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Financiamento de litígios: Do acesso à justiça ao filtro de frivolidade

O artigo analisa o financiamento de litígios como ferramenta moderna de acesso à justiça, enfrentando estigmas, críticas e desafios práticos.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Atualizado em 4 de junho de 2025 14:28

I. - Introdução: Um mercado moderno com estigmas medievais.

O financiamento de litígios é um desenvolvimento recente de uma prática que remonta à Inglaterra na Idade Média, nas figuras da mainetance e champtry: A professora da Faculdade de Direito Sandra Day O'Connor da Universidade do Estado do Arizona1, Victoria Shannon Sahani, oferece a seguinte definição: "maintenance se trata de pessoas que não são parte de uma ação judicial fornecendo recursos para aquela demanda, e champerty é a prática da maintenance por lucro"2.

Max Radin3 aponta legislação inglesa no final do século XV destinada a coibir a prática que havia se tornado "um dos meios pelos quais homens poderosos engrandeciam suas propriedades e o contexto era inquestionavelmente o de guerra privada".

As regras criadas para limitar o uso do que viríamos a chamar de lawfare na Idade Média persistiram até meados do século passado e, em meados dos anos noventa, abriram espaço para o surgimento da indústria de litigation funding. De acordo com a professora Sahani4:

"Se você está tentando entender como chegamos até aqui, eu diria para começar na década de 1990. (...) É lá que seus marcos têm início. Os Estados Unidos ainda não é efetivamente um grande player na cena, mas você tem a Austrália e o Reino Unido fazendo alterações em suas legislações que abriram caminho para que o financiamento de litígio se tornasse mais prevalente."

Em meros cinco anos, o cenário deste mercado nos Estados Unidos mudou drasticamente. De acordo com matéria da Reuters5, datada de 27/03/2024, financiadores de litígio concentravam um total de US$ 15.2 bilhões no final de 2023.

Entre os apoiadores dessa revolução, se destaca o norte americano Richard Posner, identificado pelo The Journal of Legal Studies como o jurista mais citado do século XX6.  

Ao se juntar aos quadros de conselheiros da então start-up Legalist, Posner declarou que o "principal motivo para minha aposentadoria foi o fracasso da corte em tratar litigantes sem recursos financeiros de maneira justa", segundo comunicado disponibilizado pela empresa7. E ponderou que o "financiamento de litígio preenche uma importante lacuna para negócios com demandas válidas sem possuírem fundos para contratar um advogado."

A evolução da Legalist é um retrato da própria expansão do mercado em que está inserido, havendo a carteira de ativos sob sua administração saltado de US$ 10 milhões em 2018 para impressionantes US$ 1.5 bilhão em 20258.

É verdade, também, que a atividade encontra larga resistência de determinados grupos organizados, como a Câmara Comercial dos Estados Unidos (United States Chamber of Commerce) cuja oposição visceral chegou ao ponto de apontar no financiamento um fato de risco à segurança nacional9.

O alarmismo expresso pelos representantes de grandes companhias que, naquele sistema, são favorecidas pelo alto custo atrelado à atividade judicial, não surpreende.

Neste artigo analisaremos dois aspectos relevantes dessa ferramenta no contexto judicial brasileiro: sua contribuição para o acesso à justiça e sua utilidade enquanto filtro contra ações frívolas, esta uma crítica comumente lançada contra o instrumento.  

II. - O acesso à justiça e as custas em cumprimento de sentença no TJ/SP: o preço de fazer valer o bom direito.

Estar em juízo custa dinheiro. O truísmo poderia ser desafiado por aqueles que se opõem à tese ora sustentada apontando-se para a possibilidade de obtenção da gratuidade da justiça, como se o tempo e trabalho do patrono da causa não pudessem ser mensurados em termos monetários.

Talvez a modalidade mais difundida do financiamento de litígio se encontre na prática do patrocínio ad exitum, na qual o advogado investe sua força de trabalho na causa com a expectativa de receber seus honorários estritamente caso seja bem-sucedido.

Sendo inerentemente complexa a reunião de dados quantitativos acerca de contratos de representação, a experiência nos mostra a prevalência da modalidade, notadamente na seara trabalhista. É certo que, não fosse o risco assumido pelo próprio advogado, o número de indivíduos aptos a ver seu direito tutelado seria significativamente limitado.

Não se ignore que a obtenção do patrocínio de advogado particular já foi razão para que se negasse a concessão da gratuidade de tal modo disseminada que o CPC de 2015 a afastou de forma expressa, em seu art. 99, §4º, estabelecendo que a "assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça".

Há mais, entretanto, para que se considere pleno o acesso à justiça do que a representação técnica adequada perante o judiciário, como apontado na exposição de motivos do CPC/2015, assinada pela Comissão de Juristas que conduziu sua elaboração, ainda em 2010:

"Um sistema processual civil que não proporcio­ne à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.

Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo."

Entraves para a realização destes direitos são inúmeros, como enumera João Carlos Leal Júnior10, citando Mauro Cappelletti e Bryan Garth:

"É essencial, para que se implemente o princípio, que haja a transposição dos obstáculos à paridade de armas entre os litigantes, consoante se extrai da lição de Cappelletti e Garth.  Os autores apresentam como principais óbices: (i) as custas judiciais, eis que a resolução de litígios pelo Estado é demasiadamente dispendiosa na maior parte das sociedades modernas; (ii) o excesso de tempo, isto é, a morosidade do Estado em julgar e concretizar o comando judicial, decorrente de uma grande variedade de fatores; e (iii) a ausência de técnicas/instrumentos adequados à tutela de determinados interesses/direitos."

É de simples percepção a maneira que o financiamento de litígio contribui para superar o obstáculo das custas judiciais, mas sua função não está a estas limitada. Tomemos um quadro usualmente encontrado em nossa atuação voltada às chamadas special situations11 como exemplo.

Quando o tema morosidade é pautado, há uma tendência a se imaginar hipóteses que versem sobre o perecimento de direito. Entretanto, outro aspecto relevante é por quanto tempo um jurisdicionado suporta aguardar a execução de uma decisão judicial que lhe é favorável.

Com o passar dos meses e anos, o título judicial se torna insubstancial: execuções frustradas por técnicas sofisticadas de ocultação e blindagem patrimonial são lugar comum. Nesse período, o advogado que atua em caráter ad exitum não é remunerado enquanto seu cliente é mantido em estado de violação de direito, porque não efetivamente reparado o dano que ensejou sua busca pela tutela jurisdicional.

Neste cenário, a possibilidade de obter recursos junto a agentes do mercado de financiamento de litígios surge como alternativa à letargia do processo, garantindo à parte detentora do direito de cobrar um meio de realizar, mesmo que parcialmente, seu direito. O financiador, por sua vez, assim como o patrono, passa a partilhar do risco representado pelo inadimplemento da obrigação pelo devedor.

Bianca Maria Fusco Galvão Del Monaco12 oferece exemplos de situações em que o litigation funding desponta como instrumento viabilizador do acesso à justiça:

"Diante desses cenários [que obstaculizam a propositura da ação, como alto custo e escassez de recursos], as partes recorrem a um financiamento externo pois sem este seria impossível obter acesso à justiça. De tal forma, permite-se que uma ação, a qual jamais seria proposta, adquirida viabilidade. Como consequência, o litigation funding tende a proporcionar paridade de armas.

Os recursos que são providos pelo financiamento de litígios podem gerar liquidez imediata para a empresa contratante. Caso esta não possa arcar com custos de um procedimento arbitral ou um processo judicial, um financiador se compromete a pagar todos os gastos do litígio ou mesmo adiantar valores, que podem ser usados por uma companhia como capital de giro. Em troca, o financiador receberá o que for restituído pela sentença final."

O professor Daniel Kalansky13, em sua coluna Special Situations e Financiamento de Litígios do portal Migalhas, alcança semelhante conclusão:

"É fato que propor uma ação judicial exige recursos consideráveis - contratação de advogados, peritos, pagamento de taxas judiciais, entre outros. Por isso, antes de se ingressar em uma disputa - especialmente uma longa -, é essencial ponderar os custos, de modo a evitar a interrupção do processo por falta de recursos. É nesse ponto que o financiamento de litígios pode transformar o impossível em possível - especialmente para quem não dispõe de meios financeiros para arcar com os custos para promover uma ação judicial ou não deseja assumir os riscos envolvidos.

Assim, os fundos de investimento que eventualmente se interessem pela tese a ser defendida concordam em pagar os custos da ação judicial sob a condição de que, se a reivindicação for malsucedida, eles assumem o prejuízo e o investimento realizado será perdido. Por outro lado, caso a tese sagre-se vencedora, os investidores receberão uma parte do benefício econômico, em montante consideravelmente superior ao que investiram."

