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PL 1.026/24 prevê alterações e novas restrições no PERSE

Guilherme Alves de Lima title=Guilherme Alves de Lima, Caius Henriques Lisboa e Matheus Dutra

Alterações no PERSE têm potencial litigiosidade.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Atualizado às 14:57

I. A Concepção e Evolução do PERSE1

PERSE - Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, instituído pela lei 14.148/21, emergiu como uma política pública crucial no contexto da crise sanitária global provocada pela pandemia da Covid-19. O PERSE foi uma resposta imediata à abrupta suspensão de atividades econômicas que sustentam milhares de empregos e são vitais para a economia cultural e social do país.

Inquestionavelmente, o setor de eventos foi um dos mais afetados pelas medidas de distanciamento social, enfrentando cancelamentos massivos e indefinições sobre o futuro tanto a curto quanto a longo prazo. O PERSE, portanto, não apenas buscou estabilizar financeiramente as empresas por meio de incentivos fiscais significativos, com a redução das alíquotas de tributos importantes - PIS, Cofins, CSLL e IRPJ -, mas também assegurou a manutenção de empregos e a sobrevivência empresarial durante o período mais crítico.

A manutenção do programa no cenário atual é motivada pelo reconhecimento de que a recuperação completa do setor é um processo gradual, que requer não apenas a retomada das atividades normais, mas também um suporte contínuo para compensar o período prolongado de inatividade e os desafios que permanecem no cenário pós-pandêmico. De igual forma, a continuidade do PERSE reflete a compreensão de que o setor de eventos desempenha um papel fundamental na economia, sendo um grande mobilizador de outras atividades, como turismo e entretenimento.

Desde 2022, diversas polêmicas e discussões foram travadas sobre o programa, tanto no campo político como nos tribunais. Em outras oportunidades, o Governo buscou restringir o alcance do benefício, seja por meio da lei 14.592/23, que restringiu o número de atividades aptas ao PERSE, seja pela MP 1.202/23, que tentou extinguir definitivamente o Programa.

Fundamental destacar que, em maio de 2023, a legislação do PERSE foi expandida por meio de nova lei, derivada da MP 1.147/22, para incluir outras atividades econômicas entre os beneficiários do programa. De acordo com declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, embora o impacto financeiro do PERSE fosse inicialmente estimado em R$ 4,4 bilhões anuais, os custos efetivos dispararam para aproximadamente R$ 17 bilhões após a expansão, o que, segundo o ministro, trazia suspeita de práticas de lavagem de dinheiro.

Diante dessa situação e das consequências fiscais indesejadas, o Governo optou por uma reavaliação do programa, resultando na publicação da MP 1.202/23, que previa a revogação do PERSE a partir de 1º/4/24, mantendo apenas o benefício para o IRPJ até 2025.

Após forte resistência dos setores afetados, bem como dos parlamentares, o Congresso Nacional decidiu encaminhar a reformulação do programa por meio do PL 1.026/24.

O novo PERSE busca apaziguar as discussões sobre o tema e definir os principais pontos de discussão. Nota-se evidente preocupação tanto com os interesses dos setores envolvidos quanto com a questão orçamentária.

II. Mudanças Previstas pelo PL 1.026/24

O PL 1.026/24 pretende reformular o PERSE e introduzir alterações significativas que refletem as necessidades emergentes do setor e as restrições fiscais mais amplas enfrentadas pelo Governo.

As mudanças propostas são uma tentativa de balancear o apoio contínuo ao setor de eventos com a sustentabilidade fiscal do Estado.

Destacaremos abaixo as principais alterações previstas no PL 1.026/24.

  • Redução do Número de Atividades Beneficiadas

De acordo com o texto atual do PL 1.026/24, o número de serviços da CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas habilitados ao benefício cai de 44 para 30. Este enxugamento da lista sugere uma abordagem mais focada e direcionada, concentrando recursos nos segmentos que mais necessitam ou que têm maior potencial de recuperação e impacto econômico.

As atividades que deixarão de ser contempladas, caso o PL 1.026/24 seja aprovado, incluem albergues, campings, pensões, produtoras de filmes para publicidade, locação de automóveis com motorista, fretamento rodoviário de passageiros e organização de excursões, transporte marítimo de passageiros por cabotagem, longo curso ou aquaviário para passeios turísticos e atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares.

Naturalmente, a redução abrupta de atividades econômicas beneficiadas pelo PERSE poderá ser objeto de questionamentos judiciais pelos contribuintes atingidos.

  • Novos Limites de Incentivos Fiscais

Outra mudança substancial é a implementação de um teto para os incentivos fiscais, agora fixado em R$ 15 bilhões para o período de abril de 2024 a dezembro de 2026. Este limite visa garantir que o apoio do governo ao setor não comprometa as metas de austeridade fiscal e o equilíbrio das contas públicas. A imposição de um teto também reflete uma gestão mais cautelosa e medida dos recursos públicos, alinhando o benefício fiscal ao orçamento do Estado.

  • Condições para Fruição dos Benefícios

As condições para a fruição dos benefícios fiscais também foram revisadas. Agora, apenas as pessoas jurídicas que possuíam como código CNAE principal ou atividade preponderante, em 18/3/22, uma das atividades abrangidas pelo PL 1.206/24, poderão usufruir dos benefícios, devendo a eventual habilitação ser solicitada perante a RFB - Receita Federal do Brasil.

Durante o processo de habilitação, as empresas deverão declarar se optam por aplicar a redução tributária prevista ou se pretendem utilizar prejuízos fiscais acumulados, bases de cálculo negativas da CSLL e créditos de PIS e de Cofins sobre bens e serviços usados como insumos em suas operações, a fim de evitar a dupla fruição de benefícios fiscais.

A RFB terá um prazo de 30 dias para responder à solicitação de habilitação, após o qual, na ausência de manifestação, a habilitação será concedida automaticamente. No entanto, essa habilitação pode ser revogada caso seja posteriormente verificado que a empresa não cumpre os requisitos necessários para o benefício.

Ademais, o benefício não poderá ser usufruído por empresas que estavam inativas entre os anos de 2017 até 2021, qualquer seja o código de CNAE.

  • Limitação de Acesso ao Benefício para Empresas do Lucro Real

O texto atual do PL 1.026/24 estipula que, no ano de 2024, as empresas sujeitas à tributação pelo lucro real ou pelo lucro arbitrado poderão aproveitar integralmente os benefícios fiscais do PERSE. No entanto, nos anos de 2025 e 2026, essas empresas serão limitadas a usufruir apenas das reduções nas alíquotas de PIS e Cofins.

Esta medida marca uma mudança substancial na política pública, uma vez que restringe o benefício de um segmento importante de empresas, geralmente de maior porte, que operam sob o regime de lucro real.

Apesar de ser possível relacionar tal restrição ao direcionamento dos incentivos para as empresas potencialmente mais vulneráveis, vincular a fruição do benefício ao regime tributário não parece ser o meio mais adequado, já que, por exemplo, a adoção do regime do lucro real pode ser exercida por qualquer pessoa jurídica, independentemente de seu faturamento ou atividade.

Ou seja, ainda que se entenda que a restrição almeja concentrar o PERSE para entidades que enfrentam maiores desafios para se recuperar dos efeitos prolongados da crise econômica, mantendo a tributação das empresas com suposta maior robustez financeira, a limitação ao regime tributário de apuração não atinge obrigatoriamente a finalidade pretendida, com potencial ofensa a princípios constitucionais tributários e ao próprio CTN.

  • Efeitos da MP 1.202/23

A MP 1.202/23 permanece em vigor, obrigando as empresas a pagarem as alíquotas regulares dos tributos até que haja a conversão em lei ou até que o projeto de lei seja aprovado. No entanto, de acordo com o projeto, os valores recolhidos a título de PIS, COFINS e CSLL pelos beneficiários, entre a vigência da MP 1.202/23 e a potencial aprovação do PL 1.026/24, poderão ser utilizados para compensar débitos próprios de tributos federais, sejam eles vencidos ou vincendos, ou ser reembolsados em dinheiro, observados os requisitos legais.

  • Autorregularização no Âmbito do PERSE

Por fim, ressalta-se que os contribuintes que tenham utilizado os benefícios fiscais do PERSE de forma inadequada, seja por irregularidades no CADASTUR - Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos ou por problemas de enquadramento nos códigos CNAE, terão a oportunidade de aderir ao processo de autorregularização. Esse procedimento deverá ser iniciado até 90 dias após a promulgação da nova lei regulamentadora, sem que haja aplicação de multas de mora ou administrativas.

III. Conclusões

As mudanças não apenas refletem uma adaptação à realidade econômica alterada pós-pandemia, mas também uma tentativa de otimizar os efeitos dos incentivos fiscais, assegurando que eles sejam sustentáveis a longo prazo e alinhados com os objetivos de recuperação e crescimento econômico do setor de eventos.

A despeito do objetivo almejado pelo PL 1.026/24, que foi resultado de concessões mútuas, haverá possibilidade real de diversos pontos tratados pelo projeto serem alvo de discussões judiciais, ante a evidente fragilidade na alteração abrupta do programa, com potencial ofensa a princípios constitucionais tributários e ao CTN.

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1 No momento que este artigo foi escrito, o PL nº 1.026/24 foi aprovado pelo Senado Federal e enviado para a sanção Presidencial.

Guilherme Alves de Lima

VIP Guilherme Alves de Lima

Advogado graduado pela UFRJ, pós-graduado pela EMERJ e Mestrando em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ.

Caius Henriques Lisboa

Caius Henriques Lisboa

Sócio no Ventura Advogados, graduado pela UFJF, especializado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera, especializado em Direito Processual pela UFJF e graduando em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário UniDomBosco.

Matheus Dutra

Matheus Dutra

Advogado no Ventura Advogados, graduado pela UFRJ, pós-graduando pela UERJ em Direito Financeiro e Tributário.

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