralmente sejam consideradas como fatos objetivos, elas podem ser manipuladas ou falsificadas. Isso levanta preocupações sobre a integridade das evidências digitais e a possibilidade de injustiças resultantes de informações imprecisas ou fabricadas.

Conquanto os metadados das fotografias possam ser úteis para as autoridades na aplicação da lei, também apresentam riscos significativos para a privacidade e segurança dos cidadãos. A falta de conscientização sobre a presença e o potencial dos metadados significa que muitos usuários de dispositivos digitais podem estar inadvertidamente colocando em risco sua própria segurança, pois podem revelar informações sensíveis sobre os indivíduos, como hábitos de vida, rotinas diárias, localização e até mesmo informações confidenciais. Se não forem devidamente protegidos, esses dados podem ser explorados por criminosos cibernéticos para cometer crimes como roubo de identidade, extorsão, ameaças, assalto à residência até assédio e perseguição.

Um dos principais desafios é a conscientização pública sobre a presença e o potencial dos metadados. Muitas pessoas não estão cientes de que seus arquivos contêm essas informações ou de como elas podem ser utilizadas. Como resultado, muitos indivíduos compartilham arquivos online sem considerar as implicações dos metadados.

Além disso, a remoção de metadados nem sempre é uma prática comum entre os usuários de redes sociais. Embora algumas plataformas automaticamente removam certas informações, outras não o fazem, deixando os usuários vulneráveis a uma série de problemas de privacidade e segurança.

À medida que a tecnologia continua a avançar, é essencial que os usuários de dispositivos digitais estejam cientes dos metadados e das implicações de compartilhá-los. Da mesma forma, é fundamental que as autoridades policiais usem essas informações de forma ética e transparente, equilibrando a necessidade de investigação criminal com o respeito pelos direitos individuais à privacidade.

Em última análise, os metadados das fotografias representam uma faceta fascinante e complexa da era digital, capaz de fornecer insights valiosos, mas também apresentando desafios éticos e legais que exigem uma abordagem cuidadosa e equilibrada. A conscientização e a educação são fundamentais para garantir que os metadados sejam usados de maneira responsável e que a privacidade dos indivíduos seja protegida no mundo cada vez mais conectado de hoje.

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1 Disponível em: https://www.dn.pt/mundo/mera-encenacao-fotos-de-trump-a-trabalhar-foram-tiradas-com-10-minutos-de-diferenca-12878150.html/. Acessado em 27/03/2024.

2 Disponível em: https://observador.pt/2017/01/25/computador-portatil-revela-muitos-detalhes-dos-ataques-de-bruxelas-e-paris/. Acessado em 26/03/2024

3 Disponível em: https://www.wired.com/2012/12/oops-did-vice-just-give-away-john-mcafees-location-with-this-photo/. Acessado em 26/03/2024

4 Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Apelação Criminal n° 5725660-35.2020.8.09.0174, Terceira Câmara Criminal, Relator Des. Wilson Dias, publicado em 21/02/2024

Bruno Rodrigues

VIP Bruno Rodrigues

Advogado. 9 anos de atuação. Pós-graduado em Direito Constitucional, Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduando em Teoria e Filosofia do Direito. Associado ao ABRACRIM.

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