A lei da liberdade econômica e o princípio da intervenção mínima nos contratos: O projeto de reforma do Código Civil como ameaça à segurança jurídica
Lei da liberdade econômica fortaleceu a autonomia privada, mas novo projeto do Código Civil ameaça segurança jurídica e liberdade contratual.
terça-feira, 13 de maio de 2025
Atualizado em 12 de maio de 2025 13:03
A celebração de um contrato representa a mais alta expressão da autonomia da vontade, princípio basilar do Direito Privado. Essa autonomia se manifesta na liberdade de contratar, na escolha das partes, dos objetos e das cláusulas que regerão o negócio jurídico. A interferência estatal, nesse cenário, deve ocorrer com parcimônia e apenas em hipóteses excepcionais, a fim de preservar o equilíbrio e a boa-fé, sem tolher a liberdade negocial.
Neste sentido, a promulgação da lei 13.874/19 - a chamada lei da liberdade econômica - marcou um avanço normativo considerável ao consolidar o princípio da intervenção mínima do Estado nas relações privadas. Essa legislação reafirmou a centralidade da autonomia da vontade nas contratações civis e empresariais, promovendo ambiente jurídico mais estável e propício ao investimento e à livre iniciativa.
A Lei da Liberdade Econômica, ao alterar os arts. 421 e 421-A do Código Civil, estabeleceu diretrizes fundamentais para a preservação da vontade das partes, o respeito à alocação contratual de riscos e a excepcionalidade da revisão judicial dos contratos. O parágrafo único do art. 421 instituiu a prevalência da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual. Já o art. 421-A do CCB consolidou a presunção de simetria e paridade, limitando o espaço para intervenções discricionárias por parte do Poder Judiciário.
Trata-se de um marco de racionalização do Direito Privado brasileiro, que alinha nossa legislação a modernas práticas contratuais internacionais. A liberdade de pactuar - respeitados os ditames legais e os princípios da função social e da boa-fé - passa a ser regra; a intervenção judicial, exceção.
Na contramão desse avanço, o PL 4/25, apresentado pelo Senado Federal sob a justificativa de "atualizar" o Código Civil, representa um grave retrocesso. Não se trata, como erroneamente propagado, de uma simples modernização legislativa. Trata-se, sim, da tentativa de instituir um novo Código Civil - com mais de 1.100 artigos - concebido sem o necessário debate público, análise técnica aprofundada ou estudo de impacto econômico.
A crítica que se impõe, portanto, não é apenas de conteúdo, mas também de método. O projeto foi elaborado de forma açodada e sem transparência, em um curto espaço de tempo, com aprovação massiva de dispositivos em reuniões sumárias, nas quais sequer se discutiram com profundidade os textos propostos.
No campo contratual, o novo projeto abandona a clareza e a segurança jurídica conquistadas com a Lei da Liberdade Econômica. Introduz conceitos imprecisos e desprovidos de densidade normativa, como os chamados "princípios da confiança e da probidade", erigidos como de "ordem pública", além de insistir em termos abertos como "função social do contrato" e "simetria", sem delimitar seus contornos operacionais.
Mais grave ainda, o texto permite que contratos nulos possam ser convalidados pelo julgador caso o negócio seja considerado "merecedor de tutela", expressão vaga e desprovida de critérios objetivos. Essa abertura interpretativa fragiliza a previsibilidade, transformando o juiz em coautor do contrato, em franca violação ao princípio da separação de poderes e ao próprio ideal liberal que sustenta o Direito Civil contemporâneo.
A instabilidade gerada pela proposta é incompatível com as exigências do ambiente econômico moderno. A possibilidade de revisão ampla de contratos, com base em conceitos fluídos, afugenta investidores e onera o custo das transações. A segurança jurídica cede lugar à incerteza, e o contrato deixa de refletir a vontade das partes para se transformar em um artefato moldável pela jurisprudência de ocasião.
A proposta de reforma do Código Civil ignora os pilares que sustentam o Direito Privado moderno: segurança jurídica, estabilidade das relações contratuais e liberdade negocial. Ao reabrir a possibilidade de intervenção judicial ampla e discricionária, ameaça a própria lógica do sistema e desmonta os avanços proporcionados pela Lei da Liberdade Econômica.
Não se pode admitir que, em nome de uma modernização apressada e tecnicamente deficiente, se sacrifiquem os princípios que conferem racionalidade e funcionalidade ao ordenamento jurídico. O Brasil precisa de estabilidade institucional e previsibilidade normativa - não de aventuras legislativas que minam a confiança dos agentes econômicos e desconstroem conquistas recentes.
Portanto, impõe-se que a comunidade jurídica, a sociedade civil e o setor produtivo se mobilizem em defesa do atual regime contratual e pela rejeição das alterações propostas no PL 4/25, reafirmando o compromisso com um Direito Civil que seja, ao mesmo tempo, moderno, seguro e fiel à autonomia privada.
Ulisses César Martins de Sousa
Advogado do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados



