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Atuação preventiva nas relações governamentais

No atual cenário regulatório, é possível e necessário contribuir e participar de decisões públicas de forma ética, estratégica e transparente.

terça-feira, 20 de maio de 2025

Atualizado em 19 de maio de 2025 13:56

A crescente complexidade do ambiente regulatório e político brasileiro impõe a empresas, associações e organizações da sociedade civil organizada uma exigência inadiável: atuar preventivamente e com estratégia junto aos Poderes Públicos.

Nesse contexto, as relações governamentais, entendidas como o conjunto de ações legítimas de interlocução entre atores privados e o Estado, assumem papel de protagonismo como instrumento de gestão de riscos, antecipação de mudanças regulatórias e construção da segurança jurídica.

A atuação institucional, quando exercida com ética, fundamento técnico e plena transparência, não é apenas compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, é incentivada por ele. Trata-se de um mecanismo legítimo e necessário para contribuir com decisões políticas e regulatórias, promovendo soluções que interessem ao setor público, ao setor privado e, em última instância, à sociedade como um todo.

O presente texto é fruto de um intercâmbio de ideias entre os advogados Edgard Hermelino Leite Junior e Laila Abud Sant'anna que, a partir de um debate técnico e reflexivo sobre a atuação preventiva nas relações governamentais e institucionais, consolidaram os principais pontos aqui desenvolvidos.

Mais do que opiniões individuais, o conteúdo reflete uma visão construída a partir da experiência prática e da observação criteriosa do tema.

Regulamentação das relações institucionais e governamentais no Brasil:

Importa, desde logo, delimitar alguns conceitos.

Relações governamentais são atividades voltadas à participação propositiva e informada de organizações privadas no ciclo de formulação de políticas públicas e na tomada de decisões administrativas ou legislativas que as impactem.

O chamado "lobby", por sua vez, consiste em um instrumento específico no âmbito das relações governamentais, caracterizado pela comunicação direta com autoridades públicas, visando apresentar pleitos, informações ou posicionamentos relevantes sobre temas de interesse setorial.

Portanto, embora relacionados, relações governamentais e "lobby" não se confundem. Este é uma técnica dentro daquele campo mais amplo, cuja regulação e transparência tornam-se cada vez mais necessárias para garantir legitimidade e efetividade ao processo democrático.

A atividade de relações governamentais encontra amparo constitucional no art. 5º, inciso XXXIV, alínea "a", que consagra o direito de petição a qualquer pessoa, física ou jurídica, para apresentar requerimentos aos Poderes Públicos visando a defesa de direitos ou o esclarecimento de situações que requeiram providências estatais. Em termos mais simples, é uma forma de chamar a atenção do Poder Público para determinado assunto, requerendo medidas a respeito e apresentando elementos concretos que justifiquem a providência.

Além disso, o art. 37 da CF/88, ao consagrar os princípios da publicidade, moralidade e impessoalidade, reforça a legitimidade da interlocução transparente e técnica entre os setores público e privado.

No plano infraconstitucional, destacam-se:

  • Lei 12.527/11 (lei de acesso à informação), que garante ao cidadão o direito de solicitar e obter informações da Administração Pública;
  • Lei 13.848/19 (lei das agências reguladoras), que promove a institucionalização de canais de participação social e diálogo técnico;
  • Código de conduta da alta Administração Federal (exposição de motivos 37/00), que delimita padrões éticos para o relacionamento com o setor privado;
  • Decreto 10.889/21, integrante do Plano Anticorrupção do Governo Federal, que regula a divulgação de agendas de agentes públicos e visa ampliar a transparência nas interações institucionais.

Essas normas expressam um movimento institucional consistente no sentido de conferir previsibilidade, transparência e integridade às relações entre Estado e sociedade civil organizada.

De forma complementar, tramita no Congresso Nacional o PL 2.914/22 (originado do PL 1.202/07), com o objetivo de regulamentar a prática do "lobby" no Brasil. A proposta busca conferir maior institucionalidade, controle e publicidade à atuação junto aos decisores públicos, alinhando o país a padrões internacionais já consolidados.

Afinal, o que caracteriza uma atuação governamental estratégica?

A resposta está na capacidade de compreender os fluxos decisórios, em conhecer e acompanhar a legislação correspondente, participar de consultas públicas para, assim, mapear e prevenir riscos normativos, antecipar movimentos regulatórios e identificar oportunidades no processo legislativo e administrativo.

Em outras palavras, é uma atuação baseada em inteligência, experiência e sensibilidade jurídica e institucional, com o intuito de levar ao ente público correlacionado ao tema as práticas vivenciadas no setor privado, como meio de fornecer dados e informações concretas, passíveis de subsidiar as decisões e políticas públicas, conferindo-lhes maior eficiência e resultados. Nesse contexto, o papel da advocacia é determinante.

A experiência acumulada na interpretação do ordenamento jurídico, combinada à familiaridade com os mecanismos formais e informais de elaboração normativa, permite ao advogado oferecer soluções consistentes, articuladas e compatíveis com os interesses legítimos de seus clientes.

Diante de um cenário regulatório cada vez mais dinâmico e desafiador, a atuação preventiva nas relações governamentais revela-se não apenas legítima, mas estratégica e necessária. Trata-se de um instrumento essencial para mitigar riscos, promover a segurança jurídica e contribuir, de forma ética e técnica, para o aprimoramento das políticas públicas.

Edgard Hermelino Leite Junior

VIP Edgard Hermelino Leite Junior

Sócio do escritório Edgard Leite Advogados Associados.

Laila Abud

Laila Abud

Advogada - Edgard Leite Advogados Associados. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP

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