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A desoneração da folha de pagamento e a suspensão da suspensão

O vai e vem da aplicação da desoneração da folha de pagamento.

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Atualizado às 08:10

No último dia 25.4.24, muitos empregadores foram surpreendidos com a decisão1 do ministro Cristiano Zanin do STF que suspendeu a desoneração da folha de pagamento, prevista na lei 14.784/23 em análise da ADIn 7.633.

Promulgada nos últimos dias de 2023, a norma estendeu (destaque para o efeito continuativo) para empresas de dezessete segmentos, a possibilidade de substituir o recolhimento de 20% sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, além de reduzir de 20% para 8%, a alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha dos municípios com população de até 156.216 habitantes e por fim, a redução da alíquota de contribuição previdenciária sobre a receita bruta "CPRB" para 1%, para empresas de transportes rodoviários.

Independentemente de qualquer aprofundamento teórico quanto à validade (ou não) de decisão monocrática para suspender eficácia de lei, em observância à lei 9.868/99 e do art. 97 da Constituição Federal, que por si só já poderiam trazer um contorno às dúvidas sobre a aplicação imediata ou não desta decisão.

Embora o tema pareça ser inovador, a desoneração da folha de pagamento, dentre outras medidas, surgiu no ano de 2011 junto ao Programa "Plano Brasil Maior"2, idealizado para buscar o crescimento e aceleração nos investimentos produtivos, tecnológicos, na inovação das empresas nacionais e na busca pelo aumento na  competitividade dos bens e serviços.

Atualmente, os setores beneficiados e/ou impactados com o atual cenário são: construção civil, couro, têxtil, proteína animal, construção e obras de infraestrutura, transporte rodoviário coletivo, transporte rodoviário de cargas, transporte metroviário de passageiros, calçados, call center, confecção e vestuário, comunicação, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, projetos e circuitos integrados, TIC - tecnologia de comunicação e TI - tecnologia da informação.

Em sua decisão o min. Zanin justificou, em síntese, que a observância do equilíbrio fiscal, em busca da sustentabilidade das contas públicas, impõe a necessidade de atenção aos impactos orçamentários e financeiros.

Neste ponto, dentre outros fundamentos, destacamos os seguintes trechos da famigerada decisão:

Essa ponderação traduz a noção de sustentabilidade, segundo a qual é relevante e desejável que o desenvolvimento social buscado possa se prolongar ao longo do tempo, o que somente ocorrerá diante de um quadro de contas públicas equilibradas. Assim, para que as políticas públicas possam ser contínuas, exige-se um mínimo de controle e planejamento, evitando-se o endividamento público exagerado que pode, em última análise, comprometer a atividade estatal e os serviços prestados à sociedade. (grifamos)

Diante disso, neste momento processual, um dos principais aspectos a serem analisados é se os artigos impugnados ofendem o art. 113 do ADCT da Constituição Federal. Nessa linha, o quadro fático apresentado, inclusive com a edição de subsequentes medidas provisórias com o objetivo de reduzir o desequilíbrio das contas públicas indicam, neste juízo preliminar, que há urgência em se evitar verdadeiro desajuste fiscal de proporções bilionárias e de difícil saneamento caso o controle venha a ser feito apenas ao final do julgamento de mérito

Mas será que a diferenciação das alíquotas e/ou bases de cálculo das contribuições sociais, vigente a tantos anos não estavam sob o olhar do planejamento das contas públicas e/ou prorrogação?

Observa-se que o alicerce da fundamentação para concessão da liminar da ADI é o cumprimento do art. 113 do ADCT3, em especial a apresentação do impacto orçamentário e financeiro das medidas previstas nos art. 1º, 2º, 4º e 5º da lei 14.74/23.

A tese proposta pelo presidente da República para requerer a declaração de inconstitucionalidade já foi submetida ao STF no ano de 2020, por meio da ADI n. 6.632 de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski em que não houve análise da liminar em atenção ao procedimento abreviado previsto no art. 12 da lei 9.868/994, nem mesmo quanto ao mérito da ADI, em virtude da perda superveniente de seu objeto.

Retornando a decisão em referência, observa-se que o Relator do PL 334/235 (que tratou da desoneração), apresentou justificativa para a compensação da desoneração com o aumento da Cofins-Importação, estimada em R$ 2,4 bilhões e efeitos positivos que superam R$ 10 bilhões em arrecadação, além de mais de 620 mil empregos nos setores abrangidos, que poderiam servir para justificar a compensação entre o impacto e o efeito da medida.

Destaca-se ainda que, analisando as emendas do PL 334/23, observa-se que o Parlamento por diversas oportunidades se debruçou sobre os impactos ao orçamento da União e a projeção para os anos seguintes, como se observa pela Emenda do senador Esperidião Amin, que conta com a indicação de nova fonte de recursos para compensar a desoneração6:

Nos três anos seguintes, o impacto estimado é de R$ 7,6 milhões em 2024, R$ 7,8 milhões em 2025 e R$ 8,0 milhões em 2026.

(...) A fonte de compensação indicada consiste em recursos oriundos da regulamentação de apostas esportivas, que acarretará o recolhimento de impostos e contribuições sociais em valor muito superior ao da renúncia gerada por nossa emenda.

Ainda que não houvesse a análise do impacto orçamentário e financeiro, contrariando o trecho da fundamentação do veto presidencial ao PL 334/23, que deu origem à lei 14.784/23, por uma análise terminológica rigorosa, esta norma não criou renúncia de receita, mas tão somente a prorrogação de benefício já vigente em nosso ordenamento jurídico e que, não se reveste do conceito de criar e/ou promover renúncia de receita.

Sob este aspecto, considerando que a lei 14.784/23 não instituiu a desoneração, bem como, não ampliou os efeitos da renúncia já existente, podemos concluir que a exigência contida no art. 113 do ADCT, por si só não justificaria a suspensão da vigência da desoneração, pelo menos em sede de liminar.

A desoneração da folha é um tema que não guarda novidade, mesmo por que, teve previsão na EC 103/19 e por seu conjunto histórico-normativo, não poderia ser suspenso em verdadeiro "ato de surpresa", rompendo a estabilidade necessária para o planejamento, controle de despesas e demais reflexos aplicáveis de forma inesperada pela concessão da liminar.

No meio deste cenário, no último dia 17.5.23, o relator min. Zanin acolheu pedido da autora da ADI para suspender a discussão e consequentemente, os efeitos da decisão liminar:

Assim, com o objetivo de assegurar a possibilidade de obtenção de solução por meio de diálogo interinstitucional voltado a superar os afirmados vícios presentes na lei 14.784/23, atribuo efeito prospectivo à decisão que proferi em 25/4/24, a fim de que passe a produzir efeitos no prazo de 60 dias, a contar da publicação desta decisão.

Nos últimos dias, além dos municípios, as empresas vêm empregando esforços para cumprir a suspensão da desoneração (ou não), em muitos casos promovendo a judicialização de sua eficácia e ainda, a revisão de decisões financeiras sobre despesas em decorrência da abrupta suspensão da desoneração, promovida em caráter liminar.

Não se discute, por fim, a legitimidade da discussão quanto à inconstitucionalidade da desoneração da folha, mas sim, os contornos resultantes da suspensão liminar abrupta da forma de arrecadação presente há mais de uma década, sendo crucial ainda, dedicar a devida atenção à segurança jurídica e ao princípio da não surpresa.

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1 STF. ADI 7633 MC / DF

2 Apresentação do Programa Brasil Maior. Link de acesso: https://bibliotecadigital.economia.gov.br/bitstream/123456789/469/1/plano_brasil_maior_texto_de_referencia_rev_out11.pdf

3 ADCT. Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

4 STF. ADI n. 6.632/2020, Transcrição de trecho do voto do Relator Min. Ricardo Lewandowski

5 Senado Federal. Parecer-SF n. 36 de 2023. Relator Senador Angelo Coronel, 13.06.2023. Acesso em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9386881&ts=1690818467981&disposition=inline

6 Senado Federal. Emenda n. 01 ao PL n. 334/2023. Senador Esperidião Amin

Harrisson Barboza de Holanda

VIP Harrisson Barboza de Holanda

Advogado. Pós-Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas - SP. Sócio do escritório Holanda Advogados.

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