E as cotas para pessoas com deficiência? A lei 15.142/25 e o silêncio incomodante
A lei 15.142/25 ampliou as cotas raciais em concursos públicos, mas manteve inalterada a reserva para pessoas com deficiência, evidenciando omissão legislativa.
terça-feira, 24 de junho de 2025
Atualizado em 23 de junho de 2025 14:33
A nova lei de cotas: Avanço ou exclusão seletiva?
A lei 15.142/25, sancionada no último dia 3 de junho, trouxe avanços importantes no campo das ações afirmativas ao elevar de 20% para 30% a reserva de vagas para candidatos negros, incluindo pretos, pardos, indígenas e quilombolas, nos concursos públicos federais. A medida foi amplamente comemorada por entidades de direitos humanos, movimentos sociais e parte da comunidade jurídica. Contudo, causou estranheza o silêncio quanto às cotas destinadas às PCDs - pessoas com deficiência, mantidas nos moldes anteriores.
Panorama das cotas para pessoas com deficiência
Desde a lei 8.112/1990 e com reforço no decreto 9.508/18, é garantida a reserva de no mínimo 5% das vagas em concursos públicos para candidatos com deficiência, desde que o quantitativo total de vagas do edital permita essa aplicação. Essa reserva, todavia, permanece estagnada, mesmo diante de um novo marco normativo que se propõe a repensar a inclusão e a equidade no acesso ao serviço público.
Na prática, o que se vê é um conjunto de dificuldades enfrentadas por esses candidatos: exigências incompatíveis com as limitações funcionais, ausência de adaptações razoáveis durante as etapas do concurso, bancas desqualificadas para avaliar laudos e necessidades especiais, e um controle deficiente da efetiva implementação dessas cotas.
Comparativo jurídico e constitucional
O princípio da isonomia, previsto no art. 5º da Constituição Federal, impõe tratamento desigual aos desiguais na medida de suas desigualdades. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com status de emenda constitucional desde o decreto 6.949/09, também impõe ao Estado brasileiro o dever de adotar todas as medidas necessárias para assegurar a plena inclusão das PCDs na vida pública e no mercado de trabalho.
Nessa perspectiva, não há razão jurídica plausível para que a lei 15.142/25 tenha ampliado apenas as cotas raciais, mantendo inalterada a política de reserva para PCDs. A omissão legislativa salta aos olhos quando se observa que ambos os grupos enfrentam barreiras estruturais semelhantes, inclusive com indicadores de sub-representação no funcionalismo.
A necessária atualização das cotas para PCDs
A nova lei representou uma oportunidade perdida de fortalecer também a inclusão das pessoas com deficiência. Havia espaço legislativo e social para que se revisasse o percentual de reserva, hoje insuficiente diante da demanda real e das metas de acessibilidade e equidade. A ausência de uma previsão mais protetiva às PCDs evidencia uma assimetria que, longe de ser meramente técnica, é política e ideológica.
Além disso, faltou participação mais ampla de entidades representativas das pessoas com deficiência no processo legislativo. Políticas públicas só se tornam efetivas quando dialogam com a realidade de seus destinatários.
Conclusão: Inclusão não se faz pela metade
A lei 15.142/25 é um passo importante, mas incompleto. A inclusão não pode ser seletiva. Se o objetivo é promover um serviço público mais plural e representativo, não se pode ignorar a realidade das pessoas com deficiência. É necessária uma revisão urgente das políticas de cotas também para esse grupo, com aumento do percentual, qualificação das bancas e mecanismos de fiscalização mais eficientes.
O debate está lançado. Cabe à sociedade civil, aos juristas e aos representantes políticos exigir que a próxima revisão da lei atenda a todos os que dela precisam com justiça e equidade.
Ricardo Nascimento Fernandes
Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante.


