Desafios das Concessões quando o Poder Concedente não é diligente
A atividade estatal nos contratos de delegação de serviços públicos sempre foi e continuará sendo a de protagonista.
quinta-feira, 27 de março de 2025
Atualizado em 26 de março de 2025 13:42
A prestação de serviços públicos, mediante sua delegação à iniciativa privada, seja por meio de contratos de concessão (ou mesmo por Parcerias Público Privadas - PPPs), exige uma relação equilibrada entre a Concessionária e o Poder Concedente.
No entanto, a experiência tem demonstrado que a falta de diligência da Administração Pública pode comprometer, significativamente, o cumprimento contratual e o alcance dos objetivos buscados com a contratação, qual seja, o atendimento à finalidade pública pretendida, gerando insegurança jurídica e inviabilizando a execução adequada dos serviços.
A ausência de fiscalização, governança e gestão públicas, bem como o acompanhamento adequado por parte do Poder Concedente, podem gerar dúvidas concretas, ocasionando interpretações divergentes sobre as obrigações contratuais, afetando não só a realização propriamente dos serviços, mas a previsibilidade e estabilidade dos contratos.
O Poder Público não pode, sob nenhuma hipótese, perder de vista que a obrigação de prover a população dos serviços públicos essenciais que lhe são garantidos pela Constituição Federal é exclusivamente sua e, portanto, indelegável.
O que é delegada à iniciativa privada, mediante a formalização de contratos administrativos - seja de concessão clássica ou PPP -, é a operação desses serviços. Porém, a responsabilidade pela sua efetiva entrega à população é, e sempre será, do Poder Público, que detém, constitucionalmente, de forma privativa, o Poder Regulatório, de Polícia e, via de consequência, de Fiscalização.
A atividade estatal em tais contratos de delegação de serviços públicos sempre foi e continuará sendo a de protagonista. É a Administração quem estabelece as condições de contratação do parceiro privado, as suas atribuições e as exigências que deverão ser atendidas.
Contudo, essas contratações estarão fadadas ao fracasso, caso o Poder Público, e no caso das concessões, o Poder Concedente, deixar de realizar as suas obrigações atreladas ao poder regulatório, de polícia e fiscalizatório.
O Poder Público, em tais contratos, tem o poder-dever de zelar para que sejam viabilizadas e asseguradas todas as condições à prestação dos serviços delegados por parte da Concessionária.
Ao contrato cabe estabelecer as linhas mestras, mas, para que seja alcançado o atendimento ao Interesse Público, a atuação diligente e efetiva do Poder Público é essencial, para promover a sua adequação, as correções de curso, que são necessárias, em especial devido ao longo prazo da execução contratual.
O contrato administrativo, firmado nos estritos termos da lei e da licitação que o precedeu, configura ato jurídico perfeito, que recebe guarida constitucional.
O art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, assegura que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", mas, na prática, a inércia do ente público pode desvirtuar o contrato originalmente firmado.
A falta de atuação efetiva do Poder Concedente - no cumprimento das obrigações que lhe são afetas - compromete o bom desempenho da contratação. Além do adimplemento das obrigações assumidas pela Concessionária, o sucesso da contratação dependerá do cumprimento fiel, por parte da Administração, de suas obrigações privativas indelegáveis.
A Concessionária não tem competência e, via de consequência, legitimidade, para aprovar e autorizar as condutas, procedimentos e correções necessários, tampouco, sponte propria, proceder aos reajustes ou revisões tarifários para a adequada execução do objeto contratual, por mais indiscutíveis que sejam.
A execução de investimentos, serviços e obras previstos no contrato de concessão depende, muitas vezes, da atuação do Poder Concedente, seja para licenciamento ambiental, desapropriações ou até mesmo aprovação de projetos, essenciais para que a Concessionária possa executar o objeto contratado, respeitando-se, sempre, o equilíbrio econômico-financeiro da equação contratual original, cuja proteção tem raiz constitucional.
O inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal de 1988 garante proteção ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos.
