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Termo de compromisso na lei das bets: Condutas puníveis e sanções aplicáveis

Com a plena vigência da lei das bets em 2025, o setor de apostas esportivas no Brasil vive novo marco regulatório, com fiscalização rígida e sanções severas.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Atualizado em 15 de abril de 2025 13:43

A chegada de 2025 marcou o início da plena eficácia do arcabouço regulatório do mercado de apostas de quota fixa, construído em torno da lei 14.790/23 ("lei das bets") e complementado por diversas portarias, notas técnicas, e acordos de cooperação técnica emitidos/firmados pela SPA/MF - Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, órgão responsável pela regulamentação do setor.

O arcabouço regulatório atual conta com 24 portarias emitidas pela própria SPA/MF1, além de portarias interministeriais emitidas em conjunto com o Ministério dos Esportes e o Ministério da Saúde, e até março de 2025, já haviam sido concedidas 73 autorizações de operação, havendo 158 marcas hábeis a operar no mercado brasileiro2. Finalizada a transição regulatória, todas as plataformas de apostas por quota fixa ("bets") autorizadas a atuar no Brasil devem agora observar estritamente o arcabouço regulatório do setor, inclusive operando exclusivamente em sites com o domínio "bet.br"3

Nesse novo cenário, é esperado que a SPA/MF passe a atuar de maneira mais incisiva para fazer cumprir a lei 14.790/23, suas portarias, e normas que também regem suplementarmente o setor, como o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, o CDC, a lei dos crimes financeiros (lei 7.492/1986) e a lei de lavagem de dinheiro (lei 9.613/1998). É possível, portanto, que sejam instaurados processos administrativos para apurar a ocorrência de condutas puníveis por parte dos operadores neste mercado.

Nesse novo momento do mercado, é imperioso chamar atenção para a existência do instrumento denominado "Termo de Compromisso", previsto na lei de bets, que surge como uma alternativa viável para aqueles interessados em encerrar os processos administrativos movidos pela SPA/MF contra si, sujeitando-se a sanções mais leves e sinalizando à sociedade e ao mercado a preocupação em se manter aderente às normas do mercado regulado. 

Conceitualmente, o termo de compromisso se configura como um pacto de ajustamento de conduta ou não persecução, distinguindo-se de um acordo de leniência porque nele não há necessidade de aportes de elementos investigativos adicionais, por parte do compromissário, que auxiliem as autoridades públicas em uma investigação atual ou futura4.

Neste contexto, publicaremos uma série de artigos sobre os termos de compromisso na lei das bets. Neste primeiro artigo, apresentaremos (1) as condutas sancionáveis, (2) os sujeitos passíveis de persecução, (3) as penas prescritas e (4) a dosimetria incidente nas penalidades. Nos próximos artigos da série, abordaremos com mais profundidade as especificidades dos termos de compromisso na lei das bets. 

(1) Condutas puníveis na lei das bets

As condutas puníveis sob a lei das bets incluem:

  1. explorar apostas de quota fixa sem autorização prévia; 
  2. realizar operações ou atividades vedadas, não autorizadas ou em desacordo com a autorização concedida; 
  3. opor embaraço a atividades fiscalizatórias; 
  4. deixar de fornecer documentos à SPA/MF, fornecer documentos de conteúdo falso/equivocado, ou apresentá-los fora de prazo; 
  5. divulgar ações de publicidade ou propaganda de plataformas não autorizadas; 
  6. descumprir normas legais ou regulamentares sujeitas à fiscalização da SPA/MF; e 
  7. concorrer de qualquer forma para práticas atentórias à integridade esportiva, à incerteza do resultado esportivo, bem como para qualquer outro tipo de fraude ou interferência indevida capaz de afetar a lisura da atividade esportiva5

Destacam-se dentre as condutas puníveis aquelas que objetivam atribuir obrigatoriedade de adesão ao mercado regulado, sancionando aqueles que tentem operar sem autorização ou fomentem a utilização de plataformas não autorizadas. Por fim, é nítida a preocupação com o combate à manipulação de resultados, tema que tem atraído a atenção do setor nos últimos anos.

