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Direitos do paciente com câncer junto ao plano de saúde

Mesmo com negativas, o paciente com câncer tem direitos garantidos por lei. Saiba o que exigir do plano de saúde e baixe a cartilha gratuita.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Atualizado às 14:00

O diagnóstico de câncer, por si só, já representa uma grande ruptura na vida do paciente e de sua família. Quando o plano de saúde se torna um obstáculo - ao invés de um aliado - negando medicamentos, exames ou procedimentos, o impacto é ainda mais devastador.

As alegações mais comuns dadas pelo plano de saúde para negativa é que o contrato não prevê determinada cobertura, ou que a ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar não previu o tratamento em seu rol de procedimentos e eventos, ou que não há previsão das diretrizes de utilização.

Acontece que a lei 9.656/1998 traz as regras que devem ser observadas pelas operadoras e os limites em relação à responsabilidade pelo custo de tratamentos e a ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar é responsável por regulamentar temas não abrangidos pela legislação.

Neste artigo, explico os principais direitos do paciente oncológico frente ao plano de saúde, com base na lei 9.656/98, na jurisprudência atualizada do STJ e no Estatuto da Pessoa com Câncer (lei 14.238/21).

O Estatuto da Pessoa com Câncer fortalece seus direitos

O Estatuto da Pessoa com Câncer (lei 14.238/21) reforça o direito ao tratamento digno, integral, contínuo e no tempo adequado, inclusive pela via suplementar (planos de saúde).

A lei 14.238/21 garante tratamento integral, digno e humanizado, sem atrasos, com acesso a terapias eficazes e respeito à autonomia do paciente.

É uma norma que reforça a responsabilidade das operadoras de saúde e do próprio Estado.

Principais garantias previstas no Estatuto:

  1. Direito ao tratamento universal e equânime, sem discriminação (art. 1º e 3º).
  2. Atendimento em tempo adequado desde o diagnóstico (art. 3º, IV).
  3. Informações claras sobre o diagnóstico e o tratamento, em linguagem acessível (art. 4º).
  4. Acompanhamento multidisciplinar, incluindo aspectos físicos, psicológicos e sociais (art. 5º).
  5. Respeito à dignidade e autonomia do paciente em todas as etapas do cuidado (art. 2º).
  6. Direito a cuidados paliativos quando for o caso, com garantia de conforto e bem-estar (art. 6º).

O que os planos de saúde devem garantir ao paciente com câncer

Ao ser diagnosticado com câncer, o paciente passa a ter direito ao tratamento integral da doença, conforme o art. 35-F da lei 9.656/98, que prevê expressamente que a assistência à saúde deve englobar todas as ações necessárias à recuperação, manutenção e reabilitação do paciente.

Veja abaixo o que os planos de saúde são obrigados a cobrir quando há prescrição médica fundamentada:

1. Quimioterapia oral (comprimidos);

2. Imunoterapia (como Nivolumabe, Pembrolizumabe, etc.);

3. Medicamentos de alto custo, mesmo fora do rol da ANS (decisão do STJ);

Os planos devem cobrir medicamentos registrados na Anvisa, mesmo que não constem no rol da ANS ou sejam de uso off-label (fora da bula), desde que haja prescrição médica justificada e respaldo técnico.

Exemplos comuns: Palbociclibe (Ibrance), Enzalutamida, Trastuzumabe Entansina, entre outros.

4. Exames genéticos e moleculares (quando definem a conduta médica). Exames como o Oncotype DX, FoundationOne ou painéis genéticos para câncer hereditário são fundamentais para determinar o tipo e agressividade do tumor e, assim, orientar o tratamento. Mesmo que não estejam expressamente listados no rol, o Judiciário tem reconhecido sua essencialidade, garantindo cobertura com base no princípio da integralidade do tratamento.

5. Cirurgia plástica reconstrutora após mastectomia;

6. Internação sem tempo limite;

7. Home care. Se indicado como substituto da internação hospitalar, e o plano oferecer esse tipo de serviço no contrato ou rede, é obrigado a fornecer. A recusa tem sido derrubada judicialmente com base na equivalência terapêutica e humanização do tratamento;

8. Atendimento multiprofissional (nutricionista, psicólogo, fonoaudiólogo);

9. Cuidados paliativos, garantidos em lei.

A saúde suplementar cumpre propósitos traçados em regras legais e infralegais.