Conforme Robert B. Fuqua14, no cenário Norte Americano, porque financiadores usam seu capital e experiência para reduzir o desequilíbrio negocial em tratativas na fase pré-litigiosa, há um aumento qualitativo nas condições de acordos alcançados por partes que se valeram da operação, aproximando o jurisdicionado da conclusão justa de sua demanda sem que isso implique na sobrecarga do sistema jurídico.

Agregue-se a este complexo sistema os obstáculos criados pelo próprio Judiciário, como no curioso caso do novo regramento referente ao recolhimento de custas judiciais estabelecido pelo TJ/SP.

Um breve disclaimer: a questão não sendo recente, inspira este artigo o último andamento registrado no âmbito da ADI 7.718/SP que questiona a constitucionalidade do art. 4º, inciso IV da lei estadual de São Paulo 11.608/03, incluído pela da lei estadual de São Paulo 17.785/23 que estabeleceu a exigência de recolhimento de custas correspondentes a 2% do valor atualizado da causa para início da fase de cumprimento de sentença.

No dia 06/05/2025, o ministro Flávio Dino deferiu o ingresso do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo na qualidade de amicus curiae, trazendo aos autos dois pareceres dos quais destacamos aquele subscrito pelo professor Cassio Scarpinella Bueno.

Em seu estudo, aponta o parecerista com razão:

"Em rigor, no 'processo' de conhecimento e cumprimento de 'sentença', a sentença final não é a de encerramento da etapa de conhecimento do processo previstas nos arts. 485 e 487 do CPC, sentenças terminativas e definitivas, respectivamente, mas a do art. 925 do CPC que se ocupa com a finalização da etapa de cumprimento de sentença a ser encerrada, preferencialmente, com o reconhecimento da satisfação do direito do credor (reconhecido como tal pelo título executivo judicial) nos precisos termos do art. 924, II, do CPC.

E isto faz todo o sentido quando se traz à tona, como é correto, a compreensão de que os referidos avanços doutrinários acolhidos pela legislação processual civil impõem a compreensão de um 'processo' e/ou de uma 'ação' sincrético(a), em que as atividades judiciais destinadas ao reconhecimento do direito e à sua satisfação caminham pari passu, sem solução de continuidade, em um mesmo processo."

O argumento do professor enseja a indagação: quando a prestação jurisdicional pode ser considerada concluída? Com a estabilização da sentença ou com sua concretização?

Vimos, acima, que a atual processualística civil está pautada na entrega da tutela concreta, ao contrário do que a redação original do art. 463 do CPC/1973 estabelecia, ou seja, que "ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional".

Dito de outra forma, de que vale uma sentença condenatória não executada? Declarado o direito, continuamos considerando encerrada a atividade do Poder Judiciário que deverá ser provocado mais uma vez para ver materializada sua decisão?

Mais intrigante é a justificativa oferecida pelo TJ/SP ao submeter o PL 752/21 que deu origem à referida alteração no sistema de custas no estado:

"Em muitos casos, os processos de execução tramitam por longos anos, com a prática de inúmeros atos tendentes à constrição e expropriação de bens (ou seja, com a prestação efetiva do serviço judiciário nesta fase processual), podendo-se alcançar inclusive a satisfação de parcela expressiva do crédito exequendo, sem que, diante da redação da norma referida (que remete a cobrança das custas finais ao momento da satisfação integral da execução), qualquer valor seja recolhido aos cofres públicos." 

E, adiante, falando da eficiência sob o prisma da economia de atos processuais, a Corte aponta duas hipóteses que trata como inexoráveis e absolutas:

"Ressalte-se, ainda, que a atual sistemática não é eficiente sob o prisma da economia de atos processuais. Dois cenários, igualmente negativos, costumam ocorrer aqui. Se o exequente, após a satisfação do crédito de sua titularidade, efetua o recolhimento da taxa judiciária final, ele precisará apresentar nova memória de cálculo, seguida de intimação do devedor e eventualmente de novas medidas coercitivas ou sub-rogatórias, para fazer valer o princípio da causalidade e buscar o ressarcimento dessas custas finais do executado. Em um segundo cenário, o exequente, satisfeito o seu crédito, não recolhe as custas finais, sendo emitida, então, certidão para envio à Fazenda Pública Estadual e posterior inscrição na dívida ativa, com todos os percalços e insucessos daí decorrentes."

A solução apontada, e que reclama a intervenção do investidor privado como instrumento de retificação da incongruência normativa, é a cobrança de novas custas do exequente como condição para que persiga a concretização da decisão proferida pelo mesmo Tribunal:

"Como solução para esses problemas, propõe-se que a cobrança das custas da execução seja realizada exclusivamente no início da execução de título extrajudicial ou da fase de cumprimento de sentença, independentemente da satisfação integral ou parcial do crédito exequendo em momento posterior, porque, de qualquer modo, o serviço judicial é prestado pelo Poder Judiciário." 

Nenhuma atenção é dada, pelo documento, à problemática processual apontada pelo professor Cassio Scarpinella ou à indagação posta acima: qual o serviço prestado pelo Poder Judiciário se a sentença não terá valor, senão mediante pagamento de custas equivalentes à instauração de um novo e independente processo de execução?

A questão de ordem constitucional será oportunamente apreciada pelo STF, enquanto na dimensão prática, a alternativa que surge para credores aos quais se impõe o pagamento integral de um segundo processo para fazer valer os ideais de justiça satisfativa que pautaram a atual sistemática processual, é buscar socorro no mercado.

Repita-se: nestas condições, o financiador de litígio assume o risco do qual o Estado tentou se livrar, qual seja, do insucesso da fase executória do processo. Não raramente, o financiamento inclui o compartilhamento de know-how específico destinado a reestabelecer a paridade de armas vis-à-vis sofisticados estratagemas destinados a frustrar a liquidação do título judicial.

Isso posto, a rápida expansão do mercado de financiamento judicial se explica pelo vácuo deixado pela opção que o Estado fez ao se desvincular da efetivação de seus próprios julgamentos num ato que se assemelha à conhecida venda casada: para que o adquirente do serviço inicial tenha a chance de vê-lo efetivado, deverá contratar também um segundo e mais caro processo, ou se contentar com a declaração de que, sim, seu direito foi realmente violado. E só.

III. - A frivolidade: uma crítica desvinculada da lógica de mercado.

Dentre os críticos do litigation funding persiste a alegação de que o envolvimento de investidores desvinculados da relação jurídica objeto da demanda "encorajaria o ajuizamento de ações frívolas e abusivas"15.

Del Monaco16 retrata a essência do argumento:

"Para [Bradley W.] Wendel, muitas das vertentes contrárias ao litigation finance ainda estariam ligadas à crença de que o litígio é um mal em si mesmo e, para elas, o aumento do número de ações interpostas será sempre visto como algo negativo, ainda mais se forem trazidas a julgamento uma maior quantidade de ações sem mérito (frivolous lawsuits). Destarte, a indústria de financiamento de litígios seria vista como responsável pela ampliação da quantidade de interposição desse tipo de ações."

Esta asserção é veementemente desafiada por David. R. Glickman17:

"Esse argumento não tem base sólida, todavia. [Financiadores de litígio] estão realmente interessados em receber um belo retorno sobre o capital, mas isso os incentiva a apenas adiantar dinheiro para autores com demandas meritórias. Nas palavras de um dos maiores financiadores na indústria de hoje, '[f]inanciar ações sem mérito é um caminho certo para perder dinheiro.' [Financiadores] no contexto comercial conduzem significativa due dilligence antes de prosseguir com um investimento porque eles oferecerem investimentos substanciais sem garantia de recuperação. [Financiadores] avaliam múltiplos fatores incluindo tipo e solidez de uma ação, jurisdição, provas, danos potenciais, perspectivas de acordo, e expertise da representação jurídica."

Esta perspectiva se torna ainda mais relevante no contexto brasileiro em que a facilidade para se perpetuar uma demanda ou protelar a satisfação do crédito sub judice servem de incentivo ao inadimplemento.

A cultura brasileira da litigiosidade é bem conhecida dos operadores do direito. Em estudo empírico, Victor Roberto Corrêa de Souza18 notou "ser muito mais fácil encontrar no cotidiano forense ações repetitivas e atomizadas de megaconflitos, passíveis de solução coletiva, do que presenciar a disposição das partes ao consenso e à conciliação".

Neste cenário, é difícil, quiçá impossível, vislumbrar a viabilidade econômica de um modelo de negócios direcionado ao financiamento de pretensões desamparadas de sólido respaldo normativo e probatório na esperança de alcançar acordos favoráveis ao investidor.

Ao contrário, a lógica de mercado deve conduzir os grandes agentes econômicos a apostar naquelas causas em que, não sendo garantido, o direito reclamado aponta para uma chance mais do que razoável de sucesso.

Ou, como registra Del Monaco19, de acordo com os defensores do funding:

"O financiamento de litígios, ao contrário [da asserção crítica de incentivo à frivolidade], atuaria como filtro em relação a ações sem mérito, pois o processo de análise liminar do caso, realizado pelos profissionais contratados pelo financiador, selecionaria situações com maiores chances de sucesso ao final do julgamento, evitando, mormente, as ditas ações frívolas."

Ademais, na prática, a maioria dos contratos de financiamento de litígio são firmados no curso do processo20. Essa realidade, per se, contraria a noção de que os fundos disponibilizados incentivariam aventuras judiciais.

Outrossim, o destino de uma demanda frívola não seria alterado quando de seu julgamento, uma vez que há um limite claro na vantagem que o autor pode extrair de recursos financeiros adicionais se o direito não lhe assiste.

Já uma pretensão legítima pode ganhar novo fôlego quando a escassez de recursos deixa de ser um elemento determinante, seja na produção de provas técnicas, seja por meramente eliminar da equação a necessidade imediata de composição pelo detentor do direito submetido a circunstâncias de pressão econômica estranhas ao processo.

Promovidas ações fundadas em razões robustas em detrimento daquelas que podemos taxar de frívolas, o funding promove um filtro de relevância que, a longo prazo, tende a resultar na formação de precedentes qualitativamente superiores pelo simples reestabelecimento da verdadeira paridade de armas.

IV. - Conclusão: Diga-me com quem andas...

A vertiginosa expansão do mercado de financiamento de litígios permite que, quando menos, se possa apontar a existência de ampla demanda pelo serviço e, por decorrência lógica, a confirmação daquilo que é senso comum: a justiça se alcança por uma via pedagiada.

Enquanto o TJ/SP opta por criar barreiras para a realização de seus julgados, se apartando dos ideais que moldaram a elaboração do atual CPC para se eximir do risco de frustração da execução, o mercado opta por apostar em casos sólidos, suportando o prejuízo que recairia exclusivamente sobre o jurisdicionado.

O fato de que uma das principais detratoras do litigance funding é, precisamente, a Câmara Comercial dos Estados Unidos, listada como a maior lobista daquele país, havendo aplicado aproximadamente US$ 2 bilhões na defesa dos interesses de grandes empresas entre 1998 e 202521, convida à ponderação.

Em última análise, e admitindo-se o risco de emprestar ares conspiratórios ao argumento, é preciso se indagar a quem interessa a perpetuação do status quo abalado pela prática.

É certo que o financiador de litígios, usualmente, não empenha seus recursos com o propósito idealizado de garantir o reequilíbrio das relações processuais e o reestabelecimento da paridade de armas: estes são virtuosos subprodutos obtidos pelo preenchimento da lacuna deixada pelo Poder Público.

O acesso à justiça já não pode ser compreendido como a mera garantia de petição: é preciso que o processo seja uma arena neutra, limitando a pressão econômica que sujeita o litigante à velha e distorcida lógica do "melhor um mau acordo do que uma boa causa".

Entre aqueles que perseguem vantagem limitando a capacidade de litigar de quem não dispõe de amplos recursos e o professor Richard Posner, há amplas razões para cerrar fileiras com o segundo, independente do grau de altruísmo da opção.

_______

1 Arizona State University Sandra O'Connor Day College of Law.

SAHANI, Victoria Shannon. "Sahani offers the following simplified distinction: Maintenance is about people who are not party to a legal case providing funding for that case, and Champerty is Maintenance for a profit." In A Brief History of Litigation Finance, The Practice - Setembro/Outubro de 2019, Center on the Legal Profession, Harvard Law School, disponível em https://clp.law.harvard.edu/knowledge-hub/magazine/issues/litigation-finance/a-brief-history-of-litigation-finance, acessado em 26/05/2025, tradução livre.

3 RADIN, Max, Maintenance by Champerty, 24 CALIF. L. REV. 48, 74-75 (1935), disponível em < https://lawcat.berkeley.edu/record/1108995/files/fulltext.pdf., acessado em 26/05/2025, tradução livre.

