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O dia mundial sem tabaco e o STF: OMS premia a Anvisa e alerta para estratégias da indústria do tabaco

Anvisa é premiada pela OMS por sua atuação contra o tabagismo; STF julga a validade da regulação de aditivos que mascaram o sabor do cigarro.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Atualizado às 14:34

O dia 31 de maio é o dia mundial sem tabaco e, neste ano, a Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária recebeu um prêmio da OMS - Organização Mundial de Saúde1 por suas contribuições excepcionais para o controle do tabaco no país, dentre outros 35 premiados de todas as regiões do globo.

Essa premiação comprova o importante papel da agência na efetiva política nacional de controle do tabagismo, que é responsável pela redução da prevalência de fumantes no país, que era de 34,8% em 1989 para 12,6% em 2019, através de diversas medidas, como restrição da publicidade de produtos de tabaco, promoção de ambientes livres do tabaco, adoção de advertências sanitárias e de tributação onerosa sobre esses produtos.

O Brasil tem se consolidado como referência no combate ao tabagismo, sendo o segundo país a alcançar o mais alto nível de implementação das medidas de controle do tabaco preconizadas pela OMS em 2019 e em 2023. A Anvisa, por sua vez, tem sido peça fundamental nesse processo, para a prevenção do tabagismo e para a redução da aceitação social do consumo de produtos de tabaco. 

Neste 31/5/25, a OMS preparou uma campanha com o slogan: "desmascarando a indústria do tabaco: expondo as táticas das empresas para deixar os produtos de tabaco e nicotina mais atrativos2", sob a justificativa de que "a indústria tenta sistematicamente encontrar formas de tornar estes produtos atrativos, e acrescenta sabores e outros agentes que modificam o cheiro, sabor ou aparência destes produtos. Esses aditivos têm como objetivo mascarar a aspereza do tabaco e, dessa forma, melhorar sua palatabilidade, principalmente pensando nos jovens".

Segundo a OMS: "Estas táticas podem contribuir para a iniciação precoce do consumo de tabaco ou de nicotina, conduzindo a potenciais dependências e consequências para a saúde ao longo da vida. Ao apresentar estes produtos de uma forma mais atrativa, a indústria não só expande seu mercado atual de consumidores, como também torna mais difícil deixar de fumar, prolongando a exposição a substâncias nocivas". 

Este mesmo debate está sendo travado no STF, em vias de ser julgado em repercussão geral, sob o Tema 1.252. Trata-se de um recurso que questiona a regulação, feita pela Anvisa, do uso de aditivos em produtos de tabaco, por meio da RDC - Resolução da Diretoria Colegiada 14/12.  Em julgamento já iniciado, o ministro Dias Toffoli apresentou brilhante voto favorável à constitucionalidade da norma, fortalecendo a atuação institucional da Anvisa.

A RDC 14/12 da Anvisa impõe restrições ao uso de determinados aditivos por questões de saúde pública. Dentre os aditivos vedados estão aqueles que conferem atratividade e palatabilidade a produtos de tabaco, suavizam a irritação causada pela fumaça, facilitando as primeiras tragadas e a manutenção do consumo de produtos que causam forte dependência, riscos de doenças e mortes, aumentam a toxicidade dos produtos de tabaco e dificultam a cessação do tabagismo por potencializarem a dependência.

A norma, importante medida de prevenção e de desestímulo ao tabagismo, principalmente para crianças e jovens, é baseada em evidências científicas3, que se acumulam4 em mais de uma década, sobre a sua centralidade na política nacional de controle do tabagismo no país.

Com sólido respaldo normativo, a RDC 14/12 materializa o poder-dever do Estado brasileiro de regular a indústria do tabaco à luz dos arts. 196, da CF/88, dos arts. 7º, inc. XV, e 8º, § 1º, inc. X, da lei 9.782/99. Aliás, o tema já foi objeto de julgamento no STF, na ADIn 4874, no qual, a partir de brilhante voto da ministra Rosa Weber, foi corroborada a constitucionalidade das competências da Anvisa para controle de tabaco. Agora, no Tema 1.252, o tribunal deverá se pronunciar especificamente sobre os termos da RDC 14/12.

A norma materializa também as ações do Estado brasileiro diante de obrigações do direito internacional dos direitos humanos. Nesse sentido, recente relatório publicado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos5 recomenda explicitamente medidas regulatórias para desincentivar o consumo de produtos que coloquem em risco a saúde pública, inclusive aquelas destinadas a reduzir a sua atratividade. A norma encontra respaldo também na Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (decreto 5.658/06)6 e nas Diretrizes Parciais para Implementação dos arts. 9 e 107 do tratado. 

Como se vê, apesar dos avanços regulatórios e do reconhecimento internacional para excelência de seu trabalho, a Anvisa tem sido constantemente desafiada pela pressão da indústria do tabaco e aliados nas esferas do Poder Público, que buscam impor seus interesses econômicos acima das questões de saúde pública.

Nessa estratégia que busca enfraquecer a Anvisa e as políticas de controle de tabaco, a indústria do tabaco usa argumentos que tentam afastar a saúde pública do centro do debate. Por exemplo, valem-se de um suposto aumento do mercado ilegal de cigarros que seria suscitado pela regulação de aditivos, ainda que prestigiosas instituições, como a OMS, o Banco Mundial, o Instituto Nacional do Câncer/Ministério da Saúde e a Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health sejam uníssonas em apontar que o mercado ilegal não está relacionado à adoção de políticas de controle do tabagismo. Ora, o mercado ilegal se combate por meio da implementação do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Tabaco (decreto 9.516/18). Aqui, o tema é saúde pública.

Apesar do avanço, o tabagismo segue como uma grave questão de saúde pública, com impactos sociais e econômicos8. É responsável por 12% de todas as mortes que ocorrem no Brasil em pessoas maiores de 35 anos e gera custos sociais que representam 1,55% do e 7% de todo o gasto com saúde.

Está nas mãos do STF definir a proteção das gerações presentes e futuras em relação à prevenção de graves doenças causadas pelo tabaco. Entre todos os cenários, o pior deles é contrariar todas as evidências científicas e admitir a venda de cigarros com sabores e gostos de guloseimas. Seria um retrocesso na política nacional de controle do tabagismo, reconhecida internacionalmente como bem-sucedida em salvar milhares de vidas.

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1 https://www.who.int/news/item/19-05-2025-world-no-tobacco-day-2025-awards---meet-the-winners

2 https://www.paho.org/pt/noticias/12-11-2024-dia-mundial-sem-tabaco-2025-desmascarando-industria-do-tabaco

3 https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/aditivos-em-cigarros-notas-tecnicas-para-o-controle-do-tabagismo.pdf

4 https://ninho.inca.gov.br/jspui/bitstream/123456789/14660/1/DNCF23-Nota-T%c3%a9cnica%20Coordenadores%2016.08.pdf

5 https://www.oas.org/es/cidh/jsForm/?File=/es/cidh/prensa/comunicados/2023/205.asp

6 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5658.htm

7 https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/diretrizes-parciais-implementacao-artigos-9-10-convencao-quadro-oms-conicq.pdf

8 https://tabaco.iecs.org.ar/wp-content/uploads/2024/05/20TABAQUISMO-BRASIL.pdf

Adriana Pereira de Carvalho

Adriana Pereira de Carvalho

Advogada e diretora Jurídica da ACT Promoção da Saúde.

Eloísa Machado

Eloísa Machado

Professora de Direito Constitucional da FGV Direito SP.

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