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É factível a penhora de verba alimentar? Com a palavra a 2ª câmara Cível do TJ/RO

Agravo de instrumento 7055296-27.2022.8.22.0001 e reflexões sobre o Sisbajud de verba (supostamente) alimentar numa execução de título extrajudicial (crédito rural).

terça-feira, 15 de abril de 2025

Atualizado em 14 de abril de 2025 15:00

Entendendo o case público (agravo de instrumento no TJ/RO)

Não é novidade dizer que o Direito Processual efetivo é aquele que garante a tutela pretendida. Trata-se de um processo que vai para além da moldura processual; que observa a vida real e enxerga o consequencialismo das decisões judiciais.

Vamos pegar um caso público da vida real e analisá-lo à luz dos pilares mencionados (moldura processual; vida real e consequencialismo da decisão).

Trata-se do agravo de instrumento 7055296-27.2022.8.22.0001 (cujo processo originário é uma execução de título extrajudicial, oriundo de um crédito rural), de relatoria do desembargador Torres Ferreira, em trâmite na 2ª câmara Cível do TJ/RO - Tribunal de Justiça de Rondônia.

Ao tratarmos de um crédito rural, à primeira vista é comum que se evoque a imagem encantada do "Sítio do Pica Pau Amarelo", obra-prima de Monteiro Lobato, em que cenários e personagens fantásticos se misturam à narrativa. Contudo, essa visão lúdica esconde a realidade de que o trabalho rural transcende o imaginário, configurando-se como uma verdadeira e essencial atividade econômica. Esta perspectiva reforça a importância de o julgador ficar atento às narrativas e buscar a verdade real. Além disso, procurar ver as consequências endo e extraprocessuais das decisões judiciais.

Em 1/4/25, o eminente desembargador relator, suspendeu a decisão da 1ª vara Cível de Porto Velho, que acolhia o argumento de que verba alimentar não poderia ser penhorada e, com isso, manteve o bloqueio de valores.

Pontos de vistas de agravante (credor) e agravado (devedor)

No coração desta controvérsia, reside o debate sobre a real natureza dos valores bloqueados. O devedor argumenta que o montante é de caráter alimentar - fruto de sua atividade rural na produção e venda de leite -, condição que lhe confere proteção especial de impenhorabilidade.

Trata-se de uma perspectiva unilateral da moldura processual, sob a ótica da hipossuficiência.

Por outro lado, o Banco do Brasil ressalta que esses valores derivam do fomento gerado pela cédula rural pignoratícia e, por isso, servem não apenas para desenvolver a atividade econômica, mas principalmente para garantir o cumprimento das obrigações contratuais e sua força vinculante.

Trata-se de uma perspectiva unilateral da moldura processual, mas que também agrega análise econômica do Direito e consequencialismo.

Importância do diálogo entre a Justiça e a vida real

O Banco do Brasil destaca que, embora haja indícios de que os recursos possam ter origem na atividade rural, não foi comprovado de maneira inequívoca que estes compõem a totalidade da renda mensal do devedor. E complementa que a documentação acostada não guarda semelhança com as alegações do devedor.

Foi motivado que o bloqueio representa apenas uma parte reduzida do débito e não coloca em risco a subsistência do devedor, o que satisfaz o princípio do menor sacrifício do devedor ou menor onerosidade.

O relator, inclusive, enfatizou a importância de medidas que preservem tanto o direito do credor quanto a dignidade do devedor. Nesta perspectiva - equilibrada e dotada de sensatez processual e consequencialista -, ao conceder o efeito suspensivo, o desembargador avaliou que deveria evitar a devolução imediata dos valores ao devedor. Aqui, podemos mencionar a dificuldade em se estabelecer o status quo ante; o desestímulo ao processo efetivo e ao ODS 16 da ONU; a ineficiência da execução; o esvaziamento do sisbajud; etc.