4 SAHANI, Victoria Shannon. Op. cit. "If you are trying to understand how we got here, I would say start in the 1990s," she says. "That's where your milestones begin. The United States isn't really a big player on the scene yet, but you've got Australia and the United Kingdom independently making moves in their legislatures that paved the way for litigation funding to become more prevalent.", tradução livre.

5 Disponível em https://www.reuters.com/legal/transactional/us-litigation-funding-state-flux-deal-commitments-dip-says-report-2024-03-27/, acessado em 27/05/2025.

SHAPIRO, Fred R. "The Most-Cited Legal Scholars". Journal of Legal Studies. 29 (1): 409-426, The University of Chicago, 2000, p. 409/426.

7 Citado em  https://www.law.com/plc-ltn/2019/06/21/posner-casts-lot-with-litigation-funding-underdog-legalist-397-21737/>, acessado em 28/05/2025, tradução livre.

8 Disponível em < https://www.legalist.com/about>, acessado em 28/05/2025.

9 Disponível em < https://www.uschamber.com/lawsuits/setting-the-record-straight-on-third-party-litigation-funding>, acessado em 28/05/2025.

10  JÚNIOR, João. 13. Neoconstitucionalismo e o Acesso à Justiça no Estado Brasileiro Contemporâneo In: ALVIM, Teresa; JR, Fredie. Doutrinas Essenciais - Novo Processo Civil - Teoria Geral do Processo I. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2018. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/doutrinas-essenciais-novo-processo-civil-teoria-geral-do-processo-i/1196959225. Acesso em: 28/05/2025.

11 Special situation é a nomenclatura utilizada para uma "modalidade de investimento em ativos alternativos e de alto retor financeiro, com elevada complexidade jurídica" (KALANSKY, Daniel. Um pouco do dia a dia de special situations, in Special Situations e Financiamento de Litígios, Migalhas, 2024, disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/special-situations-e-financiamento-de-litigios/413522/um-pouco-do-dia-a-dia-de-special-situations, acessado em 29/05/2025.

12 DEL MONACO, Bianca Fusco Galvão. Financiamento de Litígios, Rio de Janeiro : Lumens Juris, 2021, p. 145.

13 KALANSKY, Daniel. Financiando Mr. Bates, in Special Situations e Financiamento de Litígios, Migalhas, 2024, disponível em < https://www.migalhas.com.br/coluna/special-situations-e-financiamento-de-litigios/421455/financiando-mr-bates, acessado em 29/05/2025.

14 FUQUA, Robert B. How Litigation Funders Have Improved the Quality of Settlements in America, Harvard Negotiation Law Review, 2020, disponível em < https://journals.law.harvard.edu/hnlr/2020/08/how-litigation-funders-have-improved-the-quality-of-settlements-in-america>, acessado em 29/05/2025.

15 BEISNER, John H. et al, Selling More Lawsuits, Buying More Trouble: Third Party Litigation Funding a Decade Later, U.S, Chamber Institute for Legal Reform, 2020, p. 12.

16 DEL MONACO, Bianca Maria Fusco Galvão, op. cit., p. 139.

17 GLICKMAN, David R. Embracing Third-Party Litigation Finance, 43 Fla. St. U. L. Rev. 1043 (2017), disponível em https://ir.law.fsu.edu/lr/vol43/iss3/6, acessado em 29/05/2025, p. 1059, tradução livre.

18 SOUZA, Victor Roberto Corrêa de Souza. 18. O Novo Código de Processo Civil Brasileiro e a Audiência de Conciliação ou Mediação Como Fase Inicial do Procedimento In: Doutrinas Essenciais - Novo Processo Civil, Vol. IV. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2018. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/doutrinas-essenciais-novo-processo-civil/1394843952. Acessado em: 29/05/2025.

19 DEL MONACO, Bianca Maria Fusco Galvão, op. cit., p. 141.

20 GLICKMAN, David R., op. cit., p. 1060.

21 Conforme estudo permanente da OpenSecrets, grupo apartidário de pesquisa dedicado a monitorar a utilização e efeitos do capital privado na política norte americana. Disponível em https://www.opensecrets.org/federal-lobbying/top-spenders?cycle=a, acessado em 29/05/2025.

Arthur Dias da Silva

Arthur Dias da Silva

Sócio da Mazzotini Advogados Associados.

Guilherme Barros

Guilherme Barros

Advogado da área de Special Situations e Recuperação Avançada de NPLs.

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