MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Advocacia abusiva/predatória: Uma reflexão sobre desafios, impactos e caminhos éticos

Advocacia abusiva/predatória: Uma reflexão sobre desafios, impactos e caminhos éticos

A advocacia abusiva compromete a ética e a justiça. Combatê-la exige regulação, fiscalização, formação ética e inovação no sistema jurídico.

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Atualizado em 13 de maio de 2025 14:26

A advocacia abusiva, também conhecida como predatória, traz impactos sérios para o Judiciário, as partes e a sociedade. Seu combate passa por regulação, fiscalização, formação ética e inovação. Consolidar uma cultura jurídica mais responsável é fundamental para garantir o respeito à dignidade da profissão e à própria cidadania.

Advocacia abusiva é a prática, por parte de profissionais do Direito, de ajuizar demandas judiciais em massa, desprovidas de fundamento legal ou fático relevante, visando primordialmente vantagens econômicas ilícitas ou a sobrecarga do sistema Judiciário. Esse fenômeno se distingue de litígios legítimos coletivos ou estruturais - necessários e socialmente salutares - porque aqui o objetivo não é buscar justiça, mas utilizar o Judiciário como instrumento de pressão sobre partes adversas (especialmente grandes empresas), negociar acordos automáticos ou ainda lucrar com honorários sem compromisso real com o mérito das causas.

São exemplos recorrentes: (i) Propositura massiva de ações idênticas sobre temas julgados em repercussão geral ou repetitivos pelos tribunais superiores, sem respeito à jurisprudência consolidada; (ii) Peticionamento de demandas inverídicas com documentos padronizados para obtenção de "acordos de gabinete", especialmente nos juizados especiais; e, (iii) Apresentação de recursos meramente protelatórios e descabidos, visando apenas retardar a execução ou tumultuar o andamento do processo.

Os impactos negativos da advocacia abusiva

a) Para o Poder Judiciário:

  • Sobrecarga processual: O número excessivo de demandas abusivas contribui para o congestionamento dos tribunais, dilatando prazos e dificultando a prestação jurisdicional célere e eficiente.
  • Desgaste institucional: A credibilidade do Judiciário é abalada, ao ser visto como palco de expedientes oportunistas e não de debates sérios sobre direitos legítimos.

b) Para as partes:

  • Prejuízo financeiro e processual: Réus e autores acabam arcando com custas indevidas, honorários e, muitas vezes, sendo forçados a negociar para evitar desgaste material e emocional.
  • Insegurança jurídica: A proliferação desses litígios enfraquece o princípio da segurança jurídica, dispersando o foco nos processos legítimos.

c) Para a sociedade:

  • Desestímulo ao acesso à justiça: O aumento artificial de demandas prejudica quem realmente precisa do Judiciário, tornando a justiça mais cara e lenta para todos.
  • Desvalorização da advocacia: A imagem da profissão é comprometida, visto que práticas antiéticas contribuem para a generalização de estigmas negativos.

As motivações para a advocacia abusiva:

a) Econômicas:

Os honorários advocatícios em série podem gerar ganhos expressivos com baixo esforço intelectual, sobretudo nas chamadas "ações de prateleira".

Recompensas financeiras rápidas e oportunações para acordos com grandes litisconsortes passivos, tais como bancos e operadoras de telefonia.

b) Culturais e sistêmicas:

Sentimento de impunidade diante de penalidades brandas ou fiscalização insuficiente pelos órgãos de classe.

Cultura do "volume" em detrimento do compromisso com a qualidade e a ética, estimulada por escritórios que tratam o litígio como linha de produção.

c) Éticas:

Flexibilização de princípios éticos diante de pressões econômicas, concorrenciais e da própria precarização do mercado jurídico.

O combate à advocacia abusiva: Regulação e instituições:

a) Marco legal

O CPC (arts. 80 e 81) prevê punições para litigância de má-fé, incluindo multa e indenização por dano processual.

A legislação de regência da OAB estabelece padrões éticos e disciplinares, definindo infrações e penalidades para condutas incompatíveis com a dignidade da advocacia.

b) Judiciário e órgãos de classe

Tribunais têm editado súmulas, portarias e decisões que possibilitam o reconhecimento coletivo da litigância predatória, inclusive com bloqueio de demandas, aplicação de multas e envio de representações à OAB.

OAB - Ordem dos Advogados do Brasil vem se manifestando publicamente sobre o tema, instaurando processos disciplinares e orientando sobre boas práticas.

Sistemas de automação judiciária já identificam padrões repetitivos para alertar as corregedorias.

As boas práticas e prevenção.

Para advogados:

Avaliar criteriosamente a viabilidade jurídica do caso antes da propositura da demanda, evitando petições padrão sem análise individualizada.

Manter-se atualizado com a jurisprudência e privilegiar a solução consensual de conflitos.

Para empresas:

Implementar setores de compliance e canais de diálogo com clientes para resolução extrajudicial de demandas.

Monitorar causas frequentes e buscar aperfeiçoamento em políticas de atendimento.

Para o sistema de justiça:

Fomentar políticas de conciliação, mediação e arbitragem.

Investir na modernização de sistemas de detecção de demandas repetitivas abusivas.

Os desafios, opiniões e perspectivas futuras

Ainda que as iniciativas regulatórias estejam em constante evolução, o desafio maior é de ordem cultural e ética. A advocacia abusiva reflete distorções do próprio mercado jurídico - muitas vezes, alimentadas pelo volume, pela pressão do produtivismo e pela dificuldade de fiscalização.

Por isso, a importância das faculdades de Direito, que são pilares fundamentais para a qualificação do operador jurídico, devendo conjugar rigor técnico, formação ética e compromisso social. Regulamentações são robustas, porém desafios contemporâneos demandam inovação constante, inclusão e efetivação de práticas cidadãs. O aprimoramento da fiscalização e o incentivo à excelência são essenciais para alinhar a formação acadêmica às demandas complexas do cenário jurídico brasileiro.

O fortalecimento da cultura ética, com valorização do papel social do advogado, é fundamental. A tecnologia desponta como aliada, facilitando a identificação e o combate a práticas abusivas, mas não substitui a necessidade de formação ética contínua.

No futuro, é possível que vejamos:

  • Restrições procedimentais mais rígidas para ações em massa e recursos protelatórios.
  • Ampliação das responsabilidades pessoais de advogados e sociedades de advogados.
  • Valorização dos métodos alternativos de resolução de conflitos.

Vale registrar o Tema 91 do TJ/MG que foi admitido: necessidade de prévia tentativa de solução administrativa para configuração do interesse de agir, que fixou o entendimento de que o interesse de agir somente é constatado quando o consumidor comprovar que tentou solucionar a controvérsia de forma administrativa, conforme acórdão exarado no IRDR2922197- 81.2022.8.13.00001.

  • Adoção de mecanismos preventivos (como filtros informatizados) na distribuição das ações judiciais.

A advocacia abusiva representa não apenas um desvio do exercício profissional, mas ameaça a credibilidade da justiça, prejudica partes envolvidas e pode inviabilizar o acesso eficiente à tutela jurisdicional. É fundamental que a resposta a esse fenômeno seja sistêmica, preventiva e corretiva, combinando regulação, fiscalização e educação.

Enfrentar a advocacia abusiva é missão de toda a comunidade jurídica, exigindo vigilância, reflexão constante e disposição para aperfeiçoar o sistema - sempre em busca de uma advocacia digna e de uma justiça efetivamente democrática.

__________

1 https://drive.google.com/file/d/1o1hVDZ0psbXS2rBFgci9obzi7Myz2- qa/view?usp=sharing

Stanley Martins Frasão

Stanley Martins Frasão

Advogado, sócio de Homero Costa Advogados Diretor Executivo do CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca