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Mínimo existencial nas ações de superendividamento em negócios jurídicos bancários: Considerações sobre a legislação e a jurisprudência do TJ/RS

O mínimo existencial de R$ 600,00 deve ser respeitado em casos de superendividamento, variando conforme o tipo de crédito e perfil do devedor.

terça-feira, 29 de abril de 2025

Atualizado em 28 de abril de 2025 14:51

Em 1º/7/21, entrou em vigor a lei 14.181, a qual alterou a lei 8.078 (CDC) e a lei 10.741 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito responsável e a educação financeira ao consumidor, bem como dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento da pessoa natural.

A definição de superendividamento, segundo o § 1º do art. 54-A do CDC, é: "a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial". Incluem-se, no processo de superendividamento, quaisquer compromissos financeiros decorrentes de relação de consumo (atuais e futuros), sendo vedada a repactuação dos contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, as dívidas oriundas de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural (art. 104-A, § 1º do CDC).

Ainda, o plano de repactuação de dívidas deve prever a quitação integral da dívida no prazo máximo de 5 anos (art. 104-A do CDC), com carência de até 180 dias para a primeira parcela, após a homologação judicial, bem como assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço (art. 104-B, §4º, do CDC).

Há, nesse sentido, importante ressalva quanto ao sustento básico do consumidor, circunstância expressamente considerada pelo legislador, já que o art. 104-C do CDC consignou a necessidade de preservação do mínimo existencial, "nos termos da regulamentação". Atualmente, o decreto 11.567/23 estabelece que o mínimo existencial equivale a R$ 600,00 da renda mensal da pessoa natural.

A jurisprudência também tem sido provocada sobre o assunto. Nas ações de superendividamento e quanto aos créditos consignados em folha de pagamento, o TJ/RS vem limitando os descontos até o percentual máximo de 35% dos rendimentos líquidos, com acréscimo de até 5% para dívidas oriundas de cartão de crédito, tendo em vista o limite previsto no art. 1º, §1º, da lei 10.820/03.

O parâmetro de 35% é usualmente utilizado pelas Câmaras Cíveis do TJ/RS que julgam a matéria de Direito Bancário, como critério objetivo de aferição do excesso de cobrança que comprometa a subsistência do consumidor, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana1.

Por outro lado, estes percentuais podem variar dependendo da situação particular de cada endividado. Como exemplo, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, o decreto 43.337/04, com redação dada pelos decretos 43.480/04 e 43.574/05, regulamentou a LC estadual 10.098/1994 (Estatuto dos Servidores Públicos Estaduais), estipulando que: "a soma mensal das consignações facultativas e obrigatórias de cada servidor não poderá exceder a setenta por cento (70%) do valor de sua remuneração mensal bruta" (art. 15).

Ou seja, no que tange às consignações em folha de pagamento há, de modo geral, limitação no percentual dependendo da condição de cada devedor.

Já no que se refere aos empréstimos bancários comuns em conta corrente, o STJ firmou tese, ao julgar o Tema 1.085, em 9/3/22, no sentido de que "são lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da lei 10.820/03, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento".

Em outras palavras, não há parâmetros de restrições nestes casos, a não ser o mínimo existencial de R$ 600,00, regulamentado pelo decreto 11.567/23, o que deve ser observado, já que muitos devedores contratam empréstimos de diferentes naturezas. Inclusive, no julgamento do agravo de instrumento 52.502.817.520.238.217.000, o TJ/RS, ao analisar caso de pessoa que recebia a quantia bruta de R$ 1.794,00, possuindo desconto mensal a título de empréstimo de R$ 1.019,73, correspondente a 56,84% do salário, manteve os descontos, porquanto permanecia um saldo de R$ 774,27, ou seja, valor acima do considerado como mínimo existencial.

Após esta revisão legal e jurisprudencial, podemos concluir, portanto, que, na aferição do mínimo existencial nos casos de superendividamento, deve-se ter em conta o tipo de empréstimo (consignado ou comum), para que sejam aplicadas as limitações específicas de cada desconto, não se podendo esquecer que, em situações específicas, a condição do próprio endividado pode ensejar critérios distintos, como no caso dos servidores públicos estaduais do Estado do Rio Grande do Sul.

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1 Agravos de Instrumento: nº 50225831020258217000; nº 53257421920248217000; nº 51620287720248217000; nº 51633685620248217000.

Bruna Batistella

Bruna Batistella

Advogada associada ao Pereira Gionédis Advogados. Especialista em Direito Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí.

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