Accountability do Estado brasileiro
O Judiciário brasileiro é onerado por práticas abusivas do próprio Estado, que litiga em massa, ignora decisões e evita punições, comprometendo eficiência e justiça.
sexta-feira, 27 de junho de 2025
Atualizado em 26 de junho de 2025 16:00
O Poder Judiciário Brasileiro é um gigante que consome R$ 132,8 bilhões por ano e administra quase 84 milhões de processo, conforme dados do Anuário Justiça em números 2014 do CNJ. Além disso, está nas primeiras posições quando comparado seu custo anual ao PIB do país, demandando 1,61% no Brasil, ante a taxas bastante inferiores na França (0,25%) ou ainda a média mundial (0,37%).
Mas não é só isso. Nas primeiras posições da lista dos maiores litigantes encontramos o Estado Brasileiro, seja representado pela União, pelos Estados e pelos municípios; o qual, inclusive, chegava a possuir a maioria dos processos em andamento.
Esse contencioso excessivo do Estado, em verdade esconde uma insistência recorrente de alguns entes federativos e órgãos públicos de não cumprir as normas legais e decisões judiciais. Ao invés de simplesmente ajustarem suas condutas, muitas vezes essas entidades, que deveriam ser exemplos no cumprimento das normas, ignoram decisões e alterações legislativas.
Como exemplo, podemos citar o entendimento consolidado no STF de que a taxa SELIC é o teto para os juros moratórios a serem fixados pelos Estados para correção de seus débitos fiscais (ADIn 442/SP). Ao invés de corrigir imediatamente e "de ofício" as situações que se afastam da regra ali estipulada, boa parte dos entes públicos insistem nas cobranças abusivas, seja em demandas judiciais, seja em processos administrativos, gerando milhares de recursos e defesas que somente tornam o Judiciário mais caro e ineficiente.
Esse cenário, em verdade, cria um círculo vicioso no qual os feitos executivos fiscais acabam demandando, em média, 7 anos e 9 meses para terminarem.
A cobrança por um entende público de algo sabidamente indevido, por si só, já deve ser considerado um absurdo. Porém, ao invés de coibir referida conduta, o Poder Judiciário tem mitigado os efeitos das decisões contrárias em face dos entes públicos.
Isso porque, com grande frequência, encontramos decisões que não aplicam a devida punição ao litigante vencido em casos contra a Fazenda Pública. Nos casos em que esta é parte, o CPC de 2015 foi expresso em definir o padrão
para fixação de honorários, seja no polo ativo ou passivo, trazendo percentuais de sucumbência inferiores aos aplicados aos demais litigantes (art. 85, § 3º). Entretanto, em diversos casos, o Judiciário vem desconsiderando a disposição expressa do Código e aplicando sucumbências com valores equitativos ou ainda sequer aplicando referido ônus.
A situação é trágica. Os filhos (entes públicos) insistem em não cumprir as normas legais e decisões judiciais e os pais (Poder Judiciário), ao invés de reprimir referida conduta com base nos preceitos legais, encontram uma solução para "suavizar" a pena daqueles quando descobertos.
Ora, uma vez que o valor da condenação é um percentual sobre a condenação ou proveito econômico (redução da ilegalidade), somente sofrerá dura imputação caso a ilegalidade seja igualmente em montante expressivo.
Os entes públicos brasileiros não temeriam referida imputação, nem tentariam mitigá-la se praticassem a tão clamada accountability. Referido termo oriundo da língua inglesa pode ser explicado como responsabilidade com a ética, as obrigações e a transparência. Ao cobrar algo sabidamente indevido, os entes públicos deveriam, sem qualquer manifestação e/ou recurso da parte, restituir o que eventualmente recebeu ou mesmo ajustar o valor da cobrança.
Mas não, a postura é de insistir na cobrança, contestar e apresentar todos recursos possíveis para tentar mantê-la, bem como reduzir os honorários advocatícios em caso de derrota.
Já passou da hora do poder público agir com responsabilidade e transparência na relação com os contribuintes. Ao Judiciário, no papel de guardião da constituição, da lei e da ordem, competirá demonstrar se será conveniente com referida conduta ou a reprimirá na forma da lei.
Rafael Oliveira Beber Peroto
Advogado e escritor, Mestre e Doutorando em Direito Constitucional e Processo Tributário pela PUC/SP e Sócio da Oliveira e Olivi Advogados e Associados.


