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A validade da cláusula de não concorrência nos contratos de franquia

Cláusula de não concorrência em contratos de franquia: protege propriedade intelectual da franqueadora, garantindo ao franqueado acesso a know-how. Deve comprometer-se com confidencialidade e evitar concorrência, baseado na boa-fé contratual.

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Atualizado em 26 de abril de 2024 15:32

Muito se discute acerca da validade da cláusula de não Concorrência ou nom compete, prevista nos contratos de franquia e se esta apresenta ou não uma violação a liberdade de trabalho, assegurada pelo art. 5º, XIII da Constituição Federal.

Nesse sentido, vale frisar que, a cláusula de não concorrência visa preservar a propriedade intelectual da Franqueadora, enquanto, para o exercício do Contrato de Franquia, esta transfere ao franqueado todo o know-how necessário ao exercício da atividade empresarial.

Sendo assim, é certo que o franqueado adquire uma gama de informações que lhe seriam inacessíveis se não fosse pelo instrumento celebrado entre as partes.

Diante disso, previamente ao acesso às informações do contrato de franquia, é necessário que o Franqueado se comprometa com a confidencialidade, bem como que não exerça a concorrência com a Franqueadora, seja durante, ou seja após a finalização do contrato de franquia, desde que por prazo certo e determinado.

Insta salientar que, tais obrigações são decorrência do princípio da boa-fé objetiva, fundamentada nos arts. 113 e 422 do Código Civil, pilar do sistema contratual pátrio.

É sabido que o contrato particular faz lei entre as partes, razão pela qual não deve haver a interferência estatal nesta seara, salvo se for verificado eventual abuso ou ilicitude no documento, ou em suas cláusulas, conforme dispõe o Código Civil:

Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

Art. 421-A.  Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:

  1. as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
  2. a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
  3. a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. (g.n.).

Assim, qual seria o escopo da lei senão proteger as relações particulares, embasadas na autonomia privada?

O Contrato de Franquia não transfere a propriedade da marca, de conhecimento, dos direitos intelectuais que envolvem o arsenal da colocação do produto/serviço no mercado, mas, tão somente, cede direitos para o franqueado poder utilizar deles (sem deles se apropriar) para desenvolver as suas atividades.

Com a sustentação do essencial requisito da boa-fé objetiva, há que se concluir que as obrigações de confidencialidade e de não-concorrência são fundamentais numa relação de franquia, e tais obrigações não se extinguem com o término da relação.

Aliás, é no momento pós-contratual que a obrigação de não-concorrência se evidencia, pois quando a pessoa (física ou jurídica) deixa a relação com a franqueadora, tem de observar o disposto no contrato por ele consentido, conforme art. 422 do Código Civil.

Portanto, há de se considerar que nada de ilícito, ilegal ou mesmo imoral há na previsão de não concorrência, não havendo que se falar na sua invalidade.

Da mesma forma, não há que se falar em abuso de direito em estipular a cláusula de não concorrência, visto ser estipulada em proteção à franqueadora e à rede de franqueados, quanto a eventual atividade em concorrência por quem tenha acesso ao know-how e à tecnologia desenvolvida.

Tampouco se pode alegar afronta a prevalência da livre iniciativa, pois a cláusula de barreira não impõe obstáculo à atividade econômica, mas exige que em determinado período se preserve o know-how e marca da franqueadora.

Isto porque, conforme se nota pelas relações comerciais estabelecidas, o consumidor opta por escolher adquirir serviço e/ou produto de determinada empresa, com base na sua reputação local e comercial, nas experiências de outros clientes e do nome/fama provenientes daquela marca.

Portanto, ao adquirir o know-how da franqueadora, o franqueado adquire também a confiança, credibilidade e posição comercial que a marca de propriedade da franqueadora transmite, o que lhe dão uma vantagem para angariar clientes e ter prospecção maior de venda e, consequentemente, de renda.

A cláusula de não concorrência visa, justamente, a proteção das relações existentes no cenário das franquias, objetivando a proteção dos direitos da franqueadora, mas também para proteção dos direitos dos próprios franqueados e, além de tudo, dos clientes, a fim de que não haja confusão comercial para os consumidores com relação às empresas, visto que ao se desvincular da franqueadora, o franqueado não pode mais permanecer com o nome, know-how, acesso a sistemas e informações, como tinha antes.

Desse modo, é evidente que a cláusula de não concorrência não impede o exercício de atividade profissional pelo ex-franqueado, mas, tão somente, o obriga a respeitar a finalização daquele vínculo, de maneira que não se utilize, durante período determinado, das vantagens adquiridas por meio da relação com a franqueadora, para prospectar clientes no mesmo ramo de atividade empresarial, com o uso de marca concorrente ou própria.

Nesse sentido, o doutrinador Alexandre David Santos explica, em sua obra Comentários à nova lei de franquia que o principal objetivo da cláusula de não concorrência é impedir que o Franqueado aufira vantagens comerciais, por meio dos segredos e modelo do negócio dos quais teve acesso, em razão do Contrato de Franquia outrora vigente:

"(...) Prosseguindo, para promover a proteção do franqueador, além da conhecida cláusula de confidencialidade, a cláusula de não concorrência é invariavelmente encontrada nos contratos preliminares e contratos de franquia. Recomenda-se, também, estipular o pagamento de multa contratual caso o fraqueado descumpra a cláusula de não concorrência, doravante denominaremos requisito de eficiência.

