MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Fui eliminado do concurso porque a clínica não entregou os exames: Isso é legal? Saiba o que fazer

Fui eliminado do concurso porque a clínica não entregou os exames: Isso é legal? Saiba o que fazer

Candidatos podem ser injustamente eliminados por falhas de clínicas e laboratórios sem culpa própria. A lei garante proteção nesses casos.

sábado, 14 de junho de 2025

Atualizado em 13 de junho de 2025 10:54

A cada novo concurso público, milhares de candidatos enfrentam uma verdadeira maratona de fases, prazos e exigências. E entre elas, a etapa de apresentação de exames médicos é uma das mais temidas - não apenas pelo conteúdo, mas pela burocracia envolvida. Um problema recorrente tem ganhado destaque e gerado revolta: candidatos sendo sumariamente eliminados porque a clínica ou laboratório não entregou os exames médicos no dia agendado pelo edital.

Esse cenário é mais comum do que se imagina, e o que torna a situação ainda mais grave é que o erro não parte do candidato, mas de terceiros - clínicas que atrasam, laboratórios que não cumprem o prazo combinado, ou mesmo erros administrativos de entrega. Mesmo assim, as bancas organizadoras frequentemente desconsideram esse contexto e promovem a eliminação automática, como se a ausência fosse intencional ou negligente.

Mas a pergunta central é: isso é legal? A resposta, sob a ótica constitucional e jurisprudencial, é não.

Boa-fé objetiva e responsabilidade por terceiros

O ordenamento jurídico brasileiro parte de um princípio elementar: ninguém pode ser penalizado por um fato que não deu causa. Quando o candidato age com diligência, agenda seus exames, comparece à clínica no prazo e, mesmo assim, não recebe o laudo a tempo por culpa exclusiva do prestador de serviço, não há má-fé ou omissão pessoal. A boa-fé objetiva, princípio basilar do Direito Administrativo e das relações jurídicas em geral, deve ser observada pela Administração Pública.

Além disso, há um aspecto de razoabilidade e proporcionalidade que não pode ser ignorado. O objetivo do concurso é selecionar os mais aptos, e não excluir candidatos por falhas de terceiros - especialmente quando o edital nem sempre oferece mecanismos claros de defesa para essas situações.

Edital não pode suprimir o contraditório

Em muitos editais, exige-se que os exames médicos sejam entregues pessoalmente no dia da avaliação de saúde. No entanto, essa exigência formal não pode ser interpretada de forma absoluta, principalmente quando há elementos que comprovam a diligência do candidato. Recibos, protocolos, e-mails e mensagens demonstrando o agendamento e a tentativa de obtenção dos exames dentro do prazo são elementos que provam que o candidato não agiu com desídia.

Ora, se o edital prevê a apresentação dos exames, mas não assegura ao candidato a chance de complementar documentos em caso de falha técnica alheia à sua vontade, ele colide com princípios constitucionais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal).

Decisões judiciais têm revertido essas eliminações

A jurisprudência já reconheceu em diversas ocasiões que o erro de terceiros não pode ser imputado ao candidato, especialmente quando este demonstra esforço e comprometimento. Tribunais têm determinado a reintegração de candidatos eliminados por não apresentação de exames médicos no prazo, quando fica provado que a culpa foi da clínica ou laboratório contratado.

Além disso, o princípio da eficiência administrativa (art. 37 da CF) exige que a Administração atue com justiça e razoabilidade. O interesse público - tão invocado pelas bancas - não se confunde com formalismo excessivo. O interesse público se realiza quando os melhores candidatos, devidamente habilitados, são aprovados. E isso inclui considerar que falhas documentais podem, sim, ser supridas sem prejuízo para o certame.

Como agir nessa situação?

Se você foi eliminado do concurso público por não apresentar exames médicos por culpa da clínica, você deve reunir todas as provas que demonstram sua boa-fé e agir rapidamente:

  1. Guarde todos os documentos: protocolos de agendamento, mensagens trocadas com a clínica, recibos de pagamento, e-mails, prints de conversa, etc.
  2. Reúna o edital e o ato de eliminação: é preciso verificar se há violação do que foi previsto ou interpretação abusiva.
  3. Procure um advogado especializado: o tempo é essencial. Muitas vezes, é possível conseguir uma liminar na Justiça para garantir a participação nas fases seguintes.
  4. Evite o silêncio: quanto mais o tempo passa, mais difícil fica comprovar os fatos e obter uma decisão urgente.

Conclusão

A eliminação sumária de candidatos por falha de terceiros, como clínicas e laboratórios, é um dos erros mais recorrentes e injustos no sistema de concursos públicos. Não basta que o candidato seja tecnicamente qualificado, ele precisa vencer também a máquina burocrática e muitas vezes arbitrária das bancas examinadoras.

Mas há solução. A Constituição garante que ninguém será privado de seus direitos sem o devido processo legal. E isso vale também para concursos. Se você fez sua parte, agiu com diligência, e foi prejudicado por um fator externo, você tem direito à revisão do seu caso - e, se necessário, à via judicial.

Concursos públicos devem ser instrumentos de justiça, mérito e oportunidade - não de exclusão por formalismos excessivos.

Ricardo Nascimento Fernandes

Ricardo Nascimento Fernandes

Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca