MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. As modificações legislativas e o constante debate em torno das leis orçamentárias

As modificações legislativas e o constante debate em torno das leis orçamentárias

O processo orçamentário é estruturado para garantir que a distribuição de recursos seja democrática e eficiente, com a atuação de deputados e senadores para atender as demandas de suas bases eleitorais.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Atualizado em 17 de dezembro de 2024 09:40

A dinâmica da proposição e execução das emendas parlamentares na LOA - Lei Orçamentária Anual tem sido uma questão central na política fiscal do Brasil, marcada por avanços, controvérsias e desafios em termos de transparência e controle. Essas emendas desempenham um papel crucial na distribuição de recursos entre Estados e municípios, sendo instrumentos importantes para os parlamentares garantir verbas que atendam às demandas locais. No entanto, ao longo dos anos, seu uso tem gerado discussões sobre a eficácia e a integridade do processo.

O art. 165, da CF/88 estabelece um mecanismo fundamental para o planejamento orçamentário no Brasil. Esse dispositivo determina que o projeto da LOA deve ser elaborado pelo Poder Executivo, mas com a participação essencial do Congresso Nacional, que pode influenciar a alocação dos recursos por meio das emendas parlamentares. O processo orçamentário é estruturado para garantir que a distribuição de recursos seja democrática e eficiente, com a atuação de deputados e senadores para atender as demandas de suas bases eleitorais.

O papel das emendas parlamentares tem uma regulamentação que foi se aprimorando ao longo dos anos. Inicialmente, as emendas não eram impositivas, ou seja, o governo Federal detinha o poder de decidir quando e como liberar os recursos solicitados pelos parlamentares. Essa liberdade de decisão dava ao Executivo uma ferramenta poderosa para negociar apoio político em votações estratégicas. A relação de troca entre a liberação de emendas e o apoio dos parlamentares em votações gerava insatisfações entre os legisladores.

Em 2015, com a EC 86, foi estabelecido que as emendas individuais passariam a ser impositivas, ou seja, o governo Federal passou a ser obrigado a executar as emendas de cada parlamentar dentro de um limite de 1,2% da receita corrente líquida do ano anterior. Contudo, o poder do governo sobre o ritmo de liberação dos recursos permaneceu intacto. Essa mudança visou conferir mais segurança e previsibilidade para os parlamentares, garantindo que as suas demandas fossem atendidas.

Em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro, o cenário político brasileiro assistiu a novas modificações importantes na forma de proposição e execução das emendas. A introdução das emendas de bancada, que passaram a ser impositivas, e a criação das chamadas "emendas Pix" (transferências especiais), uma forma de repasse acelerado de recursos a Estados e municípios, foram mudanças marcantes.

As emendas Pix, que visavam a transferência de recursos sem a necessidade de elaboração de projetos específicos, geraram um grande debate em torno da sua transparência e rastreabilidade. Essas emendas eram criticadas pela falta de clareza quanto ao destino dos recursos, uma vez que o processo de acompanhamento da execução estava desarticulado, dificultando a fiscalização efetiva. O problema da falta de transparência e a possibilidade de desvio de recursos tornaram-se pontos de alerta para o controle público.

Também surgiu a figura das "emendas de relator", que ficaram conhecidas como "orçamento secreto". Essas emendas permitiam que recursos significativos fossem direcionados sem a identificação dos parlamentares responsáveis pela indicação, nem a destinação específica das verbas. A falta de transparência, essencial para o controle público e a boa gestão dos recursos, gerou uma série de questionamentos sobre a utilização dessas emendas para fins eleitorais e de barganha política.

A discussão sobre a validade desse mecanismo ganhou força e o STF, em dezembro de 2022, considerou inconstitucional a prática do orçamento secreto, em razão da opacidade nas informações sobre as emendas de relator e da ausência de controle público adequado.

Após essa decisão, o Congresso Nacional, em um movimento de adaptação, incorporou mudanças na PEC da transição em 2023. Parte dos recursos anteriormente destinados às emendas de relator foi transferida para as emendas individuais, com a obrigação de execução ampliada para 2% da receita corrente líquida, e exigências adicionais de transparência, especialmente no que se refere à publicação das informações no portal da transparência e à inclusão dos dados no sistema Transfergov.br.

O STF através da ADIn 7697, trouxe um importante marco na regulamentação das emendas de relator e outras modalidades de emendas, como as de comissão e as transferências especiais. O Tribunal reafirmou, por unanimidade, a necessidade de monitoramento rigoroso das emendas, com foco na transparência das informações sobre os parlamentares responsáveis pela solicitação dos recursos, os beneficiários finais, e os critérios técnicos para a execução.

O julgamento da ADIn 7697 estabeleceu uma série de exigências para a retomada da execução das emendas, incluindo a obrigação de verificar que os dados estavam devidamente publicados no portal da transparência e na plataforma transfergov.br. Além disso, foi determinado que a execução de emendas apenas poderia ocorrer após a confirmação da conformidade com as diretrizes estabelecidas, sob pena de suspensão das transferências e responsabilização por falhas no processo.

Uma das decisões mais relevantes do julgamento foi a estipulação de que as emendas Pix só poderiam ser liberadas após a aprovação prévia do plano de trabalho pelo Poder Executivo. Essa medida buscou dar maior controle sobre os recursos, garantindo que a execução das emendas fosse compatível com os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e eficiência. 

O sistema de emendas parlamentares, criado para garantir que as necessidades de Estados e municípios fossem atendidas de maneira eficiente e transparente, passou por várias mudanças ao longo dos anos. Desde sua introdução até as recentes modificações no âmbito da PEC da transição e as decisões do STF, o uso das emendas reflete a constante busca por um equilíbrio entre o poder do Legislativo e o controle do Executivo sobre os recursos públicos.

Apesar dos avanços, os desafios em termos de transparência e fiscalização permanecem. A recente decisão do STF, que institui o monitoramento rigoroso das emendas, é um passo importante para combater práticas como o orçamento secreto e garantir que os recursos sejam utilizados de maneira legítima e eficiente. A reforma das emendas parlamentares, especialmente com a criação das emendas Pix e a obrigatoriedade de sua execução de forma transparente, marca um novo capítulo na gestão orçamentária no Brasil. No entanto, o sucesso dessas medidas dependerá do compromisso contínuo com o controle público e a eficácia das auditorias, que serão essenciais para assegurar que os recursos públicos cumpram sua finalidade de promover o desenvolvimento social e econômico do país.

Luiz Henrique de Cristo

Luiz Henrique de Cristo

Membro do Conselho Fiscal da NELTUR - Niterói Empresa de Lazer e Turismo S/A. Formado em Ciências Jurídicas pela Universidade Estácio de Sá e pós-graduado em Conciliação, Mediação e Arbitragem pela Universidade Cruzeiro do Sul. Atua na esfera contenciosa nas áreas trabalhista, empresarial e cível.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca