Candidato eliminado por exame de saúde não apresentado: Entenda seus direitos
Eliminar candidato por exame não solicitado previamente fere a ampla defesa, o devido processo legal e os princípios da razoabilidade e legalidade.
sexta-feira, 6 de junho de 2025
Atualizado em 5 de junho de 2025 14:18
No universo dos concursos públicos, a fase de avaliação de saúde costuma ser tratada como etapa de menor complexidade, mas não raramente revela-se um ponto crítico de controvérsias e exclusões sumárias. Entre os diversos exemplos, há um que merece atenção especial: a eliminação do candidato que, mesmo comparecendo regularmente ao exame médico, é desclassificado por não apresentar um exame complementar - cuja necessidade sequer compreendia, por não ter conhecimento técnico suficiente para tal exigência.
Essa situação expõe um problema jurídico relevante. Afinal, pode o candidato ser eliminado sumariamente por não apresentar um exame cuja necessidade não lhe era clara? A resposta, sob a ótica do princípio do devido processo legal, é negativa.
Em primeiro lugar, é necessário compreender que o candidato não é profissional da área médica. Sua obrigação é comparecer à avaliação de saúde conforme as orientações do edital, não podendo ser responsabilizado por não antever a necessidade de exames complementares específicos, cuja indicação depende da avaliação técnica de um médico. O edital, por sua vez, em regra, prevê a possibilidade de solicitação de exames complementares durante ou após a avaliação médica, exatamente para suprir lacunas diagnósticas e permitir a adequada aferição da aptidão do candidato.
Assim, eliminar um candidato que esteve presente à avaliação e cooperou com os procedimentos previstos, mas que não apresentou previamente um exame técnico cuja ausência só poderia ser detectada por um profissional de saúde, é medida que viola o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal - todos garantias constitucionais asseguradas pelo art. 5º, incisos LIV e LV, da CF/88.
Mais do que isso, tal eliminação ignora a própria lógica do edital. Se há a previsão expressa de possibilidade de solicitação de exames complementares, o correto seria que a junta médica apontasse a necessidade do exame ausente, intimando o candidato a apresentá-lo no prazo razoável. O edital não pode ser interpretado de forma a tolher direitos que ele próprio assegura.
A jurisprudência pátria tem reconhecido que a eliminação de candidato por ausência de exame complementar, sem a prévia notificação para sua realização, caracteriza violação aos princípios da razoabilidade, da legalidade e da boa-fé. O TJ/DF, por exemplo, em diversas decisões, tem reafirmado que o candidato não pode ser penalizado por falha atribuível à própria banca examinadora, tampouco pode ser exigido que tenha conhecimentos técnicos que não possui.
Ademais, a Administração Pública deve observar o princípio da supremacia do interesse público, que aqui se traduz não apenas na proteção à legalidade do certame, mas também na preservação do direito de acesso a cargos públicos daqueles que efetivamente preenchem os requisitos exigidos. O candidato que se apresenta à avaliação médica demonstra inequívoca disposição de se submeter às exigências do certame; não é razoável que seja excluído sem qualquer chance de sanar a suposta irregularidade documental de caráter técnico.
Portanto, o que se sustenta é que, diante da ausência de um exame médico complementar, o caminho legítimo e juridicamente adequado seria a notificação do candidato, com prazo para regularização. A eliminação sumária, nesses casos, é desproporcional, e deve ser revista administrativa ou judicialmente.
É preciso lembrar que concursos públicos são processos seletivos regidos por princípios constitucionais, e não meros rituais formais. A forma deve servir ao conteúdo, não o contrário. A exclusão automática de um candidato que compareceu à avaliação médica, sem lhe ser dada oportunidade de suprir um exame técnico, não encontra respaldo nem na lei, nem no bom senso.
Em um Estado Democrático de Direito, o processo seletivo deve ser permeado pela justiça material, e não pela rigidez burocrática. O candidato tem, sim, um bom direito a ser reconhecido: o de participar de todas as etapas do concurso com observância aos princípios do contraditório e da razoabilidade, inclusive na fase de avaliação de saúde.
Ricardo Nascimento Fernandes
Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante.


