Prova oral para investigador da Polícia Civil de SP: Exigência legal ou violação da razoabilidade?
A exigência da prova oral para investigador da Polícia Civil de SP levanta dúvidas sobre legalidade e razoabilidade, destacando falta de transparência e desproporcionalidade para cargo técnico.
segunda-feira, 30 de junho de 2025
Atualizado em 27 de junho de 2025 15:46
A exigência de prova oral no concurso público para o cargo de investigador da PC/SP - Polícia Civil do Estado de São Paulo reacende debates fundamentais sobre os limites legais e constitucionais da Administração Pública na organização de seus certames. Embora a LC 1.151/11, em seu art. 5º, inciso IV, determine a obrigatoriedade da prova oral para todas as carreiras da Polícia Civil que exijam nível superior, a sua aplicação irrestrita - sem qualquer filtro de necessidade, proporcionalidade ou compatibilidade com a natureza do cargo - impõe questionamentos relevantes do ponto de vista jurídico.
O cargo de investigador de polícia, conforme disciplinado na LC 207/1979 (lei orgânica da Polícia Civil de SP), tem atribuições essencialmente operacionais, técnicas e investigativas. Não exige do servidor atividades que envolvam retórica, oratória, domínio da linguagem jurídica ou argumentação pública - como ocorre com carreiras jurídicas propriamente ditas, como delegado de Polícia ou procurador do Estado. Nesse contexto, qual é a real utilidade da prova oral para o exercício dessa função?
Segundo a doutrina clássica, o princípio da razoabilidade impõe à Administração a obrigação de atuar com lógica e equilíbrio, de forma proporcional entre os meios utilizados e os fins a serem atingidos. Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, "a razoabilidade exige que o ato administrativo não seja arbitrário, devendo guardar coerência entre o motivo e o objeto". Celso Antônio Bandeira de Mello acrescenta que o princípio da proporcionalidade exige adequação, necessidade e utilidade das medidas estatais frente aos direitos dos administrados.
À luz desses princípios, a exigência de uma etapa oral com caráter eliminatório e classificatório para um cargo como o de investigador de polícia se mostra excessiva. Pior: quando não há justificativa expressa no edital que fundamente sua pertinência funcional, a exigência não apenas perde sentido, como também pode configurar desvio de finalidade.
O próprio STF, já afirmou que "é vedado ao poder público exigir formas de avaliação que comprometam os princípios da igualdade e da impessoalidade, especialmente quando desnecessárias ao desempenho do cargo". No mesmo sentido, o STJ, reforçou que "a exigência desproporcional de etapas em concursos públicos afronta os princípios constitucionais da razoabilidade e da eficiência".
No caso específico da PC/SP, além da desproporcionalidade da exigência, o edital IP-1/23 apresenta falhas graves de transparência na execução da prova oral, o compromete frontalmente o direito ao contraditório e à ampla defesa, pilares do devido processo legal.
O cenário se agrava diante de relatos de inúmeros candidatos reprovados que não conseguiram acessar a gravação da própria avaliação, nem comprovar que a solicitaram dentro do prazo - justamente porque o edital não oferece um meio formal e seguro para isso. Nesses casos, a ausência de controle mínimo sobre a legalidade do ato administrativo torna a eliminação arbitrária e passível de nulidade judicial.
A título de exemplo, o TJ/SP já reconheceu, na apelação cível XXXX256-72.2021.8.26.0053, que "a imposição de prova oral para cargo de natureza técnica ou operacional exige motivação no edital e adequação à complexidade do cargo. Caso contrário, caracteriza-se desvio de finalidade".
Portanto, o que se vê não é apenas a previsão legal de uma etapa - mas o uso de uma etapa com forte grau de subjetividade, sem transparência e sem controle recursal, aplicada a um cargo que, por sua natureza, não justifica tal exigência.
É chegada a hora de repensar, inclusive judicialmente, o alcance da exigência de prova oral nos concursos públicos para cargos técnicos da Polícia Civil. A legalidade formal não pode se sobrepor aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Afinal, o concurso público deve selecionar os mais capacitados, não os que melhor se adaptam a modelos obsoletos e desproporcionais de avaliação.
Ricardo Nascimento Fernandes
Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante.