Exatamente em prestígio desse comando constitucional é que a lei 8.987/1995, ao regulamentar o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos prevê, em seu artigo 9º, que a concessionária tem direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
O Decreto nº 10.139/2019, que tratava da revisão e consolidação de atos normativos, diploma revogado pelo decreto 12.002/24, buscava simplificar processos administrativos, mas, na prática, a morosidade do ente público pode travar a execução de projetos essenciais.
A falta de diligência do Poder Concedente pode, portanto, implicar em descumprimento desse princípio.
As leis 8.666/1993 e 14.133/21 (nova lei de licitações) estabelecem que os contratos administrativos devem manter o equilíbrio econômico-financeiro ao longo de sua vigência.
Quando o Poder Concedente não realiza reajustes tarifários ou posterga a execução de obrigações contratuais (como repasses financeiros), a Concessionária pode enfrentar dificuldades financeiras que comprometem a prestação do serviço concedido.
A lei 13.655/18 alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), para incluir, em seu artigo 20, que nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão, o que deveria ser levado em conta para evitar paralisações indevidas de contratos de concessão.
Há que se ter em mente que todos perdem com a paralisação, suspensão ou extinção dos Contratos de Concessão.
A solução de continuidade na prestação dos serviços públicos essenciais concedidos à iniciativa privada não interessa à Concessionária, que comprometeu pesados recursos financeiros, nem ao Poder Público, que verá a execução do serviço público interrompida e terá dificuldades para o seu rápido restabelecimento, dada a burocracia administrativa, tampouco à população usuária dos serviços, que se a principal prejudicada.
O bom senso e o espírito público, que devem permear as decisões administrativas, se tornam ainda mais necessários para evitar o desgaste e, o mais grave, a ruptura das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o Poder Concedente e as Concessionárias de Serviços Públicos.
Embora a lei 13.129/15, que alterou a lei de arbitragem (lei 9.307/1996), tenha permitido o uso da arbitragem para dirimir conflitos em contratos administrativos, a ausência de mecanismos eficientes para a mediação e solução de controvérsias dentro do próprio Poder Concedente ainda é um entrave.
Muitas disputas acabam sendo levadas ao Judiciário, causando demora e prejuízos, não só para a Concessionária, mas, especialmente, aos usuários do serviço público.
Mesmo quando a inércia do Poder Concedente é a principal causa de falhas na execução contratual, a Concessionária acaba podendo ser responsabilizada perante os usuários e os Órgãos de Controle.
A lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) prevê a responsabilidade objetiva do prestador de serviços, o que pode levar a multas e penalidades, mesmo quando a falha decorre de omissão do ente público.
O fato é que independentemente da corresponsabilidade do Poder Concedente pelos problemas que afetam a execução dos serviços concedidos, as falhas na execução contratual configuram o cenário propício para que sejam aventadas: a possibilidade preliminar de intervenção e, posteriormente, de encampação ou caducidade.
Em alguns casos, as discussões extrapolam a via administrativa e são levadas a discussões judiciais.
No entanto, esse processo é complexo e extremamente moroso, o que, a primeira vista, poderia parecer interessante para o Administrador Público em exercício, mas extremamente prejudicial ao Poder Concedente, já que pode levar anos de litígio, trazendo insegurança jurídica para futuros investimentos no setor.
Seja como for, o fato indiscutível é que a falta de diligência do Poder Concedente compromete não apenas a sustentabilidade financeira das concessões, mas também a qualidade dos serviços prestados à população.
O cumprimento responsável, consciente e tempestivo das obrigações inerentes ao Poder Concedente, a adoção de processos mais céleres de solução de controvérsias promove o fortalecimento de mecanismos regulatórios e, juntamente com a observância das leis, garantem a adequada realização da execução dos serviços concedidos e a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Edgard Hermelino Leite Junior
Sócio do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
Marcia Heloisa Pereira da Silva Buccolo
Advogada no escritório Edgard Leite Advogados Associados. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade de Salamanca, Espanha e em Direito Público pela PUC-SP.



