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Principiolologia. Código Civil. Análise, evolução, fundamentos

Princípios contratuais do CC/02. Função normativa e interações recíprocas. Transformação da dogmática contratual. Efetivação da justiça contratual. Proteção de partes vulneráveis.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Atualizado às 10:43

O Direito dos Contratos, historicamente influenciado pelo liberalismo clássico, privilegiava a autonomia da vontade e a mínima intervenção estatal. Contudo, as transformações sociais e econômicas do século XX revelaram a insuficiência desse modelo para garantir justiça e equilíbrio nas relações contratuais, marcadas por assimetrias e massificação. Os princípios jurídicos emergiram como elementos essenciais para um novo modelo, que, sem abandonar a liberdade, incorporasse valores de solidariedade e justiça social. O CC/02 refletiu essa evolução ao consagrar expressamente diversos princípios contratuais, conferindo-lhes eficácia normativa direta. A função social do contrato, a boa-fé objetiva e a equivalência material passaram a coexistir com os princípios clássicos, promovendo uma releitura funcionalizada da liberdade contratual.

A presente análise examina os principais princípios contratuais do CC/02, com ênfase em sua função normativa e interações recíprocas, demonstrando como transformaram a dogmática contratual e atuam na efetivação da justiça contratual e proteção de partes vulneráveis. A metodologia, pautada em pesquisa bibliográfica e na legislação vigente, identifica os contornos dogmáticos dos princípios e oferece interpretações críticas sobre sua aplicação, tomando como eixo normativo os arts. 421 a 426 do CC/02, bem como dispositivos constitucionais e leis correlatas. A delimitação temática recai sobre os seis principais princípios contratuais: autonomia privada, força obrigatória, efeitos relativos, função social, boa-fé objetiva e equivalência material.

A trajetória histórica do Direito Contratual demonstra sua conexão com os modelos econômicos e sociais de cada época. A transição do Estado liberal para o Estado social impôs uma reconfiguração dos fundamentos contratuais, deslocando o eixo da liberdade absoluta para a responsabilidade solidária. Nesse contexto, os princípios jurídicos ganharam centralidade, atuando como fontes autônomas de normatividade. O CC/02 materializou essa evolução principiológica, consagrando expressamente diversos princípios no campo contratual e consolidando um modelo mais plural, justo, solidário e funcional. A codificação civil vigente adota uma técnica legislativa mais aberta e valorativa, que reconhece a importância dos princípios como instrumentos de realização da justiça material.

A principiologia contratual consagrada no CC/02 representa uma ruptura com o paradigma formalista do século XIX, inaugurando um modelo pautado na ponderação entre liberdade e justiça. Os contratos, enquanto manifestações da autonomia privada, deixaram de ser compreendidos como expressões absolutas da vontade, para assumirem uma função relacional e social, vinculada ao cumprimento de finalidades éticas e constitucionais.

O princípio da autonomia privada negocial, embora mantido como pilar, passou por transformação, sendo inserido em um sistema valorativo mais amplo que impõe limites jurídicos, éticos e sociais à atuação dos particulares. A autonomia não é mais ilimitada, mas funcionalizada, sujeita a finalidades superiores como a justiça, a boa-fé e a função social dos contratos. O princípio da força obrigatória dos contratos, conhecido pela máxima pacta sunt servanda, estabelece que os contratos regularmente celebrados devem ser cumpridos tal como pactuados, vinculando as partes aos seus termos. O CC/02 incorporou essa nova perspectiva, permitindo a revisão ou resolução do contrato em casos de onerosidade excessiva (art. 478 e ss.), refletindo a consagração de uma força obrigatória condicionada à preservação do equilíbrio contratual.

O princípio dos efeitos relativos dos contratos estabelece que os contratos só produzem efeitos jurídicos entre as partes que o celebraram, não podendo impor obrigações nem conceder direitos a terceiros. O CC/02 reafirma o caráter pessoal do contrato, que vincula apenas os sujeitos nele identificados. Contudo, a complexidade das relações contratuais contemporâneas impõe exceções e relativizações ao princípio, sobretudo diante da função social do contrato. O princípio da função social do contrato constitui um dos pilares do modelo contratual contemporâneo, conferindo ao contrato uma dimensão que ultrapassa a vontade individual das partes. Sua previsão expressa no art. 421 do CC/02 estabelece que a liberdade contratual será exercida nos limites da função social, revelando um redirecionamento axiológico do Direito Privado.

O princípio da boa-fé objetiva representa um dos mais relevantes vetores do Direito Contratual contemporâneo, expressamente consagrado no art. 422 do CC/02. Ao exigir que os contratantes observem os princípios da probidade e da lealdade, a norma confere à boa-fé um caráter normativo que ultrapassa a moralidade subjetiva e alcança a exigência de condutas compatíveis com padrões éticos socialmente reconhecidos. O princípio da equivalência material surge como reação crítica à noção de igualdade formal tradicional. A equivalência material exige que o contrato seja equilibrado em seu conteúdo e efeitos, respeitando a proporção entre as prestações, fundamentando-se em valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a justiça social e a proteção da parte vulnerável.

Em considerações finais, o Direito Contratual brasileiro evoluiu de um modelo liberal-individualista para um paradigma social, onde justiça, solidariedade e dignidade da pessoa humana norteiam a estrutura e função dos contratos. O CC/02 materializa essa mudança ao reconhecer a força normativa dos princípios contratuais. A análise dos principais princípios revela um sistema que busca o equilíbrio entre segurança e justiça. A principiologia consagrada pelo CC/02 representa um avanço significativo na construção de um modelo contratual mais justo, equilibrado e funcional, conciliando liberdade com solidariedade, autonomia com controle e formalidade com substância, reafirmando o compromisso com a justiça social e a ordem constitucional vigente.

Richard Bassan

Richard Bassan

Advogado. Doutorando em direito, pós graduando em PE, venture capital e M&A. Mestre em economia e mercados e mestre em direito. Cartão digital Juscontact: http://www.juscontact.com.br/richardbassan

Renato Passos Ornelas

Renato Passos Ornelas

Mestre em Direito e Gestão de Conflitos pela Universidade de Araraquara (UNIARA). Professor Titular e Coordenador do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Amparense (UNIFIA).

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