Da eficiência à ética: O uso de inteligência artificial no Judiciário brasileiro
Uso de IA no Judiciário e na advocacia traz ganhos de eficiência, mas exige atenção a riscos éticos, transparência algorítmica e responsabilidade profissional.
quinta-feira, 26 de junho de 2025
Atualizado em 25 de junho de 2025 09:51
O uso de tecnologias baseadas em IA - inteligência artificial no sistema de Justiça brasileiro representa uma das maiores transformações dos últimos anos. A promessa de aumento da eficiência e redução da morosidade processual vem atraindo o interesse de tribunais e órgãos públicos. Entretanto, a aplicação de sistemas automatizados em atividades judiciais também traz à tona desafios éticos e jurídicos que exigem reflexão crítica e regulação adequada.
Diversos tribunais brasileiros utilizam soluções de IA para auxiliar em atividades repetitivas, como triagem de processos e organização jurisprudencial. Temos o Victor, no STF, que identifica processos com potencial de repercussão geral. No CNJ, temos a Sinapses, que é uma plataforma colaborativa para desenvolvimento e compartilhamento de modelos de IA entre tribunais. E a Athos, no STJ, que cataloga temas jurídicos em decisões colegiadas.
Tais ferramentas têm contribuído para otimizar o trabalho do Judiciário, mas sua utilização ainda é incipiente e levanta preocupações quanto à confiabilidade, à justiça algorítmica e ao controle humano sobre os processos decisórios.
O exercício da advocacia também tem passado por transformações impulsionadas pela tecnologia. As ferramentas de IA - inteligência artificial vêm sendo progressivamente incorporadas à rotina dos escritórios de advocacia, permitindo automatizar pesquisas jurídicas, revisar contratos, realizar análises preditivas e até mesmo redigir peças processuais. Tais recursos prometem ganhos de produtividade e acessibilidade.
Contudo, o uso da IA na elaboração de peças processuais também gera inquietações quanto à ética profissional, à responsabilidade do advogado e à qualidade da prestação jurisdicional.
Importante ressaltar que os sistemas de IA muitas vezes operam como "caixas-pretas", com lógicas inacessíveis ou incompreensíveis aos usuários e operadores do Direito. Essa falta de transparência compromete o princípio da motivação das decisões judiciais e dificulta a fiscalização democrática. Adicionalmente, há casos em que a IA cria jurisprudência fictícia, com teor decisório favorável ao cenário descrito pelo usuário, sendo que, em muitas situações, essa jurisprudência não é verídica.
A delegação irrestrita da função redacional à máquina pode ferir o dever de diligência, pois o advogado é responsável legal e eticamente pelo conteúdo das peças que assina. Há uma demanda crescente por posicionamentos mais claros da OAB quanto ao uso de IA na advocacia. Normas específicas, guias de boas práticas e certificações tecnológicas podem ser instrumentos úteis para orientar o uso ético e responsável da IA por profissionais do Direito.
O uso de inteligência artificial por advogados na elaboração de peças processuais representa um avanço significativo na modernização da prática jurídica, ampliando a produtividade e democratizando o acesso a recursos técnicos. No entanto, essa transformação deve ser acompanhada de responsabilidade ética, supervisão humana qualificada e compromisso com a qualidade da prestação jurisdicional.
É essencial que o advogado continue exercendo seu papel como operador do Direito, responsável por interpretar a norma, construir argumentos e representar os interesses do cliente com autonomia e criatividade. A IA pode ser uma aliada - mas nunca deve substituir o julgamento jurídico humano.
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BRASIL. Projeto de Lei nº 21, de 2020. Marco Legal da Inteligência Artificial.
CONSELHO FEDERAL DA OAB. Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994. Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 332/2020. Dispõe sobre o uso de inteligência artificial no Poder Judiciário.
Karoline Barbosa Santos
Advogada com sólida experiência nas áreas empresarial, consultiva, tecnologia e direito digital. Atualmente, exerce a função de Gestora Jurídica na Mascarenhas Barbosa Advogados.