A irreversibilidade da transferência do know-how do franqueador para o franqueado, que se aproveita dos segredos e modelos de um negócio, é a razão de existência da cláusula de não concorrência, pois visa impedir que o franqueado, ao obter este conhecimento, aufira vantagens comerciais oportunistas por meio de concorrência desleal.

Outra finalidade da cláusula de não concorrência, mas quase nunca admitida pelos franqueados, é a proteção da própria rede franqueada, ao impedir que o ex-franqueado concorra de forma desigual e desleal, aproveitando-se do mesmo know-how dos franqueados, mas sem o ônus do pagamento de royalties, taxas etc. Nesse caso, utilizando-se de bandeira branca sua própria marca que não é franquia ou até mesmo praticando a virada de bandeira para rede de franquia concorrente (player).

Assim, ao término da relação contratual, seja qual for o motivo, o ex-franqueado estará, em tese, impedido de desenvolver a mesma atividade no mesmo local, que poderá se estender em território delimitado, e por período determinado (...).

(...) Em contrapartida, para que haja equilíbrio e harmonia entre as obrigações estabelecidas no contrato de franquia e as normas constitucionais, a cláusula de não concorrência deverá ser cuidadosamente modulada para impedir o enriquecimento ilícito do ex-franqueado por meio da prática de concorrência desleal." (Alexandre David Santos, Comentários à nova lei de franquia: lei 13.966/19, São Paulo, ed. Almedina, 2020, p. 158)

Ainda, importante salientar que o TJ/SP possui entendimento consolidado quanto a validade da cláusula de não concorrência nos contratos de franquia, como forma de preservação do know-how transferido pela Franqueadora ao Franqueado:

Apelação. Direito Empresarial. Franquia. Rescisão por iniciativa da franqueadora, devido ao inadimplemento das obrigações contratuais pelo franqueado. Efeitos pós-contratuais. Pretensão relativa à não-concorrência por certo período. Cláusulas contratuais claras. Inexistência de ambiguidade interpretativa ou contraditoriedade que implique a incidência do disposto no art. 423 do Código Civil. Ausência de abusividade. Contrato mantido por quinze anos, com uso, pelos franqueados, do método de ensino, do material didático e, especialmente, do know how desenvolvido pela franqueadora. Manutenção de escolas de idiomas, sem interrupção, nos mesmos endereços em que antes funcionavam as unidades franqueadas, implica a manutenção de clientela que, inicialmente, foi atraída pelo bom nome e reconhecimento obtido pela franqueadora, detentora da marca 'WIZARD'. Descumprimento do dever de não-concorrência caracterizado. Obrigação de não fazer bem reconhecida e multa devida. Sentença integralmente mantida. Honorários recursais. CPC, art. 85, § 11. Apelo não provido." (TJ/SP, Apelação 1026795-14.2019.8.26.0114, rel. des. Pereira Calças, j. 25/11/20).

Ressalta-se que, o entendimento do C. Tribunal é que no Contrato de Franquia deve constar uma limitação temporal para o não exercício da concorrência:

APELAÇÃO. FRANQUIA. Ação de rescisão contratual. Improcedência. Decisão mantida. Cerceamento de defesa não configurado. Autores que não requereram a produção de prova pericial no momento oportuno. Preclusão. Cláusula de não concorrência. Licitude. Previsão de limites materiais e temporais. Precedentes. Multa contratual devida, em razão da rescisão imotivada do contrato por culpa dos autores. RECURSO DESPROVIDO. (TJ/SP; Apelação Cível 1003861-82.2016.8.26.0400; relator (a): AZUMA NISHI; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Olímpia - 3ª vara Cível; Data do Julgamento: 4/11/20; Data de Registro: 4/11/20)

Na mesma toada, colha-se decisão do STJ, no qual reconheceu a validade da cláusula de não concorrência:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONTRATO EMPRESARIAL ASSOCIATIVO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AFASTADA. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. TEORIA DA SUBSTANCIAÇÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA.NÃO CARACTERIZADO. EXTINÇÃO DO VÍNCULO CONTRATUAL. CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. LIMITE TEMPORAL E ESPACIAL. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 6. São válidas as cláusulas contratuais de não-concorrência, desde que limitadas espacial e temporalmente, porquanto adequadas à proteção da concorrência e dos efeitos danosos decorrentes de potencial desvio de clientela - valores jurídicos reconhecidos constitucionalmente. 7. REsp provido' (STJ; rel. min. Marco Aurélio Bellizze; j.5/5/15; REsp 1.203.109/MG 2010/0127767-0)

Portanto, conclui-se que a cláusula de não concorrência é válida e plenamente reconhecida pela doutrina e jurisprudências, sendo plenamente admitida, caso conste, expressamente, no contrato de franquia, uma limitação temporal, visando, assim, a proteção do know-how transmitido pela Franqueadora ao Franqueado.

Carolina Porto Pires

Carolina Porto Pires

Advogada no GHBP Advogados, Pós-graduanda em Direito Civil pela PUC-Minas, Bacharel em direito pelo Centro Universitário Unimetrocamp WYDEN.

Amanda Silva Franco de Godoy

Amanda Silva Franco de Godoy

Advogada no GHBP Advogados, Pós-graduada em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Pós-graduanda em Direito Civil pela PUC-Minas, Bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

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