(2) Sujeitos passíveis de persecução pela lei das bets

Não apenas os operadores em si, pessoas jurídicas, mas também pessoas físicas que atuem como administradores, membros da diretoria ou do conselho de administração de empresa sujeita à fiscalização da SPA/MF também estão sujeitas às penalidades da lei das bets6. Ressalte-se, ainda, que uma ou mais pessoas podem ser consideradas responsáveis por uma mesma infração7 e que a SPA/MF também poderá monitorar e sancionar pessoas jurídicas desse mercado diferentes dos operadores, o que ficou claro com a edição da portaria SPA/MF 566/25, direcionada às instituições financeiras e de pagamento8.

(3) Penalidades prescritas para as condutas puníveis na lei das bets

As penalidades prescritas para as condutas puníveis na lei de bets incluem:

  1. advertência; 
  2. no caso de pessoa jurídica, multa de 0,1% a 20% sobre o produto da arrecadação, com limite mínimo equivalente à vantagem auferida e máximo de R$2.000.0000.000,00 (dois bilhões de reais) por infração; 
  3. para demais categorias, multa de R$50.000,00 (cinquenta mil) a R$ 2.000.0000.000,00 (dois bilhões de reais); 
  4. suspensão parcial ou total das atividades da plataforma por até 180 dias; 
  5. cassação da autorização; 
  6. proibição de obter nova autorização por até 10 anos; 
  7. proibição de realizar determinadas atividades ou modalidades de operação, pelo prazo máximo de 10 anos; 
  8. proibição de participar de licitação que tenha por objeto concessão ou permissão de serviços públicos, na Administração Pública Federal, direta ou indireta, por prazo não inferior a 5 anos; e 
  9. inabilitação para atuar como dirigente ou administrador de pessoa jurídica que explore modalidade lotérica, pelo prazo máximo de 20 anos9.

A (i) advertência, penalidade mais leve, é voltada principalmente para a aplicação em face de infratores primários, e a falha da plataforma em sanar a irregularidade poderá ensejar a imposição de multa10

Quanto à (ii) multa a pessoas jurídicas ou (iii) outras categorias, imperioso notar, aqui, uma clara proximidade da redação usada na lei de bets com a lei de defesa da concorrência, lei 12.529/11, que também serviu de inspiração para a lei anticorrupção, lei 12.846/13 e para a lei do processo administrativo sancionador no Sistema Financeiro Nacional, lei 13.506/17. Todas essas legislações, cumpre destacar, também possuem o termo de compromisso como instrumento de acordo com a Administração Pública. Nota-se que as penalidades aplicáveis aos operadores podem chegar a valores significativos, gerando possíveis dificuldades operacionais, para além dos danos reputacionais. 

Antecipa-se, aqui, a retomada de uma discussão histórica e controversa no CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica sobre a metodologia de cálculo da "vantagem auferida"11, também existente no âmbito da CGU - Controladoria-Geral da União.12

Já a (iv) suspensão parcial ou total das atividades da plataforma só pode ser efetivada quando "a continuidade da atividade resulte em ampliação do dano, considerando o lapso de tempo suficiente para o cumprimento da determinação e observado o limite máximo de cento e oitenta dias"13. Ou seja, trata-se de medida extremamente gravosa, que deve ser empregada de maneira excepcional pela SPA/MF. As sanções seguintes são ainda mais severas, podendo chegar à (v) cassação da autorização, à (vi) proibição de obter nova autorização por até 10 anos e à (vii) proibição de exercer certas atividades por até 10 anos.

