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O papel do SAC nas relações de consumo: Dever de solução e sua repercussão jurídica

O SAC deve ser a primeira instância acionada pelo consumidor insatisfeito, permitindo que o fornecedor tenha a oportunidade de corrigir falhas ou esclarecer eventuais equívocos antes do ajuizamento de ações.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Atualizado em 1 de julho de 2025 13:37

O SAC - Serviço de Atendimento ao Consumidor é o canal de comunicação direta que as empresas disponibilizam aos clientes para prestar informações, esclarecer dúvidas, registrar reclamações, pedidos de cancelamento, sugestões ou resolver problemas relacionados a produtos e serviços.

O SAC não deve ser entendido apenas como um canal de escuta, mas como um instrumento resolutivo dentro das relações de consumo. O seu papel vai além do mero recebimento de reclamações: há um dever jurídico de oferecer soluções eficazes e tempestivas às demandas apresentadas pelos consumidores.

É necessário compreendermos que, em um mercado cada vez mais dinâmico e digitalizado, o SAC se consolida como um dos principais instrumentos de diálogo entre empresas e consumidores. Mais do que um canal de reclamações, o SAC representa um direito fundamental previsto no CDC - e uma obrigação legal das empresas.

Além disso, o decreto 6.523/08, que regulamenta o SAC para setores regulados, reforça esse dever de solução ao exigir prazos para resposta, protocolos de atendimento, acessibilidade e possibilidade de cancelamento imediato. O desrespeito a essas normas pode ensejar sanções administrativas pelos órgãos de defesa do consumidor e até responsabilidade civil por danos morais e materiais em caso de prejuízo ao consumidor.

A jurisprudência pátria reconhece, de forma reiterada, que o atendimento ineficaz ou a ausência de resposta às reclamações configura desrespeito à boa-fé objetiva e aos deveres de cooperação e lealdade, podendo gerar indenizações. Assim, o SAC precisa ser estruturado não apenas como um setor formal da empresa, mas como um ponto estratégico de conformidade legal e de proteção da relação de consumo.

Para o consumidor, o SAC é uma ferramenta de defesa, capaz de solucionar conflitos de forma ágil e menos onerosa. Para as empresas, trata-se de uma oportunidade para demonstrar respeito, transparência e compromisso com o cliente, contribuindo para a fidelização e reputação da marca. Contudo, para que isso ocorra, é imprescindível que o atendimento seja eficiente, respeitoso e verdadeiramente comprometido com os direitos do consumidor.

As empresas têm o dever legal de oferecer canais de atendimento acessíveis, eficazes e que respeitem a dignidade do consumidor. O CDC, especialmente em seus artigos 6º e 14, impõe ao fornecedor a obrigação de garantir a qualidade do serviço de atendimento, tanto no aspecto técnico quanto no relacional.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

XI - a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;

XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;

XIII - a informação acerca dos preços dos produtos por unidade de medida, tal como por quilo, por litro, por metro ou por outra unidade, conforme o caso.

Parágrafo único. A informação de que trata o inciso III do caput deste artigo deve ser acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento.

Art. 14 O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Portanto, a eficácia do SAC tem repercussões jurídicas diretas. Empresas que negligenciam esse serviço expõem-se a litígios, multas e danos à reputação, enquanto consumidores que enfrentam omissão ou descaso têm respaldo legal para buscar a reparação de seus direitos.

A prestação de um serviço de atendimento ineficaz viola esses princípios e pode ser caracterizada como prática abusiva, nos termos do artigo 39 do CDC. O fornecedor que não cumpre com sua obrigação de atendimento responde pelos danos causados, conforme dispõe o artigo 14.

Art. 39 É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;

VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;

VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços;

XI - Dispositivo incluído pela MPV 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999

XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.

XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.

XIV - permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de

consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo.

Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.

É importante destacar que, antes de recorrer ao Poder Judiciário, o consumidor deve, sempre que possível, esgotar as vias administrativas disponíveis, especialmente por meio do SAC da empresa fornecedora. O acionamento prévio desse canal demonstra boa-fé e colabora com a tentativa de solução célere e menos onerosa do conflito.

A busca imediata pela via judicial, sem qualquer tentativa anterior de resolução extrajudicial, pode ser interpretada como falta de razoabilidade, especialmente quando o problema poderia ser solucionado de forma simples por meio do atendimento ao consumidor. Além disso, essa postura contribui para a judicialização excessiva das relações de consumo, onerando o sistema judiciário e retardando a entrega da prestação jurisdicional em casos mais complexos.

Portanto, o SAC deve ser a primeira instância acionada pelo consumidor insatisfeito, permitindo que o fornecedor tenha a oportunidade de corrigir falhas ou esclarecer eventuais equívocos antes do ajuizamento de ações. Tal conduta, além de ética e responsável, pode evitar desgastes desnecessários para ambas as partes.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Esgotamento da instância administrativa não é condição para ingresso na via judicial. 6 set. 2016. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2016/2016-09-06_13-55_Esgotamento-da-instancia-administrativa-nao-e-condicao-para-ingresso-na-via-judicial.aspx. Acesso em: 30 jun. 2025.

BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 12 set. 1990.

Geisiane Palácio

Geisiane Palácio

Advogada no escritório Mascarenhas Barbosa Advogados, atuante na área Consumerista

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