A falácia dos três pilares da reforma tributária
A reforma tributária falhou em atingir seus pilares: simplicidade, neutralidade fiscal e eficiência. A unificação de tributos compromete a autonomia federativa e aumenta a burocracia.
terça-feira, 4 de fevereiro de 2025
Atualizado em 3 de fevereiro de 2025 11:25
Os autores da reforma tributária, que fundiram o IPI, o PIS/Cofins, o ICMS e o ISS no IBS dual e na CBS Federal, partiram da premissa de que a fusão de tributos de competências impositivas diferentes se assentava em três pilares: simplicidade tributária; neutralidade fiscal e eficiência tributária.
O primeiro pilar, simplicidade tributária, foi martelada dia e noite na cabeça da população em geral pela grande mídia "estatizada".
Essa mídia foi decisiva para ganhar a simpatia da sociedade leiga, que ignora o fato de que não se pode unificar tributos de competência diferentes, sem destruir a forma federativa do Estado brasileiro, que assegura autonomia político-administrativa aos três entes da federação, por meio de impostos privativos discriminados nos arts. 153 (Federal), 155 (estadual) e 156 (municipal) da CF/88.
Nenhum dos três pilares anunciados foi atingido. Vejamos:
Simplicidade
Em geral pode-se dizer que simplicidade é a maneira de descomplicar as coisas, expressando o pensamento com clareza e objetividade, eliminado os excessos inúteis e desnecessários. Ela se manifesta na comunicação, na escrita, no estilo de vida do dia a dia e até mesmo na natureza em que a beleza se encontra de forma natural.
Logo, simplicidade tributária, a maneira de tornar o sistema tributário mais fácil de entender, administrar e dar é cumprimento. Envolve a redução de normas da legislação tributária, a unificação de tributos, quando for possível, e a facilitação do cálculo e pagamento de tributos.
Não se resume a simplificação tributária na reunião de tributos contra a forma federativa de Estado, que atribui impostos privativos a cada ente da federação como fez a reforma tributária sob comento. A multiplicidade de tributos, por si só, não atenta contra o princípio da simplicidade.
A EC 132/13, que promoveu a reforma tributária parcial unificando os tributos incidentes sobre o consumo, contém 491 normas, ao passo que o regulamento do IBS/CBS/IS, aprovado pela LC 214/25, contém 542 artigos que se desdobram em parágrafos, incisos e alíneas formando um conjunto de quase 1.000 normas.
Onde a simplicidade do sistema tributário?
Neutralidade fiscal
A neutralidade fiscal se insere no campo da política tributária eleita pelo governo, de sorte a estabelecer que os impostos causem o mínimo de distorção possível nas decisões econômicas das fontes produtoras de riquezas.
Em outras palavras, o peso da carga tributária não deve influenciar na escolha do consumo, do investimento, ou da alocação de recursos.
Para tanto, o sistema tributário não deve favorecer ou prejudicar setores específicos, devendo manter o princípio da livre concorrência.
Ora, a reforma tributária sob comento mantém a redução da alíquota-padrão de 26,5% em 30%, 50% e 60% causando distorções na demanda, direcionando os consumidores de produtos e de serviços. Só para ilustrar, no setor de saúde e remédios há centenas de produtos favorecidos por diferentes reduções, direcionando a escolha dos consumidores.
A neutralidade fiscal é incompatível com os diferentes incentivos fiscais como isenção e redução de alíquotas, com exceção daqueles voltados para a redução de desigualdades socioeconômicas entre as várias regiões, do país, como os Estados localizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que são pobres se comparados com os Estados situados nas regiões Sul e Sudeste.
Eficiência tributária
Significa eleição de política fiscal que busca maximizar a arrecadação tributária com o menor custo arrecadatório possível, e minimizando ao máximo a carga tributária tanto para o ente político tributante, como para o contribuinte. Esse princípio articula-se comos princípios de simplicidade e da neutralidade fiscal.
Ora, a reforma tributária sob análise criou o Comitê Gestor, uma autarquia Federal que executa funções de Estado como se fosse um quarto poder de República (arrecada e distribui o IBS aos Estados e municípios e julga em última instância administrativa os processos tributários).
Para desempenho dessas atribuições o Comitê Gestor cobra 60% da arrecadação do IBS de 2026, e 50% da arrecadação nos exercícios subsequentes.
Em relação aos contribuintes criou-se um caos legislativo com a produção de burocracia infernal em escala industrial.
O quadro atual, com certeza, será agravado com a elaboração de outras normas dotadas de sadismo burocrático, pois o Comitê Gestor ganhou o poder normativo e o poder de interpretar as normas que vier a elaborar.
Onde a eficiência tributária?
Essa reforma tributária, que destrói o único sistema tributário esculpido pela CF/88 e compatível com a peculiaridade da federação brasileira, foi um grande embuste do começo ao fim, com a ajuda da mídia "estatizada" que foi decisiva na arte de enganar a população leiga.
De forma cínica embutiu uma trava de 26,5% na alíquota do IBS, dispondo que na eventualidade dessa alíquota vir a ser superada em 2033, quando os Estados e municípios fixarem as suas respectivas alíquotas, o governo irá enviar ao Congresso Nacional projeto legislativo para reconduzir a carga tributária ao patamar de 26,5%.
Ora, é questão matemática! Se somarem à alíquota-padrão de 26,5% às alíquotas estaduais e municipais é claro que essa alíquota-padrão irá se elevar, descabendo especular com a hipótese eventual.
Enfim, a reforma tributária implantada pela EC 132/23 e regulamentada pela LC 214/25 atropelou os três pilares anunciados enfaticamente na exposição de motivos subscrita por seus autores, jejunos em direito e despidos de bom-senso.
Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.