Novamente, quanto à penalidade (viii) proibição de participar de licitação, nota-se clara aproximação com a lei 12.529/11 e a lei 12.846/13, que refletem paralelo com dispositivos semelhantes na lei de licitações e na lei de improbidade administrativa. Pela experiência consolidada do CADE na aplicação desta penalidade14, recorda-se a necessidade de aplicá-la com parcimônia, na medida em que representa a retirada de um concorrente do processo competitivo. Ademais, nota-se pela experiência do CADE entre 2012 e 2022 que a maior parte dos casos em que houve tal penalidade havia correlação com a prática de cartel em licitação, não sendo aplicável fora deste contexto. Reforça-se, ainda, a exigência de devida motivação da necessidade de aplicação dessa penalidade.

Por fim, quanto à penalidade (ix) de inabilitação para atuar como dirigente ou administrador pelo prazo de 20 anos, nota-se, novamente, aproximação com a lei 13.506/17 e com a lei sobre o mercado de valores mobiliários, lei 6.385/1976, que também prevê sanções de inabilitação para o cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta por prazos de 5 a 20 anos. As experiências do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários podem servir de fonte de estudos para eventual aplicação pela SPA/MF no âmbito da lei das bets. Ademais, retoma-se a existência de dispositivo semelhante, de sanção aplicável a pessoas físicas, na lei 12.529/11, que prevê a proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica15

(4) Dosimetria das penalidades prescritas para as condutas puníveis na lei das bets

A dosimetria das penalidades é afetada pela configuração de circunstâncias agravantes e atenuantes definidas em regulamento. 

Dentre as circunstâncias agravantes, podemos citar a (i) reincidência; (ii) a atuação mediante fraude ou dissimulação; (iii) omissão na mitigação dos danos gerados pela conduta; e (iv) quando a conduta possa ensejar violações sistemáticas às normas do mercado regulado, violações a direitos de crianças e adolescentes, ou dano coletivo considerável a apostadores ou terceiros16

Por sua vez, como circunstâncias atenuantes, que podem gerar redução de até 50% nas penalidades, contam (i) a primariedade, (ii) a boa-fé do infrator, (iii) o reconhecimento da prática ilícita pelo infrator, (iv) o dano reduzido gerado pela conduta, e (v) a adoção de providências para mitigar ou reparar os danos gerados pela conduta17

Ao contrário do regime sancionador estabelecido pela lei anticorrupção, que prevê um tabelamento prévio dos pesos atribuídos a cada circunstância relevante18, a SPA/MF ainda possui margem de discricionariedade para determinar o impacto das agravantes e atenuantes no cálculo da penalidade. É possível que esse quadro venha a se alterar com o amadurecimento da regulamentação e a edição de novas portarias pela SPA/MF, caso se entenda que o órgão precisa de critérios mais claros para proceder à dosimetria de suas sanções.

Pontue-se que a legislação sinaliza que a correção de eventual irregularidade, a alegação de ignorância, ou equívoco na compreensão normas legais e regulamentares vigentes, não servem para afastar a penalidade administrativa19. Ademais, as penalidades podem ser aplicáveis de maneira isolada ou cumulativa, sem prejuízo da aplicação de outras sanções nas esferas penal e civil20.

(5) Primeiras conclusões

Informações preliminares indicam que a SPA/MF terá uma ampla margem de discricionariedade para exercer seu poder de polícia no âmbito da lei das bets, supervisionando não apenas os operadores de apostas, mas todas as demais pessoas naturais e jurídicas que atuem nesse setor. A gravidade das sanções previstas, a abrangência das condutas passíveis de punição e a preocupação em mitigar danos reputacionais decorrentes de condenações na esfera administrativa podem tornar a adoção de uma solução negociada, como um termo de compromisso, uma alternativa atraente para encerrar os processos administrativos sancionadores instaurados com base na lei 14.790/23.

Nos próximos artigos da série, nos aprofundaremos na delimitação dos requisitos legais e regulamentares para a negociação e assinatura de um termo de compromisso perante a SPA/MF, os benefícios que podem ser obtidos pelo signatário com essa espécie de solução negociada e quais as fases de uma possível negociação.

______________

1 Número de março de 2025.

2 Informação obtida em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/composicao/orgaos/secretaria-de-premios-e-apostas/lista-de-empresas/planilha-de-autorizacoes-14-01-25.pdf, acesso em 30.3.2025.

3 Informação obtida em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2024/dezembro/mercado-de-apostas-de-quota-fixa-comeca-a-funcionar-plenamente-regulado-no-brasil-a-partir-desta-quarta-1-1, acesso em 14.4.2025.

4 ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil: teoria e prática - CADE, BC, CVM, CGU, AGU, TCU, MP. 2ª edição, Belo Horizonte, Fórum. P. 176.

5 Artigo 39, da Lei nº 14.790/2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm, acesso em 14.4.2025.

6 Artigo, 40, II, da Lei nº 14.790/2023, combinado com artigo 2º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-spa/mf-n-1.233-de-31-de-julho-de-2024-575659805, acesso em 14.4.2025.

7 Artigo 41, parágrafo único, da Lei nº 14.790/2023.

8 Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-spa/mf-n-566-de-20-de-marco-de-2025-619268422, acesso em 14.4.2025.

9 Artigo 41, incisos I a IX, da Lei nº 14.790/2023.

10 Artigo 29, §§2º e 3º, e 30, §6º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

11 CADE. Guia de Dosimetria de multas de cartel. 2023.

12 CGU. Processo Administrativo de Responsabilização - Manual Prático de Cálculo de Multa. 2020.

13 Artigo 29, §6º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

14 ATHAYDE, Amanda. GURGEL, Gabriela. MENEZES, Isabelle. DE ABREU, Thaiane. Da pena não pecuniária de proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e de participar de licitações com o poder público - inciso II do art. 38 da Lei nº 12.529/2011. In. ATHAYDE, Amanda. (Org). Sanções não pecuniárias no antitruste. 1ª Ed. São Paulo: Ed. Singular, 2022.

15 ATHAYDE, Amanda. CAUHY, Bárbara De'Carli, DE ASSIS, Larissa Salsano. Da pena não pecuniária de proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica - inciso VII do art. 38 da Lei n 12,529/2011. In. ATHAYDE, Amanda. (Org). Sanções não pecuniárias no antitruste. 1ª Ed. São Paulo: Ed. Singular, 2022.

16 Artigo 30, §5º, incisos I a III, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

17 Artigo 30, §6º, incisos I a V, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

18 Nos referimos aqui aos artigos 22 e 23, do Decreto nº 11.129/2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/decreto/d11129.htm, acesso em 14.4.2025.

19 Artigo 27, caput e incisos I e II, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

20 Artigo 29, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

Amanda Athayde

Amanda Athayde

Professora doutora adjunta na UnB de Direito Empresarial, Concorrência, Comércio Internacional e Compliance, consultora no Pinheiro Neto. Doutora em Direito Comercial pela USP, bacharel em Direito pela UFMG e em administração de empresas com habilitação em comércio exterior pela UNA, ex-aluna da Université Paris I - Panthéon Sorbonne, autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, comércio internacional, compliance, acordos de leniência, anticorrupção, defesa comercial e interesse público.

André Santa Ritta

André Santa Ritta

Advogado. Atua nas áreas de Direito Empresarial e Regulatório de Jogos e Apostas. Sócio no Pinheiro Neto Advogados e responsável pela área interdisciplinar do escritório dedicada ao setor de jogos e apostas. Master of Laws (LL.M) pela University of Chicago. Participou ativamente do processo de regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil. As opiniões dos autores são pessoais e não necessariamente representam a percepção das instituições às quais estejam vinculados

Lucas Santos de Sousa

Lucas Santos de Sousa

Advogado. Atua nas áreas de Contencioso Cível, Compliance e Anticorrupção. Associado em Pinheiro Neto Advogados. Master of Laws (LL.M) pela University of Pennsylvania (UPenn). Pós-Graduação em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). As opiniões dos autores são pessoais e não necessariamente representam a percepção das instituições às quais estejam vinculados.

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