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Tokenização de heranças: Uma revolução digital no direito sucessório

Este texto aborda como as inovações tecnológicas estão transformando a transmissão de patrimônios após o falecimento, com um foco especial na tokenização de heranças. Descubra como ativos digitais como criptoativos e tokens estão redefinindo os paradigmas do Direito Sucessório e trazendo novos desafios para a legislação.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Atualizado às 16:08

O Direito Sucessório, ramo do Direito Civil responsável por reger a transmissão de patrimônio de uma pessoa falecida a seus herdeiros ou legatários, encontra-se em um momento de transição significativa impulsionada pela era digital. Essa mudança não é meramente superficial ou de forma, mas substancial, afetando as bases sobre as quais a disciplina foi construída e desenvolvida ao longo dos séculos.

Tradicionalmente, o Direito Sucessório opera em um domínio caracterizado pela tangibilidade dos ativos - propriedades imobiliárias, posses físicas e recursos monetários guardados em instituições financeiras. Entretanto, a revolução digital introduziu uma nova categoria de ativos: os digitais. Estes variam desde criptoativos, como o Bitcoin, até direitos autorais de obras digitais e, mais recentemente, tokens representativos de ativos reais ou direitos sobre estes. Essa expansão do conceito de ativo desafia diretamente as premissas tradicionais do direito patrimonial e, por extensão, do Direito Sucessório.

A digitalização da sociedade também impacta diretamente a forma como os indivíduos planejam a transmissão de seu patrimônio. Testamentos digitais, gestão online de legados e, agora, a tokenização de heranças são exemplos de como a tecnologia está remodelando as expectativas e possibilidades dentro desse campo. A tokenização, em particular, representa um avanço notável, ao possibilitar a divisão de direitos sobre um ativo em unidades digitais negociáveis, oferecendo uma nova forma de liquidez a ativos anteriormente considerados imobilizados durante o processo de sucessão.

Não obstante, o avanço tecnológico trouxe à tona a necessidade de uma reflexão sobre a adequação das normas jurídicas vigentes. A legislação e a doutrina tradicionais foram concebidas em um contexto muito diferente, focado na gestão e transferência de ativos tangíveis. A inserção de ativos digitais na esfera sucessória implica uma série de desafios jurídicos, desde a identificação e valoração desses ativos até as questões de segurança digital e privacidade.

A era digital também propõe um novo cenário para as disputas judiciais envolvendo heranças. A capacidade de tokenizar partes de uma herança e antecipar seu valor financeiro antes mesmo da conclusão do processo sucessório introduz uma dinâmica até então inexistente, com implicações profundas para a liquidez dos ativos, a gestão de expectativas dos herdeiros e a própria função social da herança.

Breve descrição do caso em estudo

No cenário atual do mercado financeiro brasileiro, destaca-se uma operação pioneira de tokenização de uma das maiores heranças em disputa no país, cujo valor reivindicado pelo beneficiário aproxima-se dos R$ 2 bilhões. A gestora Jequitibá, reconhecida por sua especialização em precatórios e ativos judiciais, propõe-se a antecipar uma fração desse montante mediante a tokenização de ativos de crédito, com a emissão dos ativos digitais a cargo da empresa Tokeniza.

O objetivo do herdeiro, ao buscar a antecipação de aproximadamente R$ 100 milhões - correspondente a 5% a 6% do total da herança -, reside na aspiração de mitigar as incertezas relacionadas ao prolongado processo judicial, que além de demorado, toca em aspectos delicados para o núcleo familiar. Neste contexto, sobressai-se também a reivindicação pelo reconhecimento de paternidade, um elemento adicional no complexo quadro sucessório. A identidade do herdeiro e dos demais envolvidos permanece resguardada, em virtude da confidencialidade que a situação impõe.

Na vanguarda deste avanço, a Jequitibá antecipa inicialmente a tokenização de R$ 15 milhões, adotando um horizonte de 18 meses para este procedimento, em alinhamento com as diretrizes estabelecidas pela CVM - Comissão de Valores Mobiliários referentes à renda fixa digital em plataformas de crowdfunding. Esta iniciativa marca o início da utilização de tokens como forma de adiantamento de herança no Brasil, estabelecendo um precedente relevante para o mercado.

Fulvio Rebouças, sócio da gestora, destaca que a Jequitibá está empenhada em desenvolver uma engenharia financeira sofisticada, que esteja em consonância com a regulamentação da CVM, para viabilizar o adiantamento dos recursos remanescentes. A gestora já sondou a participação de um banco de investimento, que se retraiu devido a potenciais conflitos de interesse com negociações correntes relacionadas à família. Ademais, enfrentou propostas de desconto por parte de outros fundos, consideradas excessivas pela gestora.

Consolidando-se como uma das principais fornecedoras de ativos judiciais para bancos, family offices e gestores de patrimônio no país, a Jequitibá reportou no último ano um avanço significativo, com a realização de adiantamentos da ordem de R$ 130 milhões em ativos. Para o ano corrente, a gestora projeta um crescimento de 27%, o que implicaria em desembolsos totalizando R$ 165 milhões. Fundada em 2021, a Jequitibá especializou-se na seleção e precificação de precatórios e ativos judiciais, consolidando sua posição de liderança neste nicho de mercado.

Juridicamente, o caso destaca-se pela aplicação de tecnologias blockchain na solução de questões tradicionalmente resolvidas no âmbito do direito das sucessões, introduzindo um debate acerca da validade, segurança jurídica e eficácia dos tokens como representativos de ativos reais. A operação sublinha a complexidade e a novidade da tokenização de ativos hereditários, especialmente em um contexto de litígio e reivindicações sensíveis como a paternidade.

Do ponto de vista legal, o caso traz à tona discussões sobre a adequação da legislação vigente para regular novas formas de ativos digitais e a necessidade de um marco regulatório que contemple a proteção dos direitos dos herdeiros e credores, garantindo transparência e equidade no processo sucessório. A iniciativa de antecipar parte da herança por meio da tokenização, embora inovadora, requer um exame cuidadoso das implicações legais, incluindo aspectos relacionados à avaliação de ativos, direitos sucessórios e a própria legalidade da operação sob a ótica da CVM e demais órgãos reguladores.

Gilmara Nagurnhak

Gilmara Nagurnhak

Pós Graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil Pós Graduanda em Direito Tributário Uma advogada apaixonada pelo mundo empresarial!

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