Assim sendo, não se limita ao tratamento de enfermidades, mas também atua na recuperação e reabilitação.

Em resumo:

Sempre que houver indicação médica justificada, o plano de saúde não pode limitar o tratamento oncológico com base apenas no rol da ANS. A recusa injustificada pode ser combatida judicialmente - inclusive com pedidos de liminar em caráter de urgência.

O art. 35-F da lei dos planos de saúde

Por certo, a assistência a saúde contratada e prevista no art. 1º da lei dos planos de saúde compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, o que nos leva ao entendimento que o fornecimento de medicamentos para tratar a doença constitui uma das forma de assegurar essa assistência.

Isso é o que disciplina o art. 35-F da lei dos planos de saúde:

Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1o desta Lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes.

Destrinchando o artigo é possível extrair que:

1. Natureza ampla da assistência à saúde

A expressão "todas as ações necessárias" estabelece um dever amplo e não restritivo por parte da operadora. Isso reforça a função social do contrato de plano de saúde, que não deve se limitar a listas fechadas ou interpretações literais do rol da ANS.

Implicação prática:

O plano não pode recusar tratamentos essenciais com base em tecnicalidades (ex: "fora do rol", "não consta no contrato"), se eles forem necessários para manter ou recuperar a saúde do paciente, principalmente no caso de doenças graves como o câncer.

2. Prevenção da doença

O termo inclui exames preventivos, rastreamento genético, check-ups e intervenções de risco reduzido com objetivo de evitar agravamentos ou surgimento de tumores.

Exemplo prático: exames como mamografia, colonoscopia, ou painéis genéticos BRCA1/BRCA2 em pacientes com histórico familiar.

3. Recuperação da saúde

Abrange todo o tratamento ativo contra a doença, como cirurgias, quimioterapia, imunoterapia, radioterapia e uso de medicamentos de alto custo - inclusive os off-label ou não listados pela ANS, desde que respaldados por prescrição médica fundamentada.

4. Manutenção da saúde

Inclui tratamentos de uso contínuo ou prolongado, mesmo quando não há expectativa de cura imediata. Aplicável a pacientes em remissão ou acompanhamento oncológico, como uso de hormonioterapia, exames regulares e suporte psicossocial.

Exemplo: Cobertura de tamoxifeno oral por anos após o término da quimioterapia.

5. Reabilitação da saúde

Refere-se ao suporte pós-tratamento, especialmente em situações de sequelas físicas ou emocionais.

Engloba fisioterapia, terapia ocupacional, reabilitação motora, fonoterapia, acompanhamento psicológico e até cirurgias reparadoras, como a plástica reconstrutora mamária.

6. Cláusula contratual x limites legais

Embora o artigo mencione que a assistência deve observar os "termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes", a jurisprudência já consolidou que cláusulas limitativas de cobertura não podem contrariar princípios legais e constitucionais, como o direito à saúde (art. 196 da CF) e à dignidade da pessoa humana.

Em resumo:

O art. 35-F é uma cláusula de proteção ao consumidor-paciente, cuja interpretação deve ser ampliada à luz do CDC, da Constituição e da jurisprudência atual. Nos casos oncológicos, é uma base legal sólida para afastar negativas abusivas, garantir liminares e, quando necessário, pleitear reparação moral.

Conclusão

Para os pacientes que acabam de receber um diagnóstico de câncer, a garantia de acesso ao tratamento adequado é essencial.

A legislação brasileira e o entendimento dos tribunais asseguram que os planos de saúde devem cobrir os medicamentos necessários para o tratamento oncológico, independentemente de limitações impostas pelo rol da ANS.

Conhecer esses direitos é crucial para que os pacientes possam buscar, quando necessário, o cumprimento de suas garantias legais.

Portanto, os pacientes oncológicos e seus familiares devem estar cientes de que, diante de qualquer negativa de cobertura, existem vias legais para assegurar o acesso ao tratamento prescrito, contribuindo para a efetividade e dignidade no tratamento do câncer.

Aline Vasconcelos

VIP Aline Vasconcelos

Advogada especialista em Direito da Saúde, com 15 anos de experiência na defesa de pacientes contra planos de saúde e na garantia de acesso a tratamentos e direitos essenciais.

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