No diálogo entre Justiça e vida real o STJ vem relativizando regras de impenhorabilidades. No REsp 2.172.631 - DF, ficou admitida a penhora de direito aquisitivo de imóvel "minha casa, minha vida", para pagamento de dívida com condomínio:

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DIREITOS AQUISITIVOS. PENHORA. POSSIBILIDADE. IMÓVEL VINCULADO AO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. PAGAMENTO DE DÉBITO CONDOMINIAL. EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE. 1. Ação de execução de título executivo extrajudicial da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 21/8/2024 e concluso ao gabinete em 26/9/2024. 2. O propósito recursal consiste em dizer se são penhoráveis os direitos aquisitivos derivados de contrato de alienação fiduciária de imóvel integrante do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) para pagamento de débito condominial. 4. Esta Corte Superior perfilha o entendimento de que é possível a penhora de direitos aquisitivos - de titularidade da parte executada - derivados de contrato de alienação fiduciária em garantia. 3. Nos contratos de alienação fiduciária em garantia de bem imóvel, a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais recai sobre o devedor fiduciante, enquanto estiver na posse direta do imóvel. Assim, como ainda não se adquiriu a propriedade plena, eventual penhora não poderá recair sobre o direito de propriedade - que pertence ao credor fiduciário -, mas sim sobre os direitos aquisitivos derivados da alienação fiduciária em garantia. Precedentes. 5. A partir da interpretação sistemática do inciso I do art. 833 do CPC/2015 e do disposto no §1º do mesmo dispositivo legal, conclui-se que são penhoráveis os direitos aquisitivos derivados de contrato de alienação fiduciária de imóvel integrante do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) para pagamento de débito condominial. 6. Na hipótese dos autos, não merece reforma o acórdão recorrido, pois, nos termos da fundamentação aqui adotada, autorizou a penhora dos direitos aquisitivos derivados de contrato de alienação fiduciária de imóvel integrante do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) para pagamento de débito condominial. 7. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Humberto Martins.

Brasília, 13 de novembro de 2024.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora

Impactos e perspectivas

Enquanto o Banco do Brasil celebra a manutenção do bloqueio - e, consequentemente, a continuidade da execução - o devedor celebra a nova oportunidade (agora, em sede de contrarrazões) de comprovar que o recurso é categorizado como verba alimentar de subsistência.

Ressalva-se a questão do equilíbrio da decisão. O TJ/RO foi técnico e preservou a função social da Justiça, distanciando-se do imaginário fantasioso do sítio e buscando a verdade real.

A fundamentação foi assertiva, ao reconhecer a correlação típica da cédula rural com os valores auferidos pela produção do devedor. Ela também foi consequencialista, ao enxergar os reflexos do ciclo de fomento da atividade e o correlato desenvolvimento socioeconômico.

O TJ/RO julgará o agravo e enfrentará a problemática aqui proposta: É factível o sisbajud e a penhora de verba (supostamente) alimentar?

A decisão não apenas define os rumos de uma disputa judicial (moldura processual), mas também reforça a importância de um debate amplo, em busca da primazia da realidade (ou verdade real) e procurando enxergar o que está em jogo no campo extraprocessual (consequencialismo da decisão; análise econômica do Direito; proteção à dignidade da Justiça; incentivo à boa fé e à cooperação; etc.).

Com a palavra a 2ª câmara Cível do Tribunal do Justiça de Rondônia!

Marcos Délli Ribeiro Rodrigues

VIP Marcos Délli Ribeiro Rodrigues

Advogado e Conselheiro Federal da OAB; Doutorando em Direito; Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável; Especialista em Processo Civil.

Antônio Uemerson de Carvalho

Antônio Uemerson de Carvalho

Advogado formado pela UFRN, respirando o Direito desde 2016. Pesquisador e entusiasta das intersecções entre D. do Trabalho e tecnologia, com olhar atento às inovações que transformam a nossa prática.

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